domingo, 3 de fevereiro de 2013

"Flashblack": O show, soberania e o ex-general

Oviedo em Cascavel em 2009
Estava quase convencido a não postar sobre o tema, confesso que esses shows para gringo ver não me atraem em nada e a cobertura que a mídia corporativa faz já é mais do que suficiente, porém algumas lembranças me fizeram acabar dando um "pitaco" e ter um flashback.

Não vou discutir modelo agrícola, da opção pela agricultura familiar voltada a produção orgânica ou pelas monoculturas dos agrotóxicos e das commodities. Não sou camponês e esse sim tem mais propriedade (não posse) para isso. Até porque, em minhas andanças pela imprensa comercial, fui colocar esse debate em pauta em uma entrevista com o presidente "vitalício" da cooperativa e a resposta não foi das mais "educadas".

Não lembro em quantas vezes precisei fazer a cobertura política do show. O simples fato de  uma feira de "agrobusiness" ter uma cobertura política já é um caso à parte, afinal, alguns "figurões" sempre fazem do evento seu próprio "showzinho" particular, principalmente quando a feira coincide com anos eleitorais.

Nesse clima, "autoridades estabelecidas" desembarcam no velho oeste e desfilam pelas ruas internas do parque como se fosse uma passarela eleitoral, escoltados por rol de "aspones", outras "otoridades" não tão estabelecidas ainda e uma comissão de frente capitaneada por um fiel "relações públicas".

Os figurões criam um clima de cordialidade mútua, apertos de mãos, tapinhas nas costas e sorrisos amarelos. Puxa-sacos de plantão, figurões locais e parte da imprensa ajudam no cenário com a massagem no ego dessas figurinhas carimbadas.

Em uma dessas oportunidades - em 2009 - estava entre os figurões o ex-general paraguaio Lino Oviedo, muito bem quisto no evento devido à amizade com grandes produtores rurais da região. Lembro que enquanto alguns lhe perguntavam sobre a "magnitude da feira", resolvi questioná-lo sobre a luta agrária no Paraguai e a questão dos brasiguaios - que não é de hoje e nem da última década, mas que teve início no final dos anos 70.

A conversa com Oviedo me veio à lembrança neste domingo ao saber da morte do ex-general. Lembro dele culpando Lugo pela situação na fronteira, lembro dele exaltando a produção dos "sojeiros", mas em nenhum momento fez uma contextualização histórica ao ser indagado. O foco de Oviedo se assemelhou em muito ao enfatizado por grande parte da imprensa tupiniquim.

Todos sabemos que a luta pela terra no Paraguai tem se acentuado com as ocupações feitas pelos "carperos", cerca de 18 mil camponeses que não possuem terras em seu próprio país, mas que não tem o mesmo espaço editorial na nação ocupada em grande parte por latifúndios de brasileiros, que tiveram uma "mãozinha" na aquisição dessas propriedades.

A lógica agrária no Paraguai sempre esteve diretamente ligada aos partidos tradicionais do país, que instauraram durante décadas um poder ditatorial no campo. Os poderes militares e autoritários que dominaram o país até a eleição de Lugo promoveram por décadas, na base da repressão e dos benefícios concedidos a setores e funcionários do Estado, uma política agrária nacional conhecida como de "bem-estar rural", onde os beneficiados foram latifundiários e a burocracia político-militar.

Enquanto a propaganda midiática vende o "desenvolvimento" e a "modernização do campo", o que se tem visto é que os latifundiários sojeiros não estão preocupados em enriquecer a economia paraguaia, pelo contrário, tem provocado empobrecimento do solo, redução da quantidade de terra para o plantio de alimentos, encarecendo os preços dos produtos agrícolas. Essa é a lógica da agricultura de monocultura extensiva das commodities.

Entender a situação agrária no Paraguai passa por lembrar que na década de 70, o governo militar de Alfredo Stroessner passou a entregar praticamente de graça as terras de seu país aos latifundiários brasileiros. Até 1967, existia por lá uma lei que proibia a compra de terras por estrangeiros na faixa de 150 km de suas fronteiras. Com a abolição da lei, houve uma migração em massa de brasileiros para o Paraguai, inclusive da região Oeste e Sudoeste do Paraná. A partir daí, o Paraguai passou a ter a soja como principal base de sustentação e sua principal pauta de exportação, tornando-se refém de grandes multinacionais.

Tratar o tema do campo no viés do clima do medo e do "estado de exceção" cheira a orquestração, é colocar trabalhador contra trabalhador, pois apesar de poucos noticiarem muitos desses brasiguaios são trabalhadores que foram trabalhar em grandes fazendas de grileiros brasileiros, ou seja, também são sem-terras que precisam ser assentados em seu país de origem, mas que são constantemente jogados contra sem-terras paraguaios. E não será conclamando o braço militarizado de Estado que a situação se resolverá.

Luta pela terra é questão de soberania nacional, um debate que retornou e tem se acentuado no Paraguai nos últimos anos. Ele ficou engasgado durante anos de ditadura e tentativas de golpes de Estado. Com o retorno do debate, retornaram as lutas sociais na nação vizinha, mas ao avaliarmos a cobertura de grande parte da imprensa corporativa - tão em sintonia com o modelo dos feirões do agrobussiness - podemos tirar a conclusão que muitos no Brasil ainda têm problema com a democracia, especialmente a democracia alheia.

Enfim, a notícia da morte do ex-general paraguaio me trouxe esse flashback...