quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Do Luto para a Luta, com homenagens ao 'carrasco'

Trabalhadores da educação relembram o 30 de agosto de 1988

"Estamos aqui para lembrarmos do grande carrasco dos trabalhadores da educação do Paraná, aquele que ordenou que nossos companheiros fossem recebidos a bombas e cavalos, o cidadão que hoje posa de grande moralista". Palavras disparadas ao microfone como um molotov ou bombas de efeito moral, assim como as lançadas em 30 de agosto de 1988, que foram proferidas pelo professor Jeremias Ariza, que leciona a disciplina de filosofia no CEEP (Centro Estadual de Educação Profissional) Pedro Boaretto Neto, em Cascavel.

Professor Jeremias esteve entre as centenas de funcionários da rede estadual de Cascavel que se concentraram em frente à sede do Núcleo Regional de Educação para "anticomemoração" dos 24 anos do fatídico 30 de agosto de 1988. O 'carrasco' a quem o educador se refere é o atual senador da República, Alvaro Dias (PSDB), considerado por muitos – especialmente a grande mídia de massa – um dos maiores 'arautos da moral' de nossa cambaleante democracia.  
  
Há quem questione as mobilizações do dia 30 de agosto, conhecido como o 'Dia de Luto e Luta da Educação no Paraná', há quem queira apagar da memória dos profissionais da educação a 'calorosa recepção' no Palácio do Iguaçu, há quem diga que o senador (então governador) já teria "se desculpado". "É importante relembrarmos essa data, relembrar dos companheiros que enfrentaram os cavalos e as bombas do governo, trabalhadores que foram pisoteados, mas que continuaram lutando como verdadeiros heróis", lembra o professor Amâncio Luiz dos Anjos, diretor da APP-Cascavel, pedindo uma salva de palmas aos companheiros presentes naquele protesto.

Em Cascavel, o 'Dia de Luto e de Luta' contou com uma particularidade; uma grande presença de estudantes apoiando o movimento. É o que destaca o professor Marcio Henrique Soares. "Essa é a primeira vez que vejo estudantes participando do movimento, se juntando aos professores e funcionários das escolas. A presença deles é mais importante do que de muitos 'companheiros' que aproveitam a paralisação para ficar em casa", diz o educador, conhecido também como 'Gaúcho' e que leciona no Colégio Padre Carmelo Perrone.

Marcio Henrique aproveita a oportunidade para dar uma 'cutucada' em alguns colegas que não se fazem presentes na luta. "Tem professora que prefere ficar em casa assistindo televisão, outras pintando o cabelo, cuidando das crianças, assim como alguns colegas que passam dos 40 anos e começam a dizer que estão muito velhos para estarem aqui. Ficam acompanhando tudo de casa, enquanto nós estamos dando a cara aqui a bater, buscando direitos aos quais eles também serão beneficiados e lembrando de companheiros que lutaram no passado", critica.

Histórico

Os atos ocorridos em todo o Estado neste 30 de agosto fizeram parte do tradicional Dia de Luto e Luta dos Trabalhadores da Educação.  A data é referente ao ano de 1988. Há 24 anos, os professores da rede pública de ensino foram protagonistas de uma greve iniciada no dia 5 de agosto. Eles reivindicavam a volta do piso de três salários mínimos, reduzido para dois salários em 1988. Com o intuito de forçar uma solução mais rápida para a paralisação geral – que então completava 11 dias – professores ocuparam a Assembleia Legislativa, por onde permaneceram até o dia 31.

Um dia antes, no dia 30 de agosto, foi organizado um encontro de núcleos regionais da APP-Sindicato na Praça Tiradentes, em Curitiba, e uma passeata até a sede do governo, onde então os trabalhadores foram "recepcionados" pela cavalaria da PM, com direito - além das ferraduras dos equinos e os cassetetes dos policiais -  a gás de pimenta e bombas de efeito moral.

Na época, aproximadamente 30 mil pessoas participavam da passeata. De um lado a multidão, de outro as tropas policiais. Barracas de professores acampados foram pisoteadas, manifestantes foram impedidos de entrar na Praça Nossa Senhora de Salete com carro de som.

Segundo relatos, o pavor tomou conta de todos, com bombas estourando para todos os lados, correria generalizada, transformando o centro cívico de Curitiba em uma verdadeira praça de guerra. Como saldo, vários professores feridos, alguns inclusive impossibilitados – física e emocionalmente – do retorno as salas de aulas.

Questionado hoje em dia sobre o fato, o atual senador Alvaro Dias defende-se afirmando que o triste episódio sempre "foi explorado politicamente e com má fé e que na ocasião foi administrado dentro das possibilidades".  Segundo a sua versão, "outras categorias" de trabalhadores teriam se infiltrado na manifestação para provocar tumultos e a cavalaria estaria no local para dar "segurança aos manifestantes".

Solidariedade de classe

Representantes de sindicatos de outras categorias estiveram presentes no ato deste 30 de agosto. Isso demonstra que manifestações e mobilizações (mesmo organizadas por determinadas categorias) não precisam ser necessariamente corporativistas. São nos atos públicos que trabalhadores mostram sua solidariedade. Oportunidade em que se deixam de lado as categorias (profissões) para se afirmar como classe (trabalhadora).  

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Greves: O teto de vidro da mídia (parte 2)

João Saldanha discursa (arquivo PCB)
Os "sitiantes" que acompanham esse blog vão perceber que esse texto é uma reedição (adaptada ao momento), mas que é providencial por dois motivos. O primeiro é que nos últimos três meses, o governo de Dilma Rousseff enfrenta - com um silêncio bucólico - mais de 30 trinta greves distintas de funcionários públicos federais, com destaque especial para as universidades federais.

O segundo motivo foi uma foto dos arquivos do 'Partidão', compartilhada nas redes sociais pelo camarada Alceu Sperança, que traz o saudoso João Saldanha discursando em defesa da liberdade sindical. Pois bem, a imagem me fez lembrar que a única resposta até então do governo federal foi um decreto arbitrário que busca substituir os grevistas que "saírem da linha" por funcionários terceirizados.

O atual cenário faz com que 2012 seja taxado como o "ano em que o Brasil parou", o que me remete (novamente) ao ano de 1968, que ficou conhecido como o "orgasmo da história". O ano foi marcado por uma série de manifestações que eclodiram pelo todo mundo, iniciadas pelo movimento de Maio de 68. Esse movimento foi protagonizado por estudantes, mas que reuniu desde profissionais de rádio e televisão até técnicos de escritórios de planejamento.

Neste mesmo ano, nos Estados Unidos, era assassinado o ativista dos direitos humanos Martin Luther King. No mês de abril, dias antes do crime, ele liderou uma marcha em apoio a uma greve que reuniu mais de 1,3 mil funcionários negros da limpeza pública que lutavam por melhores condições de trabalho e salários decentes.

Na ocasião, a paralisação dos trabalhadores já durava cerca de dois meses e a marcha foi reprimida com violência dos órgãos repressores do Estado. King dizia que a "greve é a linguagem dos não-ouvidos". Linguagem é comunicação e, quando falamos em greve, a comunicação social tem um papel fundamental e os meios que propagam informação devem agir com responsabilidade.

Pois bem, voltando aos dias atuais, gostaria novamente de fazer algumas ponderações ao objeto principal do texto: a abordagem das greves e paralisações por parte da comunicação de massa. Como de praxe - ainda que de forma velada - a mídia segue sua ofensiva diante das greves. Nenhum meio de comunicação (seja ele grande, de circulação nacional, seja ele regional ou local, que reproduz as mesmas visões e juízos) ataca de forma direta o direito de greve. Não pela falta de vontade em si, mas por não terem coragem de investir contra um direito que foi conquistado ainda no século 19, com o esforço, sacrifício e sangue de trabalhadores.

Como não podem atacar o direito constitucional de greve fazem ofensivas direcionadas em cada paralisação, especialmente quando as greves acontecem no setor público. É raro (quase surreal) quando a mídia admite que uma greve é justa. Para ela, todas as mobilizações são "abusivas" e foco da cobertura está sempre nas pessoas prejudicadas (o usuário/consumidor) e nunca no trabalhador grevista.

Obviamente que as greves prejudicam a população, ninguém seria "purista" ou negligente ao ponto de negar este fato, porém esse acaba sendo o único dado focado nas manchetes de "jornalões" ou "jornalinhos". Enquanto os verdadeiros responsáveis por essa onda de greve - que não são os trabalhadores, mas os patrões (vide governos) - nunca pagam o pato nesta história.

A forma pejorativa das abordagens sobre greves, por vezes, beira a ingenuidade quando o receptor da informação é alguém que tem uma mínima noção de como funciona a relação empregador/empregado e de como se dá a luta de classes em nossa sociedade. Seja no espaço maior dado ao empregador, seja na ausência do aprofundamento das pautas dos trabalhadores ou ainda na tentativa maldosa de sempre jogar grevistas contra a população.

Direito constitucional

A greve é um direito assegurado na Constituição. É importante (e um dever) que a imprensa se preocupe com a população de uma maneira geral, mas não pode agir de forma irresponsável, incitando a ira do trabalhador/usuário contra trabalhador/servidor, pois este pode e deve fazer o uso das ferramentas que disponibiliza para buscar seus direitos (ferramentas que são poucas diante da força do capital).

Apesar de ser um direito que deixou de ser criminalizado há mais de meio século para entrar na ordem constitucional, a imprensa (com raras exceções) continua a "marginalizar" grevistas. Já o Estado - que serve ao sistema e atua em sintonia com esses meios - sempre tentou indiretamente, por meio de leis ordinárias, reprimir esse direito. Na época da ditadura civil-militar (chamada por alguns de "revolução de 64") eram costumeiras as intervenções aos sindicatos, as demissões em massa e as prisões. Ainda no campo histórico, a greve foi uma das bandeiras dos trabalhadores na Constituinte de 1986, assegurada em definitivo na redação do artigo 9º da Constituição Federal de 1988.

Estando claro que a paralisação é um direito, vamos a outros fatos (nem sempre pautados): a atual legislação obriga a publicação de editais de greve com 72 horas de antecedência das paralisações. Após a publicação, o Ministério Público do Trabalho ingressa com um pedido de liminar sobre a greve. Antes mesmo da greve se iniciar os Tribunais Regionais do Trabalho concedem liminares exigindo que determinada porcentagem dos trabalhadores permaneçam nos postos, assegurando o atendimento dos serviços considerados "inadiáveis". Diante disso também são estabelecidas multas diárias se os sindicatos descumprirem ordens judiciais, em multas e percentuais que variam de acordo com cada região.

Voltando a atual conjuntura da relação empregador/empregado, estamos assistindo uma retomada gradativa da capacidade de luta do movimento sindical - ainda tímida em relação a outras épocas - onde acompanhamos algumas conquistas de aumentos reais e recuperação de perdas acumulada nos últimos anos. Mas - paralelo a essa tímida retomada de luta - vemos uma campanha (nada tímida) de grandes veículos de comunicação que seguem jogando a população contra grevistas, não permitindo que essa mesma população entenda as reivindicações desses trabalhadores. 

Concluindo meu raciocínio, faço aqui o papel de "advogado do diabo", ao tentar decodificar essa relação da mídia e as greves: nesse complexo e turbulento relacionamento teriam os meios de comunicação o complexo do "teto de vidro"? Afinal, que moral algumas empresas de comunicação teriam de propagar que uma greve é justa, destacando questões como precarização de mão de obra, melhores condições de trabalho e direito de empregados (conhecidos também como "colaboradores"), quando esses meios não são os melhores exemplos para o assunto dentro de seus próprios currais?

Enfim, essa é uma mosca no meu quarto a zumbizar... e viva o João Sem Medo!