sábado, 22 de dezembro de 2012

Memórias do Chumbo: O Futebol nos Tempos do Condor

Médici cumprimenta delegação brasileira em 1970
Recuperar a memória, não com o objetivo de saudar o passado, mas para evitar que ele retorne. Essa frase foi dita pelo escritor Eduardo Galeano em entrevista ao documentário Memórias do Chumbo: O Futebol nos Tempos do Condor. O material é resultado de uma grande reportagem produzida pelo jornalista Lúcio de Castro exibida pela primeira vez entre os dias 18 e 21 de dezembro na ESPN Brasil. 

A série mostra como as ditaduras militares na América do Sul que integraram a Operação Condor - a 'multinacional do terror' criada para exterminar a oposição de esquerda aos governos ditatoriais - estiveram presentes no futebol. Muito já tinha se falado sobre o envolvimento do futebol e política e como o esporte foi usado como propaganda por esses regimes autoritários, porém, particularmente, acredito que esse deva ser o material mais aprofundado sobre essa relação. 

O esporte bretão e a pátria, o futebol e o povo, dois elementos que sempre estiveram unidos e com frequência políticos e ditadores especularam com esses vínculos de identidade. Mussolini usou as vitórias da seleção italiana para fortalecer o regime fascista na 'Velha Bota', assim como para os nazistas o futebol era uma "Questão de Estado" e para os franquistas espanhóis o Real Madri era um modelo de legitimação, uma espécie de "embaixada ambulante".

General Videla na Copa de 78
A grande reportagem de Lúcio de Castro passa por quatro países de nossa América: Argentina, Chile, Uruguai e Brasil – países que tem em comum a paixão pelo futebol e a política. São várias passagens marcantes nas quatro partes do programa; na Argentina onde há algumas quadras do Monumental de Nuñes – estádio do River Plate e principal palco dos jogos da Copa do Mundo de 1978 – funcionava um dos maiores centros de tortura da ditadura argentina.

Fatos marcantes da ditadura de Pinochet, a derrubada de Salvador Allende, a partida "kafkaniana" disputada por somente uma equipe e histórias do Estádio Nacional que serviu como campo de concentração das vítimas do regime. Histórias em terras charruas, do Mundialito de 1981 no Uruguai, a "subversão" do ex-zagueiro Hugo De Leon (que vestiu a camisa do Grêmio) e a primeira vez que o povo gritou: "Se va a acabar, se va a acabar la dictadura militar!".

Documentos e passagens reveladoras dos Anos de Chumbo no Brasil e da seleção que foi mais utilizada pelos militares: o excrete canarinho de 1970. Com um arquivo vasto de pesquisa, Lúcio esmiuçou o que foi esse período onde os setores conservadores e elitistas temiam a "ameaça vermelha", preocupavam-se com os ventos que sopravam do Caribe, com o charme dos barbudos de Sierra Maestra e com a possibilidade de "novos Vietnans" em pleno Cone Sul.

O "João Sem Medo"
Ditaduras tem o poder de confiscar símbolos nacionais e por aqui isso foi muito bem feito - como mostra o documentário. "Ame ou deixe-o" e "Pra Frente Brasil" que o digam. O programa detalha a perseguição implacável a João Saldanha, o "João Sem Medo". Comunista convicto, foi derrubado do cargo de técnico da Seleção pela ditadura e sofreu uma perseguição voraz dos militares, sendo inclusive proibido de fazer a cobertura esportiva da delegação brasileira no México. Então contratado pela BBC para fazer artigos sobre a copa, Saldanha teve credenciais negadas pela então CBD [Confederação Brasileira de Desportos] em virtude de seus comentários considerados "incendiários".

Memórias do Chumbo traz "furos jornalísticos" como o caso do major Roberto Câmara Guaranys – torturador do regime – que foi o chefe de segurança da delegação brasileira na Copa do México; uma entrevista com o jornalista Luis Claudio Cunha, autor do livro Operação Condor: o sequestro dos uruguaios, com detalhes do sequestro que teve participação do ex-jogador Didi Pedalada, que após passagens por vários clubes - entre eles o Internacional - foi prestar "serviços" ao DOPS gaúcho.

Revelações sobre o "Rei" que, após voltar campeão de terras astecas, foi ao DOPS dedurar "comunistas" que haviam lhe procurado no exterior para assinalar um documento contra a ditadura no Brasil e pedindo a anistia de presos políticos. A informação consta em documento oficial do 21 de outubro de 1970 que só agora aparece. Procurado pelo programa, Pelé e sua assessoria não se manifestaram sobre o assunto.

Memórias do Chumbo: O Futebol nos Tempos de Condor é uma ótima sugestão para aqueles que são apaixonados por história, por futebol e por política. Fundamental para pesquisadores destes tempos de censura, suspensão do direito de votar, intervenção em sindicatos, cassação de direitos políticos, proibição de atividades ou manifestações de natureza política e fim do Estado de Direito.

Agraciado pela participação especial de Eduardo Galeano – outro pesquisador sobre o tema – Lúcio de Castro foi autor de um trabalho jornalístico único. Um documento histórico primordial no momento em que se discute a recuperação da memória e se cobra punição àqueles que cassaram direitos dos trabalhadores, torturaram, assassinaram com garras do Condor e seguem impunes. 

"(...)a impunidade estimula o delinquente, seja um delinquente militar, civil, seja individual, seja coletivo, a impunidade é o motor maior para a repetição dos crimes". 
Eduardo Galeano

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Dimas Gimenes: ao editor maldito


Misto de maldito transgressor, gonzo jornalista e vocalista "old school". Conheci o cara no final de 2001 quando ainda cursava meu segundo ano do curso de Comunicação Social. Estava prestes a assumir meu primeiro emprego, sem saber ao certo com quem iria me deparar. Levado por outro "maluco" até o jornal, pensei que a primeira reação do meu primeiro editor seria dizer: "Mais um cabeludo para me dar problemas (sic)". E não deu outra. Lembro bem do Dimas, ao se dirigir ao Alexandre e com ironia exclamar: "Já não chega um!..".

Meu primeiro contato com o "eterno editor" foi rápido, como reza a lenda dos "malditos jornalistas". Ele estava com seu "uniforme" diário de trabalho e suas ferramentas habituais. Trajava pijama (pois morava no emprego), pantufa nos pés, cabelos desgrenhados e barba por fazer. Um cinzeiro repleto de bitucas de cigarros e uma xícara grande de café. Algumas anotações em uma página aberta do Word, que dividia espaço na tela com um site especializado em música e outra janela com um jogo em rede.

Me cumprimentou, deu as boas vindas e sem levantar da cadeira pediu para o outro maluco me mostrar como tudo funcionava. Dimas tinha um olhar clínico para as coisas que aconteciam. Um idealista que acreditava que poderia transformar o mundo, dentro é claro de seus próprios limites. Buscava quebrar paradigmas e romper com os tradicionalismos de nossa função. Não se preocupava com o poder e, por vezes, o ironizava.

Reclamava dos limites da função, pois se sentia amordaçado por linhas editoriais, as quais conseguia driblar como ninguém, usando de metáforas e das chamadas por ele mesmo de "suas viagens". Como todo gênio, era genioso e por muitas vezes incompreendido.

Considerado também um personagem folclórico da cena rock n' roll da "Londres paranaense", não tinha vergonha alguma em dizer que demorou quase oito anos para se formar, pois precisava dedicar tempo a sua música, que junto com o jornalismo eram suas grandes paixões. Depois de passagens por General X e Blue-Up, ele criou a Fahrenheit 451, bandas do cenário underground.

O nome de sua última banda é alusão ao filme de Truffaut, que conta a história de um futuro em que a ditadura queimava livros considerados subversivos: bem a cara do editor. Fazia parte de um grupo de jornalistas raros nos dias de hoje, discípulos de outros malucos como Vlado, Patarra, Tarso, Capote ou Hunter. Não parava em muitos lugares, após se formar em Londrina, atuou em vários meios de comunicação, em especial em Umuarama, onde criou o semanal Tempo Certo e ficou conhecido pela coluna ''Boca no Trombone".

Dimas Gimenes nos deixou há cinco anos, em 05 de dezembro de 2007, então com 43 anos. Esteja ele onde estiver, "Dimeira" - apelido dado pelo camarada Marcos Machado - deve estar escrevendo um de seus artigos ou compondo uma de suas canções com uma xícara de café ou uma dose de uísque em uma das mãos.