quarta-feira, 1 de outubro de 2014

"Zero, Zero e confirma": Para além da hora do voto

Professor Péricles, do Grupo Movimento 
Matéria originalmente publicada na Gazeta do Paraná em 26 de setembro de 2010. Republicada no blog devido a proximidade das eleições. 

Entramos na semana derradeira, decisiva para aqueles que pretendem nos representar. Nos próximos dias, a população já acostumada com a poluição visual proporcionada pelos milhares de cavaletes e bandeiras com algarismos eleitorais espalhados por canteiros centrais, terá que se preparar para  cartada final de candidatos que intensificarão seus trabalhos de convencimento, seja pelo corpo a corpo com o eleitorado, ou pela ação direta e indireta de seus cabos eleitorais.

Além das propagandas e promessas – muitas não aplicáveis – nessa fase também ouvimos discursos sobre o exercício da cidadania, que versam sobre o direito e consciência do voto, com lemas como “momento de pensar os próximos quatro anos”. Porém, há quem discorde dessa conjuntura, onde se discute política somente em época eleitorais e vejam nesse momento uma grande oportunidade de protestar e ampliar o debate político para além das urnas.

Diante de uma posição de descrença política, a melhor alternativa para alguns passa ser negar o voto a todos os candidatos. Na medida em que aumentam os escândalos e casos de corrupção, também cresce uma camada que, apesar de ainda não passar de 4% do eleitorado, vem ganhando força. A cada eleição aumenta o número de “Comitês do Voto Nulo” pelo país, alguns mais radicais ao estilo “Rauzito”, pregando a “não nutrição de parasitas” e outros que propõe um debate além do voto, discutindo temas como direito dos trabalhadores, voto facultativo e, especialmente, a democracia direta (participativa).

Grupo Movimento

Em Cascavel, o Grupo Movimento, que reúne estudantes e trabalhadores, organiza a campanha pelo Voto Nulo. Apesar de saber que anulação não tem resultado prático no sistema eleitoral, o grupo afirma que o Voto Nulo é uma maneira de protestar e iniciar um debate que não termina com a posse dos eleitos.

O professor de história, Péricles Ariza, um dos integrantes do comitê, esclarece que o momento não é contrário as eleições em si, mas sim a forma como se apresenta. “Não negamos as eleições, tanto é que comparecemos as urnas e damos nossos votos. Somos favoráveis as eleições até certo ponto, ao invés dela enfatizar somente a democracia representativa, ela deveria mostrar como funciona uma democracia direta, onde as pessoas realmente têm voz”.

Segundo o historiador, o Voto Nulo além de ter o caráter de protesto, também tem o sentido de provocar os partidos, especialmente os que dizem representar a classe trabalhadora. “Num primeiro momento é uma forma de protesto, a corrupção por si só já um ótimo motivo para o voto ser anulado, ma a gente não pode parar nisso. O objetivo também é provocar os partidos, especialmente os de esquerda, a defenderem programas que levem a resolução definitiva de problemas como o desemprego”.

Péricles afirma que a democracia representativa pode “pregar uma peça” no eleitor que muitas vezes escolhe a opção de votar no “indivíduo candidato”. “Muitos se iludem e votam em determinada pessoa e suas promessas, mas por trás destes indivíduos estão os partidos e seus programas partidários, que são paliativos e não resolutivos”.

Nulo e Branco

Para contrariar alguns “mitos” e discursos propagados, Péricles faz questão de ressaltar a diferença entre o Voto Nulo e Voto em Branco. “O voto em branco é aquele que aparece na urna. O seu significado é do “tanto faz”. Já no voto nulo você dizendo não para todos eles, ele tem esse caráter de protesto que o branco não tem. O branco é voto da isenção. Muitos dizem que estamos perdendo um direito, mas é o contrário, nós estamos exercendo esse direito votando nulo, usando um direito como protesto e ao mesmo tempo organizando as pessoas que estão desacreditadas com esse sistema. Os partidos que vencerão essas eleições não tem projeto de uma nova sociedade”, dispara.

Aristóteles 

O historiador, que também estuda Filosofia, tem uma forma curiosa de avaliar discursos sobre cidadania, peculiares em momentos eleitorais, usando como exemplo o filósofo Aristóteles. “Esse discurso cidadão serve para arrebanhar as pessoas para legitimar o governo e seus candidatos. Aristóteles dizia que na política tem momentos que o povo quer ser soberano. No momento do voto os poderosos precisam bajular as pessoas porque eles querem ser soberanos. Veja no ambiente de trabalho, por exemplo, não podemos exercer cidadania, apenas executar ordens. Depois que acaba eleição, a cidadania acaba. Depois de eleitos, ai vem o ‘exame de próstata’ no povo”.

“Intolerância democrática”

Eleição lembra democracia e livre opinião, porém a prática nem sempre é respeitada, inclusive por quem usa o discurso para angariar votos. O Grupo Movimento sentiu isso na pele durante uma manifestação recente no calçadão da Avenida Brasil. Tudo aconteceu em uma panfletagem em frente ao Café Boca Maldita, ponto tradicionalmente utilizado para tais discussões.

No instante da panfletagem, um candidato a deputado estadual fazia campanha do outro lado da avenida, em frente à Catedral. Incomodado com a panfletagem pelo voto nulo, o postulante a uma vaga na Assembleia foi ao encontro dos manifestantes. “Ele deve ter se sentido incomodado e foi até nós pedir para que a gente largasse mão daquilo. Ele inclusive falou pra gente ir trabalhar com ele, que ele pagava bem os cabos eleitorais”.

Depois da tentativa de “compra de consciência”, um dos integrantes do grupo acabou respondendo o candidato. “Um de nós falou que a diferença entre nós e ele é que a gente não estava ali fazendo algo por dinheiro e sim convicção, e falo que não compactuava com essa corja de ladrões. Se sentindo ofendido, ele levantou voz e pediu pra retirarmos o que falamos e tentou nos intimidar pedindo nomes e onde trabalhávamos, mas enfim, esse foi um fato isolado, mas acontece”.

O historiador fez questão de esclarecer que o material do grupo não tem nenhum direcionamento pessoal a candidato ou partido. “Nós questionamentos a estrutura, nossos cartazes e panfletos não são direcionados a ninguém, não há críticas pessoas, mas ele se ofendeu”, completou.

Curiosa e coincidentemente, a reportagem presenciou outro episódio. No momento em que a entrevista acontecia em frente a uma construção próxima a Unipar, um jovem parou seu carro foi ate onde acontecia a entrevista e, sem dizer uma única palavra, rasgou cartazes do movimento que estavam em um tapume. Com uma ‘educação’ de dar inveja (sic), o rapaz incorporou uma espécie de ‘inspetor ambiental’, dizendo que estaríamos sujando a construção, sem mencionar qual sua relação com a obra, que por sinal, estava emporcalhando a calçada com seus entulhos. Outro detalhe é que os cartazes estavam colados no local há mais de uma semana.

Bandeiras

Além do Voto Nulo, o Grupo Movimento levanta outras bandeiras: Defesa da democracia direta, por meio de conselhos, assembleias, sindicatos, associações independentes e DCEs; Luta contra o desemprego, demissões e achatamento salarial; Defesa da redução da jornada de trabalho, sem redução de salários; Reajuste automático dos salários de acordo com a elevação dos preços; Criação de frentes públicas de trabalho nas cidades; Criação de frentes de trabalho no campo, por meio de fazendas públicas.