segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Abaixo o fascismo. Viva o pebolim!

Você pode não ter ouvido falar do espanhol Alejandro Finisterre, mas provavelmente já passou algumas horas de sua vida se divertindo com sua invenção. Esse poeta, escritor e editor é o pai do jogo que na língua espanhola é conhecido como "futbolín".

Que carioca não gosta de um desafio de "totó" ou que gaúcho já não peleou numa partida de "pacau", mas a maioria dos estados brasileiros pratica mesmo o "pebolim". Esse brinquedo que tem seus regionalismos no Brasil é ainda conhecido como "mete-gol" na Argentina, "baby-foot" na França ou "matraquilhos" em Portugal.

Na semana passada, no dia 9 de fevereiro, completou-se cinco anos da morte de seu inventor, que tem uma história que merece ser compartilhada. Ironia do destino que a origem de um jogo que hoje diverte milhões seja um dos momentos mais tristes da Europa, na ascensão do nazismo e do fascismo nas décadas de 30 e 40.

Tudo teve início com uma ida de Alejandro Finisterre ao hospital, após ser ferido por uma bomba lançada por nazistas em Madri, em 1936, durante o auge da Guerra Civil Espanhola. Retirado de escombros, ele é levado a um hospital de Valencia e depois a outro hospital em Monserrat, região da Catalunhã. Por lá, Finisterre se depara com mutilados de guerra e muitas crianças.

Apaixonado por futebol, Finisterre se sensibiliza ao ver tantas crianças impossibilitadas de ter uma infância comum por causa da guerra, de não poderem estar se divertindo numa partida de futebol, por exemplo. Isso lhe inspira a criar o "futbolín" perto do Natal de 1936.

Com a ajuda do carpinteiro basco Francisco Javier Altuna, contrói a mesa e torneia os jogadores. Um dos líderes da CNT (organização sindical) e da FAI (anarquista), Joan Busquets, que tinha uma fábrica de refrigerantes, se anima a patentear a novidade. Em 1937, o pebolim é patenteado, mas Finisterre perde os documentos durante um voo à França em meio à uma tempestade, durante uma fuga do fascismo franquista.

Finisterre precisa atravessar o Pirineus a pé, levando na mochila a patente, uma lata de sardinha e duas obras de teatro que escreveu. Como disse o próprio Alejandro Finisterre em uma entrevista, a forte chuva fez os papéis da patente se converterem em "argamassa". Já instalado em Paris, Finisterre decide buscar as patentes nos arquivos de Salamanca, pois toma conhecimento que um companheiro de hospital, Magí Muntaner (do Partido Operário Unificado Marxista) tinha patenteado o futbolín em Perpinyà.

Muntaner teria escrito para contar sobre a patente, mas as cartas teriam se perdido. Finisterre então vai à empresa que estava fabricando o brinquedo na Espanha, que acaba lhe dando dinheiro para seu exílio na América Latina.

No Equador, funda uma revista dedicada aos poetas latino-americanos e na apresentação da publicação conhece o embaixador da Guatemala, que lhe anima a fabricar o pebolim em terras guatemaltecas. Segundo Finisterre, as primeiras amostras do brinquedo no continente são feitas por mãos indígenas e tendo como material o mogno de Santa Maria.

Na Guatemala, Finisterre é apresentado a Hilda Gadea, então companheira do guerrilheiro Ernesto Che Guevara. Já conhecendo a fama do argentino consegue ser apresentado à Che no Centro Republicano Espanhol da Guatemala e lhe mostra a sua invenção. "Marcamos gols juntos, tínhamos estilos parecidos", contou Finisterre em uma de suas últimas entrevistas.

Com o golpe de estado do ditador Carlos Castillo Armas, Finisterre deixa à Guatemala em direção ao Panamá. Mais tarde vai para o México onde encontra amigos poetas e escritores exilados e dedica-se às artes gráficas e a editar revistas. 

Com a morte do ditador Francisco Franco, o galego volta à Espanha. Se estabelece em Zamorra, onde administra a herança do poeta republicano Leon Felipe. Morre em 9 de fevereiro de 2007, então com 87 anos. Outros registros dão conta de um alemão chamado Brotto Wachter e um suíço conhecido como Mr. Kicher reivindicarem a "paternidade" do pebolim, personagem secundários diante da história de Finisterre.


Abaixo o clipe da música "Ode ao Futbolín", homenagem do grupo "Os Diplomáticos de Monte Alto" à Alejandro Finisterre.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O show, o general e a soberania alheia

Estava quase convencido a não postar nada sobre o show rural, confesso que o assunto não me atrai e a cobertura da mídia corporativa já é mais do que suficiente, mas algumas lembranças me fizeram acabar dando um "pitaco", não sobre a feira em si que acontece desde 1989 em Cascavel – quando ainda era Dia do Campo – e que hoje tem uma "aura" espetaculosa, de vitrine de grandes transações, ao qual o antigo nome já não teria o menor sentido.

Também não vou discutir modelo agrícola, da escolha pela agricultura familiar voltada a produção orgânica ou a das monoculturas dos agrotóxicos e das commodities - pois tecnicamente um camponês tem bem mais propriedade (não posse) para tanto. Melhor deixar o assunto para outra ocasião, pois certa vez em minhas andanças pela imprensa comercial fui colocar o debate em pauta em uma entrevista com o presidente "vitalício" da cooperativa e a resposta não foi das mais "educadas".

A lembrança de quando ainda me aventurava na mídia tradicional (...) e minha recordação da feira me fez buscar um exercício de contextualização sobre outro tema: a luta pela terra. Confesso que não lembro em quantas oportunidades precisei fazer a "cobertura política" do show. O simples fato da feira ter uma cobertura política já é um caso à parte, afinal, alguns "figurões" sempre fazem do evento seu próprio "showzinho" particular, principalmente quando a feira coincide com anos eleitorais.

Nesse clima, "autoridades estabelecidas" desembarcam no velho oeste e desfilam pelas ruas internas do parque como se fosse uma passarela eleitoral, escoltados por um rol de "aspones", outras "otoridades" não tão estabelecidas ainda e uma comissão de frente capitaneada por um fiel "relações públicas". Os figurões criam um clima de cordialidade mútua, apertos de mãos, tapinhas nas costas e sorrisos amarelos. Puxa-sacos de plantão, figurões locais e parte da imprensa ajuda no cenário com a massagem no ego desses "craques", dessas figurinhas carimbadas.

Em uma dessas oportunidades - em 2009 - estava entre os figurões o ex-general paraguaio Lino Oviedo, muito bem quisto no evento devido à amizade com grandes produtores rurais da região. Lembro que enquanto alguns falavam da "magnitude da feira", resolvi questioná-lo sobre a luta agrária no Paraguai e a questão dos brasiguaios - que não é de hoje e nem da última década, mas que teve início no final dos anos 70.

O papo com Oviedo - não só pela feira em si, mas pela forma como grande parte da mídia corporativa  trata a situação - me veio à lembrança nos últimos dias. Lembro do militar culpar Fernando Lugo pela situação na fronteira, lembro dele exaltar a produção dos "sojeiros", mas de maneira alguma tocar na contextualização histórica ao ser incitado. O foco de Oviedo - hoje candidato declarado à Presidência do Paraguai - se assemelha em muito ao enfatizado pela imprensa tupiniquim.

Todos sabemos que a luta pela terra no Paraguai tem se acentuado com as ocupações feitas pelos "carperos", cerca de 18 mil camponeses que não possuem terras em seu próprio país, mas que não tem o mesmo espaço editorial na nação ocupada em grande parte por latifúndios de brasileiros, que tiveram uma "mãozinha" na aquisição dessas propriedades. 

A lógica agrária no Paraguai sempre esteve diretamente ligada aos partidos tradicionais do país, que instauraram durante décadas um poder ditatorial no campo. Os poderes militares e autoritários que dominaram o país até a eleição de Lugo promoveram por décadas, na base da repressão e dos benefícios concedidos a setores e funcionários do Estado, uma política agrária nacional conhecida como de "bem-estar rural", onde os beneficiados foram latifundiários e a burocracia político-militar.

Enquanto a propaganda da imprensa brasileira e paraguaia (em partes) vende o "desenvolvimento" e a "modernização do campo", o que se tem visto é que os latifundiários sojeiros não estão preocupados em enriquecer a economia paraguaia, pelo contrário, tem provocado empobrecimento do solo, redução da quantidade de terra para o plantio de alimentos, encarecendo os preços dos produtos agrícolas. Essa é a lógica da agricultura de monocultura extensiva das commodities.

Entender a situação agrária no Paraguai passa por lembrar que na década de 70, o governo militar de Alfredo Stroessner passou a entregar praticamente de graça as terras de seu país aos latifundiários brasileiros. Até 1967, existia por lá uma lei que proibia a compra de terras por estrangeiros na faixa de 150 km de suas fronteiras. Com a abolição da lei, houve uma migração em massa de brasileiros para o Paraguai, inclusive da região Oeste e Sudoeste do Paraná. A partir daí, o Paraguai passou a ter a soja como principal base de sustentação e sua principal pauta de exportação, tornando-se refém de grandes multinacionais.

Tratar o tema do campo no viés do clima do medo e do "estado de exceção" cheira a orquestração, é colocar trabalhador contra trabalhador, pois apesar de poucos noticiarem muitos desses brasiguaios são trabalhadores que foram trabalhar em grandes fazendas de grileiros brasileiros, ou seja, também são sem-terras que precisam ser assentados em seu país de origem, mas que são constantemente jogados contra sem-terras paraguaios. E não será conclamando o braço militarizado de Estado que a situação se resolverá.

Luta pela terra é questão de soberania nacional, um debate que retornou e tem se acentuado no Paraguai nos últimos anos. Ele ficou engasgado durante anos de ditadura e tentativas de golpes de Estado, entre elas uma que - diga-se de passagem - o próprio Oviedo é acusado de tramar. Com o retorno do debate, retornaram as lutas sociais na nação vizinha, mas ao avaliarmos a cobertura de grande parte da imprensa corporativa - tão em sintonia com o modelo dos feirões do agrobussiness - podemos tirar a conclusão que muitos no Brasil ainda têm problema com a democracia, especialmente a democracia alheia.