Ato em frente ao assentamento Valmir Mota, em Cascavel |
Covas com palmos medidas, partes que nos cabe nos latifúndios dos confins de terras tão divididas. Parafraseando versos 'cabralistas' de Melo Neto, que embalados pela voz inconfundível de Chico Buarque de Hollanda, são o retrato do segundo país que mais concentra terras nas mãos de poucos no mundo. Uma nação onde a reforma agrária ainda não tem espaço, onde a luta dos trabalhadores é criminalizada e onde os crimes de violência no campo seguem impunes.
Aliados à impunidade estão os retrocessos da reforma agrária no Brasil, motivados pela escolha prioritária do Estado por um modelo 'desenvolvimentista' que se torna cada vez mais excludente. Diante disso, anualmente o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) realiza sua Jornada de Lutas, conhecida como 'Abril Vermelho'. As manifestações culminam com o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária, em 17 de abril, data escolhida em memória às vítimas do massacre ocorrido em 1996 em Eldorado de Carajás, no Pará.
Os 16 anos desta chacina foram lembrados nesta terça-feira (17/04) em atos por todo o país. No Paraná, não foi diferente e, no Oeste do Estado, integrantes do MST realizaram um manifestação em frente ao assentamento Valmir Mota, nome dado em homenagem ao sem-terra morto na antiga estação da multinacional Syngenta. Tragédia que abateu os dois lados, visto que também vitimou um segurança-miliciano, porém um crime que só aconteceu em virtude da formação de milícias armadas ligadas a setores ruralistas da região e onde o mandante ainda não foi punido.
Famílias do assentamento Valmir Mota e dos acampamentos 1º de Agosto e 7 de Setembro bloquearam a rodovia BR-277, em Cascavel, por 21 minutos, em alusão aos 21 mortos em Eldorado de Carajás. Em meio à rodovia e sob coordenação da professora do assentamento, Lucimar Ramires, os 'sem-terrinhas', crianças e adolescentes do movimento, realizaram uma encenação teatral para relembrar o fato ocorrido há 16 anos.
Além de homenagearem os companheiros mortos na operação policial, os sem-terra fizeram alertas para o retrocesso da reforma agrária no Brasil, com a diminuição de políticas de desapropriações de terras, além dos cortes previstos no orçamento da União para 2012, tanto do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) quanto do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário). São verbas cortadas que seriam destinadas à instalação de assentamentos, desenvolvimento da agricultura familiar e para a educação do campo.
A tendência, segundos os integrantes do MST, é que se repita números parecidos com o primeiro ano do Governo Dilma Rousseff - o pior em termos de criação de assentamentos dos últimos 16 anos - onde apenas 7 mil famílias foram assentadas. A preocupação é tanta que o setor poderá chegar em alguns casos a patamares parecidos aos tempos do Governo Fernando Henrique Cardoso, segundo levantamento feito pela própria assessoria técnica da liderança do PT na Câmara de Deputados.
Paraná
No Paraná, os trabalhadores sem-terra cobram no 'Abril Vermelho': assistência técnica para as famílias assentadas e infraestrutura para os assentamentos; como crédito, habitação e renegociação de dívidas, além da construção de escolas nas áreas de reforma agrária, e acesso à cultura. Somente no Estado, são cerca de 25 mil famílias sem terra, em aproximadamente 350 assentamentos e 70 acampamentos.
Em recente visita ao acampamento 7 de Setembro, no distrito de São João, o superintendente regional do Incra, Nilton Bezerra, informou que existem 72 áreas com reintegração de posse no Paraná, sendo 51 delas em processo de negociação por parte do órgão.Vale destacar que o Incra também está, segundo Bezerra, fazendo um monitoramento de terras que foram alvos de grilagem no Paraná - a raiz de grande parte da concentração fundiária no Estado. "As pessoas não fazem ideia do tanto de áreas griladas que existem no Paraná, áreas 'esquentadas' em cartório", disse na oportunidade.
Histórico
É preciso contextualizar Eldorado de Carajás após os 16 anos. Ao todo, 21 sem-terra foram mortos na operação policial, os sobreviventes do massacre ainda têm dúvidas do número oficial de mortos divulgados pelo Estado, pois há crianças, homens e mulheres desaparecidos que não estão na lista dos mortos e também não foram encontrados depois.
Dois meses após a operação policial, uma ação coletiva teve início na Justiça. O processo é considerado o maior da história criminal brasileira em número de réus, no total são 155 policiais. Em 2002, saiu a decisão da Justiça: dos 155 acusados, 142 foram absolvidos, 11 acabaram sendo retirados do processo e apenas dois condenados. Apesar da repercussão internacional, ninguém foi preso.
Grande parte da mídia ainda se refere ao massacre como um 'confronto', fora os meios que ignoram totalmente o caso. Diante disso, vale lembrar citação do médico legista Nelson Massini, no volume n.º 20 do Processo de Eldorado: "De um lado, havia um grupo fortemente armado; de outro, um grupo que também poderia estar armado, mas há desproporção muito grande entre aquelas forças policiais e trabalhadores, de tal maneira que essa situação de desproporção levou a esse massacre. Tanto é verdadeiro que não precisa ser uma conclusão médico-legal. Poder-se-ia dizer uma conclusão leiga, mas que mostra essa desproporção. Se de um lado morreram 19 [no local], do outro não morreu ninguém, há, só por isso massacre."
AVISO AOS SITIANTES: Esse blog abordou o Abril Vermelho sob outro prisma, sem dar destaque para congestionamento na rodovia, quando o assunto em pauta é reforma agrária e 16 anos de um massacre de repercussão internacional. Também não há espaço para frases como: "(...) período do Abril Vermelho, quando constantemente promovem agitos", além de não nos referirmos a uma professora da Educação do Campo como 'porta-voz do movimento'.
Nenhum comentário:
Postar um comentário