segunda-feira, 30 de abril de 2012

1º de Maio: comida, diversão e contra-informação

Ilustração: os mártires de Chicago
Historicamente, a classe patronal usa de artimanhas para alcançar objetivos e para que o trabalhador esqueça a verdadeira origem e sentido do 1º de Maio, atraindo a classe trabalhadora com seu velho 'pão e circo'. Primeiro dia do mês, dia do trabalhador e o que vem na cabeça de muitos: feriado, festas, bingos, premiações, shows de pagode ou de dupla 'sertaneja universitária', costelão e até corte de cabelo na 'faixa', tudo isso oferecido 'generosamente' por empresas e empregadores.

Mascarando o verdadeiro sentido desta data de luta, o 'festerê' promovido no feriadão serve para que o empregado - transformado hoje em 'colaborador' - esqueça os demais 364 dias do ano e abandone ideais de que é a partir da luta dos trabalhadores que se fazem as mudanças estruturais de uma sociedade.

Empresários conseguiram transformar o 1º de Maio em espetáculos das multidões atrás de prêmios, comida e diversão. Porém não podemos responsabilizar somente a classe patronal pela deturpação do sentido da data, somam-se a ela, igreja e até centrais sindicais, que há muito tempo usam dessa prática de shows com sorteios de prêmios, em atos patrocinados por grandes marcas, atendendo assim interesses classistas, prestando um serviço à classe patronal e um desserviço a classe trabalhadora.

Para dar voz ao tripé (patrões, clero e sindicalismo pelego) está a comunicação de massa, a de produção de pensamento hegemônico. Com o perdão das exceções (cada vez mais raras), a cobertura dos meios de comunicação tradicionais sobre o 1º de Maio ao mesmo tempo em que é deprimente - com suas pautas repetitivas - é também perigosa ao contribuir com esse cenário de alienação e falta de aprofundamento sobre seu real significado, ao ponto de ouvirmos a utilização de 'dia do trabalho', uma nomenclatura que para alguns pode parecer insignificante, mas que carrega um simbolismo ao valorizar o trabalho em si, como a velha ladainha do 'ato que dignifica', mas que não valoriza aquele que produz a riqueza.

Diante disso, vale destacar a importância histórica da imprensa alternativa, da comunicação sindical compromissada com a classe trabalhadora, e hoje - em épocas de era digital - as novas mídias, no papel de fazer o resgate do verdadeiro sentido do 1º de Maio como um dia de luta, uma data para reafirmação de reivindicações, defesa daquilo que já foi conquistado, reforçando a união dos trabalhadores enquanto classe que luta para acabar com toda forma de exploração e opressão.

Uma data para relembrarmos os milhares de trabalhadores que lutaram para que hoje pudéssemos ter uma série de conquistas como carteira assinada, salário mínimo, licença maternidade, direito ao voto, dentre tantos outros.

A contra-informação

Assim como a comunicação hegemônica deforma, a comunicação alternativa forma. Nesse sentido, a imprensa alternativa sempre teve um grande papel ao mostrar o 1º de Maio dos trabalhadores e ser uma porta-voz ao serviço da classe. Tudo inicia com a imprensa anarquista do começo do século XX com publicações e jornais operários como: O Operário (Recife), O Socialista (Salvador), A Luta (Porto Alegre), O Proletário (Juiz de Fora), Primo Maggio (São Paulo) e, talvez o principal deles, A Plebe (São Paulo), dirigido pelo jornalista Edgard Leuenroth.
João Ferrador

Já nos anos de 1980, a imprensa sindical começa a ganhar força e dar voz ao grito dos trabalhadores. Sindicatos lançam jornais, boletins, folders e criam símbolos, como o personagem João Ferrador, que ilustrou as publicações diárias do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, durante a histórica greve de 1980.

Infelizmente, nos dias atuais, grande parte dos sindicatos tem se focado apenas nas pautas imediatas e corporativas (de cada categoria) com suas reivindicações do dia a dia (salários, condições de vida de trabalho e jornada), deixando de lado a luta histórica do trabalhador e suas pautas comuns, sendo a principal delas, a luta contra o grande capital que explora o homem sobre o homem.   

Um dos grandes estudiosos do 1º de Maio, o escritor Vito Gianotti, do NPC (Núcleo Piratininga de Comunicação), costuma dizer que "a comunicação é um instrumento do convencimento, que junto à força da organização e luta é componente essencial para a disputa de hegemonia". Então, se hegemonia é convencimento e força, a comunicação sindical, a imprensa alternativa e o fenômeno das novas mídias tem um potencial enorme pela frente.

Histórico

O Dia do Trabalhador nasceu em 1889, de uma iniciativa dos trabalhadores organizados na AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores) de declarar um dia de luta pelas 8 horas diárias de trabalho e em homenagem aos mártires que morreram durante a greve geral de 1º de maio de 1886, em Chicago. Na ocasião, os grevistas de Chicago foram duramente reprimidos pela polícia, tendo os seus principais líderes – sindicalistas anarquistas – condenados à forca.

Ao longo dos anos, o dia 1º de Maio ficou, então, marcado como um dia para homenagear as lutas dos trabalhadores e das trabalhadoras por melhores condições de vida e de trabalho, sendo comemorado no mundo inteiro por sindicatos, associações de trabalhadores, militantes e trabalhadores do campo e das cidades.

Abaixo algumas capas de publicações históricas com menção ao 1º de Maio e a luta dos trabalhadores.

Jornal da COB (Confederação Operária Brasileira) do 1º de maio de 1913. Capa traz ilustração que traduz o ideal da central: um operário de marreta na mão sobre as caveiras do "capitalismo, clero, burguesia e militarismo".
Edição de 1918 do jornal O Cosmopolita, do Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis do Rio,
conta a tragédia do 1º de maio de 1886 em Chicago
Em 1906, em Paris, é lançado o jornal satírico O Prato à Manteiga, com ilustração alusiva ao 1º de maio:
8 horas de trabalho, 8 horas de lazer, 8 horas de repouso, é o tema da capa

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Revolução dos Cravos é tema de palestra-espetáculo

Nesta quarta-feira, dia 25 de abril de 2012, completam-se 38 anos da 'Revolução dos Cravos', movimento que ocorreu em Portugal no ano de 1974. Comandada por jovens militares de baixa patente, muitos inspirados em ideais democráticos e socialistas, essa revolução derrubou a ditadura fascista do 'Estado Novo', inaugurada por Oliveira Salazar em 1933 e que teve sequência com Marcelo Caetano.

Esse período histórico dos 'patrícios' será tema da palestra e espetáculo musical "38 anos da Revolução dos Cravos em Portugal: 25 de abril sempre!", nesta quarta-feira (25), a partir das 19h30 no auditório da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná). O palestrante será o professor Alexandre Fiuza, doutor em História Contemporânea.

Assim como na palestra "O Golpe de 64 e os Golpes Contra a Memória", realizada no dia 30 de março, sobre o golpe que instaurou uma ditadura civil-militar no Brasil, o professor Alexandre terá a companhia do quarteto de músicos: Ana Carolina Noffke, Cristini Colleoni, Giovani Pinheiro e Sil Vaillões, além de Leo Mariani e Ricardo Denchuski.

Primavera libertária

O nome da revolução portuguesa é inspirado na atitude da juventude portuguesa, que colocava cravos e flores nos fuzis dos soldados em comemoração a restauração da primavera democrática, libertária e anti-colonialista no país.

Esse acontecimento é tema do filme 'Capitães de Abril' e inspirou várias canções. Podemos esperar no espetáculo na Unioeste clássicos como 'Grandola, Vila Morena', do compositor português Zeca Afonso. Abaixo outra canção inspirada na Revolução dos Cravos; 'Tanto Mar' de Chico Buarque de Hollanda.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Em memória de Carajás, em defesa da reforma agrária

Ato em frente ao assentamento Valmir Mota, em Cascavel
Covas com palmos medidas, partes que nos cabe nos latifúndios dos confins de terras tão divididas. Parafraseando versos 'cabralistas' de Melo Neto, que embalados pela voz inconfundível de Chico Buarque de Hollanda, são o retrato do segundo país que mais concentra terras nas mãos de poucos no mundo. Uma nação onde a reforma agrária ainda não tem espaço, onde a luta dos trabalhadores é criminalizada e onde os crimes de violência no campo seguem impunes.

Aliados à impunidade estão os retrocessos da reforma agrária no Brasil, motivados pela escolha prioritária do Estado por um modelo 'desenvolvimentista' que se torna cada vez mais excludente. Diante disso, anualmente o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) realiza sua Jornada de Lutas, conhecida como 'Abril Vermelho'. As manifestações culminam com o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, em 17 de abril, data escolhida em memória às vítimas do massacre ocorrido em 1996 em Eldorado de Carajás, no Pará.

Os 16 anos desta chacina foram lembrados nesta terça-feira (17/04) em atos por todo o país. No Paraná, não foi diferente e, no Oeste do Estado, integrantes do MST realizaram um manifestação em frente ao assentamento Valmir Mota, nome dado em homenagem ao sem-terra morto na antiga estação da multinacional Syngenta. Tragédia que abateu os dois lados, visto que também vitimou um segurança-miliciano, porém um crime que só aconteceu em virtude da formação de milícias armadas ligadas a setores ruralistas da região e onde o mandante ainda não foi punido.

Famílias do assentamento Valmir Mota e dos acampamentos 1º de Agosto e 7 de Setembro bloquearam a rodovia BR-277, em Cascavel, por 21 minutos, em alusão aos 21 mortos em Eldorado de Carajás. Em meio à rodovia e sob coordenação da professora do assentamento, Lucimar Ramires, os 'sem-terrinhas', crianças e adolescentes do movimento, realizaram uma encenação teatral para relembrar o fato ocorrido há 16 anos.

  
Além de homenagearem os companheiros mortos na operação policial, os sem-terra fizeram alertas para o retrocesso da reforma agrária no Brasil, com a diminuição de políticas de desapropriações de terras, além dos cortes previstos no orçamento da União para 2012, tanto do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) quanto do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário). São verbas cortadas que seriam destinadas à instalação de assentamentos, desenvolvimento da agricultura familiar e para a educação do campo.

A tendência, segundos os integrantes do MST, é que se repita números parecidos com o primeiro ano do Governo Dilma Rousseff - o pior em termos de criação de assentamentos dos últimos 16 anos - onde apenas 7 mil famílias foram assentadas. A preocupação é tanta que o setor poderá chegar em alguns casos a patamares parecidos aos tempos do Governo Fernando Henrique Cardoso, segundo levantamento feito pela própria assessoria técnica da liderança do PT na Câmara de Deputados.

Paraná

No Paraná, os trabalhadores sem-terra cobram no 'Abril Vermelho': assistência técnica para as famílias assentadas e infraestrutura para os assentamentos; como crédito, habitação e renegociação de dívidas, além da construção de escolas nas áreas de reforma agrária, e acesso à cultura. Somente no Estado, são cerca de 25 mil famílias sem terra, em aproximadamente 350 assentamentos e 70 acampamentos.

Em recente visita ao acampamento 7 de Setembro, no distrito de São João, o superintendente regional do Incra, Nilton Bezerra, informou que existem 72 áreas com reintegração de posse no Paraná, sendo 51 delas em processo de negociação por parte do órgão.Vale destacar que o Incra também está, segundo Bezerra, fazendo um monitoramento de terras que foram alvos de grilagem no Paraná - a raiz de grande parte da concentração fundiária no Estado. "As pessoas não fazem ideia do tanto de áreas griladas que existem no Paraná, áreas 'esquentadas' em cartório", disse na oportunidade.

Histórico

É preciso contextualizar Eldorado de Carajás após os 16 anos. Ao todo, 21 sem-terra foram mortos na operação policial, os sobreviventes do massacre ainda têm dúvidas do número oficial de mortos divulgados pelo Estado, pois há crianças, homens e mulheres desaparecidos que não estão na lista dos mortos e também não foram encontrados depois.

Dois meses após a operação policial, uma ação coletiva teve início na Justiça. O processo é considerado o maior da história criminal brasileira em número de réus, no total são 155 policiais. Em 2002, saiu a decisão da Justiça: dos 155 acusados, 142 foram absolvidos, 11 acabaram sendo retirados do processo e apenas dois condenados. Apesar da repercussão internacional, ninguém foi preso.

Grande parte da mídia ainda se refere ao massacre como um 'confronto', fora os meios que ignoram totalmente o caso. Diante disso, vale lembrar citação do médico legista Nelson Massini, no volume n.º 20 do Processo de Eldorado: "De um lado, havia um grupo fortemente armado; de outro, um grupo que também poderia estar armado, mas há desproporção muito grande entre aquelas forças policiais e trabalhadores, de tal maneira que essa situação de desproporção levou a esse massacre. Tanto é verdadeiro que não precisa ser uma conclusão médico-legal. Poder-se-ia dizer uma conclusão leiga, mas que mostra essa desproporção. Se de um lado morreram 19 [no local], do outro não morreu ninguém, há, só por isso massacre."

AVISO AOS SITIANTES: Esse blog abordou o Abril Vermelho sob outro prisma, sem dar destaque para congestionamento na rodovia, quando o assunto em pauta é reforma agrária e 16 anos de um massacre de repercussão internacional. Também não há espaço para frases como: "(...) período do Abril Vermelho, quando constantemente promovem agitos", além de não nos referirmos a uma professora da Educação do Campo como 'porta-voz do movimento'.

sábado, 14 de abril de 2012

MST realizará ato em memória de Eldorado dos Carajás

Eldorado dos Carajás (Paulo Araújo/Folha Imagem)
Ao longo do mês de abril várias mobilizações são realizadas por trabalhadores do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). A programação faz parte do 'Abril Vermelho', atos em prol da reforma agrária no País. Em abril, os integrantes dos movimentos sociais de luta pela terra também realizam manifestações em memória ao Massacre de Eldorado dos Carajás, a chacina no Pará onde foram assassinados 21 sem-terra em 17 de abril de 1996.

Os sobreviventes daquele massacre ainda têm dúvidas do número oficial de mortos divulgados pelo Estado, pois há crianças, homens e mulheres desaparecidos que não estão na lista dos mortos e também não foram encontrados depois. Dois meses após a operação policial, uma ação coletiva teve início na Justiça. O processo é considerado o maior da história criminal brasileira em número de réus, no total são 155 policiais. Em 2002, saiu a decisão da Justiça: dos 155 acusados, 142 foram absolvidos, 11 acabaram sendo retirados do processo e apenas dois condenados. A partir de então o 17 de abril tornou-se oficialmente o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

Em Cascavel, integrantes do MST farão na próxima terça-feira (17/04) - data onde serão completados 16 anos do Massacre de Eldorado - uma manifestação em frente ao assentamento Valmir Mota, na rodovia BR-277, a partir das 8h. O ato envolverá trabalhadores camponeses e os 'sem-terrinha', crianças dos acampamentos e assentamentos. O nome do assentamento onde acontecerá o ato é uma homenagem ao militante 'Keno', morto há cinco anos em confronto com seguranças-milicianos na antiga estação da multinacional Syngenta, em Santa Tereza do Oeste.

Além dessa manifestação, trabalhadores sem-terra da região Oeste irão à Brasília para outras atividades alusivas ao Abril Vermelho. Em Curitiba, segundo informações da assessoria de comunicação do MST, militantes farão nesta segunda-feira (16/04) uma marcha até a Superintendência Regional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Paraná) para fazer a entrega de uma pauta de reivindicações.

A mobilização tem por objetivo cobrar tanto do governo federal quanto do estadual a realização da reforma agrária, que se encontra paralisada no país, sendo que somente no Paraná cerca de seis mil famílias permanecem acampadas, em situação precária, vivendo em beiras de estradas e em áreas ocupadas, e que muitas vezes são vítimas da violência do latifúndio e do agronegócio.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A democratização não será televisionada


Nessa semana completam-se 10 anos do golpe de Estado que durou aproximadamente 48 horas na Venezuela. No dia 11 de abril de 2002, a direita venezuelana desencadeou uma ação contra o presidente eleito Hugo Chávez. Uma década depois, no momento em que setores progressistas, movimentos sociais e militantes da comunicação levantam bandeiras pela democratização e por um marco regulatório para as comunicações é importante lembrar do fato, independente de posições ideológicas, de chavistas ou anti-chavistas.

A partir dessa ação - que ficou conhecida como um golpe midiático - é que iniciou-se no país de Bolívar, o "Libertador das Américas", as discussões sobre um marco regulatório dos meios de comunicação, modelo que muitos ativistas, jornalistas e blogueiros puderam conhecer detalhes no 1º Encontro Mundial de Blogueiros, ocorrido no fim do ano passado em Foz do Iguaçu, que contou com a explanação do ex-ministro de Comunicações da Venezuela, Jesse Chacón.

Vale lembrar que o golpe ocorrido 10 anos atrás foi protagonizado por vários setores da elite venezuelana, mas foi liderado por grandes grupos midiáticos, especialmente a Globo Vision e a Venevision. Os detalhes sobre esse golpe fracassado podem ser vistos no documentário: 'A Revolução não será Televisionada'. Lançado em 2003, ele foi dirigido pelos irlandenses Kim Bartley e Donnacha O’ Brian. O título é inspirado no poema de mesmo nome do poeta estadunidense Gil Scott-Heron (que também vale como sugestão).

O documentário mostra a derrocada de uma ação que teve como "mentora intelectual", a grande imprensa venezuelana, que assim como a nossa terra tupiniquim tem por costume cuspir juízos de valores e se auto-intitular a "verdadeira dona da verdade absoluta" (como se realmente existisse alguma).

A curiosidade da obra é que os dois irlandeses "pegaram" por acaso a tentativa de golpe. Eles estavam na Venezuela desde setembro de 2001 com a intenção de documentar o governo bolivariano e o "homem por trás da revolução" (basicamente o cotidiano de Hugo Chávez), porém acabaram sendo surpreendidos pelos momentos que desencadearam o golpe.

A dupla conseguiu captar imagens geniais como a cena das elites comemorando e deliciando-se com champagne no interior do Palácio Miraflores após o golpe, a detenção ilegal do então presidente da República e a posse como "presidente interino" do empresário-militar Pedro Carmona, líder da oposição. Na festa palaciana, destaque para setores conservadores da igreja, exército, donos de meios de comunicação, além de belas mulheres ostentando suas jóias e peles.

Outra cena pitoresca do documentário é o momento em que donas de casa da classe média venezuelana são "orientadas" a iniciarem uma espécie de monitoramento de suas empregadas domésticas, as quais segundo os golpistas, seriam aquelas que iniciariam a revolução "trocando panelas e vassouras por armas de grosso calibre e passariam a sequestrar suas patroas".

Ao longo do filme é exposto o massacre dos cinco canais de televisão privada (com destaque para os dois já citados acima), uma verdadeira cruzada midiática - coberta por fraudes, edições de imagens, manipulações de acontecimentos e deturpação de opiniões - e desmascaradas posteriormente pelos próprios profissionais das emissoras.

Na ocasião da tentativa de golpe, o jornalista Maurice Lemoine, do Le Monde Diplomatique, afirmou que "nunca, mesmo na história latino-americana, a imprensa esteve envolvida tão diretamente em um golpe [de estado]". Aproveitando que no início do mês também comemorou-se o 'Dia do Jornalista', o documentário é uma ótima pedida, especialmente aos que militam por uma comunicação cidadã que, além de informar, deve formar e transformar.

Gil Scott-Heron, falecido em maio do ano passado, pregava: "A revolução não será televisionada, não será trazida pelo seu teatro favorito, não terá aquela atriz bonitinha no papel principal (...)". E na conclusão, apresenta a fórmula: "Será luz, câmera e ação. Tudo ao vivo, nada de cortes ou edições". Assim deverá ser a revolução que trará a verdadeira democratização da comunicação. Assim esperamos.

Abaixo o documentário 'A Revolução não será televisionada', dos irlandenses Kim Bartley e Donnacha O’ Brian


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Quando 'neofascistas' criam verdades e vilões

Com sucessivas vitórias no Congresso, a bancada ruralista vem conseguindo alterar legislações em prol de especuladores de terra, grileiros e grandes latifundiários do agronegócio brasileiro. Os últimos golpes desse setor - que apesar de travestido na figura do desenvolvimento representa o que há de mais atrasado no Congresso - têm deixado marcas profundas que podem significar nova tensão no campo brasileiro.

Recentemente, os ruralistas do parlamento conseguiram a aprovação da PEC 215/2000, que visa transferir da União para o Congresso a prerrogativa de demarcar e homologar terras indígenas e quilombolas. Uma outra PEC, de número 038/1999, também tramita na Casa de Leis. Ambas as propostas tem o mesmo conteúdo e poderão significar uma 'nova invasão colonial' em terras tradicionais. 


Após aprovada, a PEC 215 motivou entusiasmo de alguns deputados que foram à público comemorar um eventual massacre dos 'povos de nossas florestas'. Verdadeiras pérolas foram disparadas, que nos remeteram a outras épocas, quando homens públicos falavam abertamente sobre 'limpezas étnicas'. 

O Congresso está repleto de parlamentares que obtiveram sucesso por meio de seus financiadores de campanha, dentre eles, empresas multinacionais do agronegócio, de maquinários agrícolas, insumos e agrotóxicos. Traduzindo em miúdos, a intenção da PEC é repassar para a raposa a vigia do galinheiro.

Ao ressuscitarem a PEC, os deputados pretendem rasgar a Constituição e descumprir acordos nacionais e internacionais. A proposta é antiga, foi apresentada há 12 anos pelo então deputado Almir Sá, do extinto PPB, hoje o 'progressista' PP. Já o relator é o paranaense Osmar Serraglio, peemedebista e, obviamente, outro ruralista.
 


Entre os que votaram a favor na CCJ, o 'democrata' Abelardo Lupion e entre os grandes defensores, outro paranaense: Nelson Padovani, de base eleitoral no Oeste do Estado. Esse último concedeu recente entrevista à CBN Cascavel, onde mostrou total desconhecimento sobre a temática indígena. Nela, o parlamentar soltou verdadeiras pérolas no quesito 'antropologia'. Ao tentar justificar a redução de terras aos povos indígenas, Padovani disparou: "os índios representam 0,43% de nossa população, eles não chegam a nem meio por cento".

Essa declaração me fez lembrar recente artigo publicado pelo jornalista e Doutor em História, José Ribamar Bessa Freire, que ao escrever sobre a aprovação da PEC lembrou de discurso da sessão magna das comemorações do 4º Centenário do Descobrimento do Brasil, onde o engenheiro Paulo de Frontin, empossado depois como prefeito do Rio de Janeiro, disparou: "Os selvícolas (...), não são nem podem ser considerados parte integrante da nossa nacionalidade; a esta cabe assimilá-los e, não o conseguindo, eliminá-los".


Voltando ao Padovani, ele ainda fez acusações graves, alegando que os indígenas - acobertados por órgãos como a FUNAI - estariam enterrando cadáveres de seus próprios com o intuito de tentar comprovar cemitérios de terras tradicionais. Quanto às provas, o deputado resumiu-se a dizer que "o índio quando toma cachaça conta a verdade", demonstrando preconceito e sendo extremante infeliz ao tratar do problema do alcoolismo.

A 'aula' do parlamentar sobre os indígenas durou pouco, mas terminou com chave de ouro: "É quilombola, é índio, é sem-terra, o trabalhador brasileiro já não agüenta mais (...)", esbravejou nas ondas da rádio, o representante do Partido Cristão. As declarações do político e empresário do setor de maquinários agrícolas expressam a opinião de setores elitistas da sociedade que demonstram desconhecimento, ignorância e má-fé quando o tema são os povos tradicionais.

Não raro ouvirmos que é "inconveniente os índios terem tanta terra", afinal, para esses conhecedores da causa, esses povos representam "atraso à nossa pujante economia". Querem relegar aos indígenas, camponeses, quilombolas e ribeirinhos, pequenas e cercadas porções de terras, afinal, "eles não contribuem para riqueza do país produzindo para exportação (sic)".


Confesso que me repugna ouvir declarações tão rasas de um homem público e entristece ver esses juízos de valores reproduzidos por setores de nossa sociedade, porém elas dão margem para povos indígenas e camponeses fazerem o seguinte questionamento: "é justo o homem branco ter tanta terra (ou lote) para fazer especulação?"


Para quem não acompanhou a entrevista citada no texto acima. 'Deliciem-se' com o link.
 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Arquétipos e a 'sina' dos artistas populares

Solange e Miguel encenam 'A Princesa e o Pirata'
A sina de artistas que escolhem viver da cultural marginal e contra-hegemônica é de nadar contra a maré. Uma escolha que grande parte das vezes é forçada pela falta da contrapartida do poder público. Há anos essa 'sina' de lutar contra a corrente acompanha o casal Miguel Joaquim das Neves e Solange Esequiel. Eles desenvolvem projetos ligados ao teatro, musicalização e cultura popular em bairros da periferia de Cascavel.

Atores profissionais, Miguel e Solange driblam as dificuldades para manter projetos que não contam com um único 'centavo oficial'. Nos últimos meses eles têm levado alegria às crianças com o espetáculo teatral 'A Princesa e o Pirata'. As apresentações vêm acontecendo – especialmente – em pastorais e associações comunitárias.

A última delas aconteceu no último fim de semana no bairro Floresta, região onde a dupla há pouco tempo desenvolvia o 'Ensinar', projeto que precisou de uma pausa. Cerca de 60 crianças faziam parte do projeto que tinha como principal objetivo promover cidadania e descentralizar a produção cultural na cidade. A intenção de Miguel e Solange é retomar o projeto o quanto antes.

O Ensinar contava com oficinas de violão e aulas de teatro com as crianças dos bairros Floresta e Sanga Funda. Era uma proposta que não visava lucro, mas que necessita de maior apoio e patrocínios. No fim de 2010, oportunidade que esse blogueiro teve um longo papo com o artista, ele já projetava as dificuldades em seguir com o projeto. "é uma semente que eu e a Solange queremos plantar. Amanhã se alguém me disser que quer assumir o projeto, trazer professores para cá, para mim está ótimo. O interesse não é que o projeto seja meu", falou na oportunidade.

A 'centralização' e burocratização da cultura dificulta o trabalho de artistas que precisam (sobre)viver sem o apoio oficial. Um trabalho – que segundo palavras do próprio Miguel – acaba sendo 'pancada'. "Costumo dizer que Cascavel é uma faculdade de artes cênicas, se você conseguir sobreviver quatro, cinco anos dela fazendo cultura, você consegue dar aula no Golfo, no Iraque, até na Faixa de Gaza", brinca o artista, que ironiza. "O Anchieta conseguiu catequizar os índios pelo teatro, mas aqui nós não conseguimos fazer isso com o cascavelense".

A dificuldade financeira também faz com que o casal perca oportunidades de levar sua arte para locais mais distantes. "Fomos convidados para participar do Festival de Teatro em Curitiba, mas não tivemos condições de ir", confessa Miguel. O casal levaria à capital do Estado a peça 'Sombras de um Passado'.

Sobrevivendo de festas infantis e de peças vinculadas a instituições, Miguel e Solange seguem enfrentando as barreiras da desvinculação do apoio oficial. Eles seguem sua 'sina' – palavra que também dá nome a um livro editado pelo poeta Miguel Joaquim das Neves, que junto com sua companheira Solange, se entregam de carne e osso à representação do ideal marginal da cultura popular, aquela de caráter transgressor e que se constitui em ferramenta de reflexão.