terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O Pinheirinho também é aqui!

A luta por condições dignas e direito à moradia, além do repúdio a criminalização de movimentos sociais e ações repressivas do braço militarizado do Estado fizeram parte de um ato organizado nesta segunda-feira (30) em Cascavel em solidariedade aos moradores expulsos violentamente da ocupação de Pinheirinho, em São José dos Campos (SP).

Com o lema "Pinheirinho também é aqui!", os manifestantes – ligados a partidos de esquerda, movimentos sociais e estudantis – se reuniram na Boca Maldita, tradicional ponto de concentração. Ainda que de forma tímida, as pessoas que transitavam na manhã ensolarada paravam para conversar com os organizadores do evento e liam com atenção o material que estava sendo entregue.

O protesto não ficou restrito a operação policial em Pinheirinho, ordenada pelo governador tucano Geraldo Alckimin (PSDB). Questões regionais que afetam diretamente o interesse dos trabalhadores foram denunciadas – inclusive no material distribuído pelos manifestantes.

Entre os pontos citados, o posicionamento de grande parte da mídia regional que, cotidianamente "demoniza" movimentos de luta pela terra e sindicatos, vide alguns editoriais, "pontos de vistas" sobre a situação de Pinheirinho e até mesmo em "inocentes" ilustrações. Mídia corporativa - que diga-se de passagem - ignorou a manifestação desta segunda-feira.

Problemas do déficit de moradia em Cascavel foram citados e o empresariado local também foi alvo dos manifestantes. No panfleto entregue, o exemplo da situação dos trabalhadores dos supermercados da cidade e o processo de aprovação de banco de horas nestes estabelecimentos, o que precariza o trabalho e retira direitos como do pagamento de hora-extra. Banco de horas (diga-se de passagem novamente) que não é exclusividade do comércio local, sendo uma prática comum também dos empresários do ramo da comunicação.

O panfleto ainda continha um fato histórico específico de nossa região, como do surgimento do movimento sindical em Cascavel, em 1986, e a lembrança da chamada "lista negra" organizada por um grande empresário do ramo do comércio de materiais de construção com nomes de trabalhadores que procuraram a Justiça do Trabalho e que posteriormente não conseguiram empregos com carteira assinada.

Evandro Castagna, membro do PSTU e um dos organizadores do ato, destacou que apesar do mote principal ser o repúdio a reintegração violenta em Pinheirinho, é necessário também trazer questões locais nessas manifestações de cunho nacional. "Estamos aqui para expor a violência contra aqueles trabalhadores em São Paulo, mas sem esquecermos a nossa realidade, contextualizando com nossa situação regional".

Edio Ilson de Oliveira, integrante do MST, também fez um paralelo da situação de Pinheirinho com o drama que o trabalhador sofre diariamente em vários estados, em especial na questão da moradia. "O programa Minha Casa, Minha Vida acabou privilegiando setores do empresariado e empreeiteiros. Veja a situação do programa aqui em Cascavel, os resultados para a população carente foram muito poucos. Muita gente precisou dar entrada de 15 a 20 mil reais para conseguir uma casa", cita o acampado do Complexo Cajati. 

Atos como o de Cascavel estão programados para acontecer ao longo desta semana em várias cidades brasileiras, sendo o principal deles em São José dos Campos na quinta-feira, dia 2 de fevereiro. O ato nacional conclama a população a se manifestar e protestar contra a truculência do governo tucano em São Paulo que, em seu currículo recente, contabiliza episódios lamentáveis como o atentado a autonomia universitária na USP, a "limpeza" da Cracolândia, além do próprio Pinheirinho.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Povos indígenas e a opção que os torna um "entrave"

Teodoro Tupã
O atual projeto político-econômico em transição no país, com a opção pelo chamado "desenvolvimentismo", tem transformado comunidades tradicionais como os indígenas e quilombolas em verdadeiros entraves para esse modelo de "progresso" de estreita ligação com setores da elite brasileira como especuladores imobiliários e grandes produtores rurais. 

Nesse modelo, comunidades vêm sofrendo uma violência de Estado - nem sempre caracterizada na forma explícita das ações repressivas e da brutalidade de seu braço militarizado - mas sim na ausência de políticas públicas que priorizem as camadas populares. Em meio a essa questão central - de projeto político de desenvolvimento - transcorreu minha conversa com o professor guarani Teodoro Tupã, uma das lideranças indígenas mais importantes do Paraná nos dias de hoje.

Ex-cacique e atualmente lecionando nas reservas do município de Diamante do Oeste, Teodoro aponta os retrocessos ocorridos ao longo dos últimos anos em relação às políticas públicas voltadas aos povos originários, especialmente na área da saúde indígena, processo que segundo ele tem se acentuado desde que a responsabilidade no setor passou da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) para a Secretaria Especial de Saúde Indígena, criada no governo Dilma Rousseff.

Teodoro expõe que a Secretaria Especial de Saúde Indígena não tem apresentado resultados práticos, pelo contrário, tem precarizado o atendimento à saúde nas comunidades paranaenses. Para ele, o descaso com a saúde teve início com a suspensão do Projeto Rondon, iniciativa que era de responsabilidade de ONGs (Organizações Não-Governamentais). Abaixo a entrevista do professor Teodoro Tupã ao blog.

[Sítio] Descaso na saúde
[Teodoro]
Desde que nossa saúde passou da Funasa para a Secretaria Especial de Saúde Indígena só temos visto a redução no atendimento. Quando ela [Secretaria] foi criada a expectativa era boa e a promessa era de que as coisas iriam melhorar, mas estamos na espera há dois anos. Faz quatro anos que a saúde vem nessa situação, desde que o Projeto Rondon acabou só tem piorado, pelo menos essa é a realidade aqui na nossa região. Antes – ainda na época da Funasa – tínhamos duas viaturas para atender as duas comunidades da reserva em Diamante, a Itamarã e Añetete, agora temos apenas uma para as duas aldeias. Além disso, já tivemos até quatro motoristas trabalhando, se revezando, hoje tem apenas um motorista que precisa  trabalhar 24 horas por dia. Também tínhamos mais agentes de saúde, hoje temos apenas duas auxiliares de enfermagem, que não recebem há dois meses, estão trabalhando de forma provisória, de graça, na raça, pelo compromisso com a comunidade. Isso é um desrespeito com esses trabalhadores.

Município
Nesta terça-feira (24) tivemos uma reunião com a Secretaria Municipal de Saúde [Diamante do Oeste] que tem nos ajudado em várias situações, pois não estamos mais recebendo a cota que era repassada pela Funasa para remédios, para os convênios com os hospitais, com restaurantes. Tem um momento que o município tem que dar a contrapartida, mas parece que pelo município estar fazendo sua parte, as demais autoridades parecem querer se isentar de suas responsabilidades. A Secretaria de Saúde de Diamante tem sido parceira e tem segurado as pontas como pode, mas a impressão é que a saúde parece não estar mais adequada a comunidade indígena de uma maneira geral. Com saúde não pode brincar, seja a saúde do índio, seja do não-índio.

FUNAI
Algo maior tem impedido que a Funai [Fundação Nacional do Índio] consiga desenvolver seus projetos. O problema maior é que precisamos da liberação de recursos, porque independente de quem estiver a frente da Funai, é preciso um projeto político para os indígenas. Temos várias lideranças indígenas preparadas que poderiam assumir até a presidência da Funai, inclusive aqui na região Sul do Brasil, mas não adiantaria de nada se o governo não ajudasse. Veja o exemplo do cacique Juruna quando foi deputado, ele acabou ficando sozinho lá lutando e perdeu a força que tinha. [Mario Juruna, ex-cacique Xavante, primeiro deputado federal de etnia indígena do Brasil]. Nós precisamos que os recursos sejam liberados para a criação de GTs (Grupos de Trabalhos) para darmos sequência nos processos de reconhecimento e demarcações de terras.

Demarcações
A pauta da Comissão de Terras para 2012 é fazermos um levantamento territorial das terras tradicionais guarani e avançarmos nas negociações. Em 2011 fizemos um levantamento de parcerias e hoje as autoridades não-índias respeitam a comissão e sabem do seu papel, como a Itaipu Binacional, o Ministério Público, universidades, o governo estadual por meio da Secretaria de Assuntos Fundiários. Apesar de termos esses parceiros, continuaremos na pressão, pois as autoridades precisam entender que o movimento indígena não é para atrapalhar o funcionamento da sociedade, mas sim para estar dialogando com ela sobre nossos direitos. Temos sete ou oito áreas ocupadas aqui no Oeste do Paraná em processo de reconhecimento, são espaços pequenos em média de 50 hectares. Em todo Estado, esse número deve aumentar para mais ou menos 20 áreas. Então nossa luta nesse ano será para mantermos as ocupações, fazermos levantamentos de outras áreas que são de origem guarani e pressionarmos pelo seu reconhecimento como terra tradicional.
 
Política
Já temos vários indígenas inseridos na política, mas precisamos avançar ainda. Os povos indígenas parecem que vivem ainda com um tapete escuro a sua frente e somente quando se abrir esse tapete os indígenas irão acordar. Quando decidi entrar na política foi para descobrir sobre o que realmente é a política, então descobri que a partir dela nossos povos podem cobrar uma educação melhor, uma saúde melhor, cobrar sobre nossas terras. Veja o exemplo da Escola Indígena que está sendo construída em Diamante do Oeste, não foi conquistada somente porque era um direito nosso, mesmo sabendo que aquele era nosso direito tivemos que cobrar das autoridades, ir atrás, fazer nossa política de cobrança e pressão.

*    Teodoro Tupã Alves é professor bilíngüe nas comunidades de Itamarã e Añetete, que reúnem cerca de 240 famílias em duas aldeias no município de Diamante do Oeste (PR). Em 2007 foi candidato a deputado estadual pelo PCdoB, se tornando o primeiro indígena a disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Paraná, considerando as três etnias indígenas presentes no Estado: Guarani, Kaiguang e Xetá. Atualmente coordena a Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná, grupo formado para discutir os processos de reconhecimento e demarcações de terras tradicionais indígenas na região.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Abram alas para o bloco do juízo final

Abram alas que o bloco do pão, circo, porrada e repressão já pede passagem. Falta certo tempo para o carnaval, mas como o ditado prega que "o ano só começa após confete e serpentina", decidi antecipar menções ao festejo popular logo na primeira postagem de 2012; um ano que para os apocalípticos que tentaram interpretar os povos Maias poderá ser o dos últimos carnavais de nossas vidas.

Não sou astrólogo, astrônomo e tampouco um astronauta de mármore, mas confesso que tenho minha própria interpretação sobre as profecias dos povos originários. Estaria a civilização pré-colombiana querendo nos avisar que o corrente ano deve ser o de grandes transformações e mudanças de atitudes e não uma reedição de roteiro hollywoodiano de gosto "duvidoso"?

Levando em conta o ano que passou até teríamos razões para esse otimismo, afinal 2011 nos trouxe alento e esperança no despertar de consciências. Talvez o maior exemplo esteja na "ocupação" de Wall Street – o grande centro financeiro em Nova Iorque – que após se multiplicar desde os Estados Unidos aos quatro cantos do mundo nos enriqueceu com o debate da criação de uma nova concepção das relações econômicas e de questionamento do modo de produção que vinha sendo apregoado como o "ideal" para nossas vidas.

As revoluções árabes nos deixaram a lição de que realmente "a praça é do povo"; médicos cubanos ensinaram o "Mr. President" como se faz uma missão humanitária em país devastado (Haiti); o terrorismo do Estado Sionista de Israel começou a ser questionado; bolivianos mostraram como se dá a luta de classes e como se respeita os povos tradicionais; enquanto nossos "hermanos" argentinos mostraram como se combate o monopólio midiático, democratizando os meios de comunicação de um país.

Por aqui - em terras tupiniquins - também tivemos o que falar. Entre outros fatos, destaco o cerco a nossa "Cosa Nostra", conhecida popularmente como CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e a organização de grupos que iniciam debates sobre o que está em jogo (fora das quatro linhas) em grandes eventos esportivos como Olimpíadas e Copa do Mundo.

Outro destaque foi a retomada da capacidade de luta e mobilizações da classe trabalhadora presenciada em 2011, ainda que distante dos holofotes da velha mídia, sempre pronta para criminalizar qualquer mobilização - especialmente greves e ocupações. A cada longa paralisação de alguma categoria ou ocupações de espaços públicos surgiam os ataques da mídia dominante e rancorosa que, em grande parte, ao invés de serem espaços informativos agem com instrumentos discursivos das elites.

São fatos que sucederam 2012 e que poderiam reforçar minha tese "de que os pré-colombianos pregavam grandes transformações", porém o início do ano parece nos querer mostrar que não há nada de novo do front. Iniciamos com as enchentes que sempre pegam as autoridades responsáveis de "surpresa"; com os retrocessos do governo (com o advento do Código Ruralista) e a reafirmação de seu "desenvolvimentismo"; com novas cenas de repressão policial a estudantes, trabalhadores e artistas de rua; com a brutalidade contra povos indígenas, camponeses, quilombolas, ribeirinhos e outros povos tradicionais de nossas terras.

Já a mídia hegemônica-comercial é um caso a parte: calada diante do debate iniciado pelo livro de Amaury Ribeiro Jr. e o anúncio da CPI da Privataria; ao mesmo instante em que grandes grupos aumentam seus monopólios, concentrando mais poder e tendo maior alcance de seus discursos homogeneizados, nos proporcionam o velho pão e circo para grande massa das "arenas dos leões", com violência e sexo explícito, "boletins de desgraças diárias" e conceituando o que "representa a cultura popular brasileira" (sic).

Enfim, bem vindo 2012, a nova edição dos "heróis" do Grande Irmão global agora tem a concorrência de "peso" de um bando de peruas frenéticas que ostentam diamantes, jatinhos, carrões, iates e roupas de grife no país de 11,5 milhões de favelados. Confesso (...) otimismo não é meu forte e admito: minha teoria de grandes transformações e mudanças de consciência para o ano parece estar caindo por terra!

Mas comecemos a tirar nossas lições agora - ou se preferirem logo após o carnaval - pois apesar dos pesares e de todo panis et circences midiático, o juízo final está muito longe de acontecer, mas poderá render belos enredos para as escolas de samba.