quarta-feira, 4 de março de 2015

Crônica: Estádios e lutas populares

Assembleia dos educadores na Vila Capanema [foto: Joka Madruga]

* Por Manoel Ramires

Atualmente o Paraná Clube é considerado o primo pobre dos clubes da capital paranaense, atrás de Atlético Paranaense e Coritiba. Mas nem sempre foi assim. Sendo resultado da fusão do Pinheiros e Colorado, que também vieram de outra fusões, o time foi seis vezes campeão estadual em dez anos. Possuía a maior sede social e seus frequentadores pertenciam à elite curitibana. No entanto, essa história foi se diluindo e o time de futebol atravessando más fases, estando há sete anos na Série B do futebol nacional e correndo o risco de fechar no fim do ano, segundo um diretor.

Seria um final trágico para o tricolor da Vila Capanema, cujo estádio, Durival Britto e Silva, que era superintendente da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, foi uma doação para o time de futebol formado por seus funcionários, em 1947. Contudo, uma nova áurea pode ter atingido o estádio nesta data: 4 de março de 2015. Neste dia, cerca de 20 mil professores rejeitaram a proposta governamental e decidiram continuar greve contra atrasos salariais e a tentativa do governador Carlos Alberto Richa de se apropriar da Previdência dos trabalhadores.

Agora, a Vila Capanema se une a seleta história de estádios de futebol que foram utilizados a favor da luta dos trabalhadores, na luta de classes. Um deles foi São Januário, do Vasco da Gama, na década de 1940. O Gigante da Colina abrigou as festividades do 1º de Maio em 1941, 42, 43, 45 e 51, promovidas por Getúlio Vargas. Foi neste estádio, por exemplo, que foram anunciadas a criação do salário mínimo e da Justiça do Trabalho. Com média de público de 40 mil pessoas, ocorriam discursos e partidas de futebol, inclusive de times sindicais, como em 1945. Cabe destacar que o Vasco da Gama foi o primeiro clube a permitir negros no campo futebol (honra disputada com Bangu e Ponte Preta na década de 1920).

Se o uso político de estádios de futebol por Getúlio Vargas era considerado positivo para sua imagem na capital da República, Rio de Janeiro, o mesmo não ocorria em São Paulo. O estádio Paulo Machado de Carvalho foi inaugurado em 27 de abril de 1940 e Vargas recebido por enorme vaia dos paulistas. Eles estavam insatisfeitos com o fracasso do golpe dado na chamada Revolução Constitucionalista de 1932. Por outro lado, esse mesmo Pacaembu abrigou evento das centrais sindicais em 2011 e em defesa da pauta dos trabalhadores.

Outro estádio emblemático da classe trabalhadora é o 1º de Maio, em São Bernardo do Campo. Era período da Ditadura Militar e os metalúrgicos já haviam realizados greves em 1978 e 1979. Nessa época, como registra o site ABC de Luta, as greves e as manifestações públicas contra a alta dos preços cresciam cada vez mais. Nesse contexto, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, em greve desde o dia 1º de abril (90% da categoria paralisada), com a diretoria cassada e sob a proteção da Igreja, convoca o 1º de Maio para o Estádio da Vila Euclides, sob as bandeiras da “liberdade e autonomia sindical, direito de greve, garantia de emprego, salário mínimo nacional real e unificado, contra a carestia”. Foi esse movimento, inclusive que fundou o Partido dos Trabalhadores e promoveu o sindicalista Luís Inácio Lula da Silva, mais tarde se tornando presidente da República, em 2002.

Perversidade

Os estádios de futebol também foram utilizados contra a luta dos trabalhadores e dos defensores da democracia. Um desses casos ocorreu na Ditadura Militar chilena de Augusto Pinochet (1973). O Estádio Nacional Julio Martínez Prádanos, mais conhecido como Estádio Nacional, serviu de cadeia para cerca de 40 mil presos políticos. No local, os oposicionistas eram torturados e mortos, como o jornalista norte americano Charles Horman (ver filme Missing, de Costa-Gavras) e o artista e músico Víctor Lidio Jara Martínez, que foi assassinado no Estádio do Chile e seu corpo jogado em um matagal, conforme revela a Comissão da Verdade e Reconciliação do Chile, em 1990.

Recomeço

Embora a função social dos estádios não seja abrigar assembleias sindicais, o seu clima se confunde muito com a luta dos trabalhadores. Pois há disputa por uma pauta, por um gol, por uma agenda, por uma vitória. Alegrias e emoções, decepções e agonias se misturam. Há também uma grande diferença e uma grande consciência. O antagonismo é de que o jogo é jogado nas arquibancadas e não no gramado e a semelhança é sobre a imprevisibilidade do resultado. É isso que apaixona no futebol e na greve.

* Manoel Ramires é jornalista e editor no Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (Sismuc)