sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Uma década da estrela dourada

Alex pula sobre o goleiro Silvio, após marcar o gol da vitória e do título

"Em que o futebol se parece com Deus? 
Na devoção que desperta em muitos crentes e 
na desconfiança que desperta em muitos intelectuais".

Início esse texto - último do ano - com uma citação do livro 'Futebol ao sol e a sombra', do uruguaio Eduardo Galeano. A frase expressa bem o que sente o fanático, aquele que chega ao estádio embrulhado na bandeira, com a cara pintada com as cores do time adorado, que na onipotência dos domingos exorciza a vida obediente do resto da semana.

Sou um réu confesso quando o assunto é futebol, sou um apaixonado por esse universo de perdas e conquistas, de histórias que ultrapassam as quatro linhas. Réu confesso que beira a insanidade, do bando de fervorosos das arquibancadas, bares ou de suas casas com o coração nas mãos.

Nesse calendário desta festa pagã - chamada futebol - há datas que são especiais. Há exatos 10 anos, no dia 23 de dezembro de 2001, o Brasil se rendia ao rubro-negro paranaense – apesar do sempre preconceito existente na imprensa paulista e carioca – que reconhecia que o Atlético praticava o melhor futebol do país.

Há uma década, o Furacão consagrava-se campeão brasileiro – numa campanha iniciada no dia 2 de agosto de 2001 com uma vitória de 2 a 0 diante do Grêmio e que teve como desfecho a partida final de dia chuvoso em São Caetano do Sul. Um jogo que expressou a garra rubro-negra – que suportou a pressão do São Caetano – e que teve o bote final aos 22 minutos do segundo tempo, após a arrancada pela esquerda do lateral Fabiano. Depois do chute cruzado espalmado pelo goleiro Silvio Luiz, eis que surge como uma flecha o artilheiro Alex Mineiro, o bola de ouro de 2001, para empurrar a pelota para as redes.

Como já escrevi em outras oportunidades, falar do Atlético é viajar no tempo, voltar ao fim dos anos 80, voltar a velha Baixada – o Caldeirão do Diabo - com o grande símbolo de pedra na rampa de acesso. É se arrepiar ao ouvir a famosa paródia de The Wall e conseguir visualizar Roger Waters e David Gilmour mandar em melodia a coxarada para o "lugar que lhes é de direito".

Voltar no tempo... Lá se vai uma década desde aquela tarde de domingo, tarde de alegria e emoção pelo maior título da história do Furacão. Tarde acompanhada de grandes amigos, onde minha 'primeira paixão' se consagrava de vez no cenário do futebol brasileiro.

Quis o destino que comemorássemos uma década do título em um ano de poucas alegrias para o rubro-negro. Ano de queda, mas que caímos de pé, sem nos envergonharmos por cenas de barbárie, com nossa torcida provando porque é a maior e a mais vibrante do Estado. Provamos que os que vestem o manto rubro-negro o fazem somente por amor, como diz o verso de Zinder Lins.

A todos os fanáticos desta festa pagã – que hoje relembram uma década da estrela de ouro e que no próximo ano farão parte da recondução do Furacão para seu devido lugar – as minhas homenagens.

"No céu ou inferno, aonde for,
teu escudo, minha honra e meu amor.
Nascer viver, mais que torcer
Atleticano até morrer!"

Que venha 2012!


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Nota de repúdio da Comissão de Terras Guarani

Foto: Paulo Porto Borges
Nos dias 10 e 11 de dezembro, foi realizado na Aldeia Yv’a Renda Poty, em Santa Helena, o V Encontro de Rezadores e Lideranças Indígenas do Oeste do Paraná, oportunidade onde foi prestada solidariedade aos irmãos Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. A Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná também emitiu uma nota de repúdio ao assassinato do cacique Nísio Gomes. Segue abaixo a íntegra da nota.

 Nós, caciques, rezadores e lideranças indígenas membros da Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná, reunidos da aldeia de Yv’a Renda Poty, repudiamos o assassinato do parente Guarani-Kaiowá Nísio Gomes, da aldeia de Tekoha Guaviry, município de Amambaí. A sua execução por pistoleiros no dia 18 de novembro já vai fazer um mês e seus assassinos e mandantes ainda estão impunes, assim como dos vários indígenas mortos nestes anos. O assassinato do cacique Nísio se soma as duas centenas de parentes mortos somente nestes últimos oito anos, uma matança que já toma a forma de genocídio contra o povo Guarani e os povos indígenas do Brasil. Neste ano de 2011 aconteceram – somente no Mato Grosso do Sul – 150 ameaças de morte e 34 assassinatos, quase sempre lideranças do nosso povo envolvidos na luta pela terra tradicional. E nosso povo continua resistindo debaixo das lonas, nas beiras das estradas e nas pequenas aldeias cercadas pela soja e pelo agronegócio. Não podemos continuar assistindo calados os crimes cometidos contra nossos parentes, não podemos mais assistir tanto o poder judiciário como o executivo sendo utilizados para espoliarem nossas terras e assassinarem nossos líderes. É vergonhosa a tolerância do governo federal aos ataques no Mato Grosso do Sul!! Temos notícias que existem várias lideranças indígenas Kaiowá juradas de morte, entre elas o vereador indígena Otoniel Guarani, do município de Caarapó. Devido a isso, exigimos:

1.      Imediata intervenção do governo federal no Mato Grosso do Sul
2.      Proteção as lideranças ameaçadas
3.      Imediato reconhecimento das terras indígenas e sua demarcação
4.      Punição aos assassinos e mandantes

 Comitê de Terras Guarani do Oeste do Paraná 

            Dezembro de 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Protagonismo e solidariedade Guarani

Teodoro Alves Tupã (foto: Paulo Porto)
Fortalecer o protagonismo na luta pelos direitos dos povos indígenas e mostrar a solidariedade com os irmãos Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul semearam as discussões do V Encontro de Rezadores e Lideranças Indígenas do Oeste do Paraná, realizado nos dias 10 e 11 de dezembro na aldeia Yv’a Renda Poty, em Santa Helena (PR).

Líderes políticos e religiosos das comunidades de Itamarã, Tekoha Añetete, Ocoy, Pinhal, Lebre, Y’ Hovy e da própria Yv’a Renda Poty estiveram nos debates. O encontro ainda contou com autoridades não-índias da Assessoria de Assuntos Agrários do Governo do Paraná, além de alunos da Unila (Universidade da Integração Latino-Americana).

Desde o primeiro encontro, em junho do ano passado, os povos indígenas do Oeste do Paraná já obtiveram avanços. A atual situação da área onde foi organizado o evento é prova disso. Na oportunidade do I Encontro de Lideranças, as 17 famílias da comunidade de Yv’a Renda Poty viviam sob ameaça de intervenção da área. Hoje a aldeia é reconhecida pelo Estado do Paraná como uma terra guarani, um tradicional "tekoha".

Para os Guarani, os tekoha – mais do que serem simples espaços de subsistência – são locais sagrados onde se produz toda a cultura e o modo de ser de seu povo, onde é repassado o significado das lutas destes povos tradicionais. Neste espírito transcorreu o encontro em Santa Helena com a avaliação dos líderes indígenas dos trabalhos feitos ao longo de um ano e meio, desde a criação da Comissão de Terras, criada a partir do primeiro encontro.

Essa comissão vem discutindo junto às autoridades não-indígenas questões de políticas públicas e da demarcação de terras na região. Por meio de um grupo de trabalho, os indígenas vêm organizando um mapeamento dos locais. O processo de reconhecimento passa pela identificação da terra – se realmente se trata de uma terra indígena, a delimitação do espaço e, num terceiro momento, a área é demarcada. Ao final, a terra é homologada e é criada juridicamente a área.
 
O professor guarani Teodoro Alves Tupã, coordenador da comissão, fez uma avaliação positiva do trabalho. "Hoje a Comissão de Terras Guarani é reconhecida como um instrumento de luta política por todas entidades e associações indígenas, tanto Guarani como Kaingang no Paraná, e também pelas autoridades não-índias, como a FUNAI [Fundação Nacional do Índio], o Ministério Público e a Itaipu. Este reconhecimento – que foi construído por nossas lutas e mobilização – vem nos permitindo avançar na luta por nossos direitos".

Protagonismo

Apesar das conquistas, o consenso entre as lideranças é que é necessário avançar no protagonismo, pois apesar de reconhecerem o apoio à causa por parte de setores da sociedade como ONGs, universidades, movimentos sociais e entidades de classe, todos têm clareza que apenas o próprio indígena é "dono de seus direitos e devem ocupar mais espaço junto às políticas públicas e a própria Funai".

Deste debate nasceu um documento a ser apresentado as autoridades competentes apontado a necessidade do reconhecimento das terras tradicionais e a aceleração dos laudos antropológicos das áreas já ocupadas.

Solidariedade

Reforçando que fronteiras são linhas imaginárias criadas pelos não-índios, os indígenas do Oeste do Paraná também discutiram a questão das ameaças e violências contra os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Sensibilizados pelo sofrimento que passa o povo irmão, os líderes regionais decidiram entrar em contato com a Aty Guasu (uma grande assembleia que reúne lideranças Guarani) e organizar uma comitiva para visitar a região de Amambái (MS) no final de janeiro.

Para os líderes guarani do Oeste do Paraná, o momento é de prestar solidariedade aos 'parentes Kaiowá'. "Os atentados contra as lideranças Guarani-Kaiowá são atentados contra todo o povo Guarani e deve ser respondido por todo o povo Guarani. A luta é a mesma e o povo é o mesmo", afirmou o rezador guarani Vicente Abogado.


Fotos: Paulo Porto

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O maldito lugar de Lester Bangs

♪♪ Hangin' out with Lester Bangs you all
And Phil Spector really has it all
Uncle Floyd shows on the T.V.
Jack Nicholson, Clint Eastwood, 10cc
But it's not my place. 
  
Entre os citados neste trecho da música It’s Not My Place (In The 9 To 5 World), do álbum Pleasant Dreams, lançado em 1981 pelo Ramones, está o jornalista californiano Lester Bangs, considerado para muitos o maior crítico de rock n’ roll de todos os tempos.

Na canção Bangs é de certa forma "enforcado" e citado a algumas "celebridades" como Jack Nicholson e Clint Eastwood. O curioso é que o jornalista abominava celebridades, os chamados VIP’s. O verso da canção do Ramones ainda diz: "este não é o meu lugar". Mas qual seria o lugar de Leslie Conway Bangs, vulgo 'Lester', que estaria de aniversário nesta semana?

Lester teve uma curta, porém explosiva, passagem pela imprensa. Iniciou fazendo "frilas" para a Rolling Stone, oportunidade que apareceu quando a revista abriu espaço para leitores fazerem resenhas de bandas. Iniciou com uma crítica do álbum Kick Out The Jams (1969), do MC-5.  

Aberta a porta, ele começou a acompanhar bandas que mudaram o cenário do rock, como Black Sabbath e Led Zeppelin. Acabou demitido da Rolling Stone por ordem do editor da revista, pois – 'maldito' que era – se recusava a escrever sob as rédeas e as amarras editoriais.

Na revista Creem conseguiu ser 'mais' Lester Bangs, com seus textos e críticas "psicotrópicas" no estilo que ficou conhecido como "gonzo jornalismo", hoje imortalizado na figura do lendário Hunter Thompson.

Assim como Hunter – conhecido por muitos apenas pela interpretação de Johnny Depp em Fear and Loathing in Las Vegas (Medo e Delírio) – muitos tiveram o primeiro contato com Lester ao assistir o filme Almost Famous (Quase Famosos), onde o crítico musical é interpretado pelo ator Philip Seymour Hoffman.  Para quem não recorda, Lester é o conselheiro de William Miller (Patrick Fugit), o "foquinha" que consegue um frila na Rolling Stone para acompanhar a banda Stillwater.

Além de escrever sobre rock, Bangs fez rock. Foi músico, juntou-se a Mickey Leigh (irmão de Joey Ramone) na banda Birdland, na Nova Iorque dos anos 70. Ainda fez parte no Texas de uma banda de punk-rock chamada Delinquents, que chegou a gravar o álbum Jook Savages on the Brazos.

Lester morreu em 1982, então com 33 anos, em decorrência de uma overdose de medicamentos. Em textos na internet, já li de alguns fãs que o jornalista era uma mistura de Kerouac e Bukowski aplicada ao rock n’ roll. Sem dúvida, uma ótima interpretação deste "maldito" que não se prendia a rótulos e que incorporou como ninguém o espírito de sua época.

É curioso pensar qual seria o lugar de Lester Bangs neste mundo atual onde as rebeldias estão cada vez mais contidas e a futilidade é cada vez mais evidente no culto às personalidades, grande motivo da repulsa do jornalista maldito, como bem exposto neste trecho abaixo de uma entrevista a publicação News Blimp, em 1980. 

“Todas as pessoas que conheço estão completamente alienadas, de saco cheio, enojadas com tudo, e sei que boa parte daqueles que trabalham na mídia e nos impingem essas coisas está tão alienada quanto o público. O público compra só porque não lhe é oferecida outra coisa. E, pessoalmente, eu me pergunto quando as pessoas vão começar a dizer: "Não! Eu me recuso, não quero mais isso!”.
[Lester Bangs]


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Jornalistas no combate ao mau jornalismo

* Fernanda Regina da Cunha

Fatos ocorrem a cada segundo, fatos importantes, pouco importantes, fatos que dizem respeito diretamente as nossas vidas e fatos que em nada nos acrescentarão.  Informações existem ou inexistem, informações são repassadas e não são repassadas. Algumas vezes, informações são alteradas.

Difícil definir o que é pior no caso da informação: se aquela que não nos é transmitida ou aquela que sofre contaminações.  Isenção em um texto, seja ele jornalístico ou não, é algo impossível de se encontrar, no entanto, o limite de influência daquele que é responsável pela informação precisa ser ponderado. A atualidade trouxe consigo uma grande facilidade no acesso a informação. Diariamente somos bombardeados de notícias por todos os lados e aí, como filtrar?

A grande bandeja de notícias oferece ao receptor a possibilidade de analisar diversas fontes e escolher aquilo que lhe pareça mais coerente. Talvez esteja aí o poder de quem está do lado de cá da informação.  Infelizmente no Brasil, nem todos têm acesso às mídias alternativas – seria utópico demais acreditarmos que já é assim – porém, o caminho já não possui mão única. Outro fato que não pode ser negado é aquela cultura arraigada em boa parte da população, cujo fundamento aponta para as grandes empresas de mídia como a fonte de informação única necessária ao dia-a-dia. Estamos caminhando sim, mas é necessário saber que até mesmo a capacidade de discernimento passa impreterivelmente pela boa qualidade da educação formal, aquela capaz de fazer pensar, mas esse é um outro debate.

Não há dúvidas que os movimentos sociais contrários ao capitalismo que estão ocorrendo ao redor do mundo são ignorados por muitos, já que uma boa parcela dos segmentos da "grande imprensa" preferem não noticiar ou então "mascarar" as informações sobre o assunto. O controle da informação é um fato real e presente, a grande massa desconhece e continuará desconhecendo porque conta com poucos para lhe dizer da realidade.

 O jornalista e sociólogo Ignacio Ramonet já propôs a criação do "quinto poder", com a função de denunciar os grandes grupos midiáticos que não defendam a população, mas ao contrário, atuam como opositores. A academia nos ensina uma das premissas do bom jornalismo: "ouvir sempre, os dois lados". Com esse dado na cabeça já se sabe que tem algo errado acontecendo por aí.

A prostituição da imprensa irá diminuir quando os próprios jornalistas tomarem a luta para si, em defesa da boa informação e do direito dos cidadãos de receberem a notícia como é ela é - nem mais nem menos. Contextualizar uma notícia pede consciência de classe e até mesmo, espírito de humanidade, por saber que podemos, sim, atuar na transformação da sociedade. Falo aqui de resistência. A proposta aos jornalistas é de atuarem na frente de defesa dos menos favorecidos, grupo ao qual também pertencemos.

Talvez seja este o momento de parar com a reverência dedicada a certos órgãos de imprensa. Aquela mesma reverência que faz um aspirante sonhar em obedecer determinados padrões de qualidade, não apenas pelo salário, mas principalmente pelo status ideológico que aprendeu a almejar. Nesta história de guerra midiática, os jornalistas devem ser os protagonistas e irem para batalha por si e pelos outros também.

* Fernanda Regina da Cunha é jornalista em Foz do Iguaçu

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Paraguai: Após um ano, "sicariato" segue impune

Campesina em protesto contra impunidade (foto: AP)
Nos textos anteriores compartilhei uma entrevista com o cartunista Carlos Latuff que esteve em Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná. Ele aproveitou para atravessar a fronteira e conhecer a realidade agrária do Paraguai, país de maior taxa de concentração de terra de toda a América. Por lá conheceu dois assentamentos sem-terra, o 'Los Comunales' e o 'Primavera', no distrito de Mingua Guazú, departamento do Alto Paraná.

Apesar de estarmos tão próximos da tríplice fronteira e, consequentemente de nosso país irmão, temos poucas informações da mídia sobre a questão agrária do Paraguai, quando pouco algumas tentativas de criar um clima de animosidade de agricultores paraguaios com "brasiguaios", pois na mente dos tradicionais "fabricantes da opinião pública", à nação vizinha não lhe cabe soberania, pois não passa de uma "terra de contrabando e descaminho" que precisa ter sua fronteira vigiada pelas autoridades estatais. 

O Paraguai é o país de maior concentração fundiária do continente, uma nação onde 10% da população mais pobre recebe cerca de 0,6% dos ingressos, enquanto os 10% mais ricos se apoderam de 45,5% da renda nacional. O agronegócio se expande pelas terras paraguaias com a monocultura da "sojificação" e aliado a isso cresce também o número de assentamentos em disputa, ameaças e agressões a lideranças de movimentos sociais formados por campesinos e indígenas. 

O atual governo, por sua vez, que na teoria é de caráter "progressista" tem adotado postura conservadora em relação a um projeto de reforma agrária no país, enquanto a Justiça Paraguaia se mostra ineficaz na resolução dos conflitos agrários, tendo na impunidade uma de suas grandes marcas. 

Uma amostra dessa impunidade completa 1 ano neste dia 26 de novembro: o assassinato de Mariano Jara, um dos coordenadores do MCP (Movimiento Campesino Paraguayo). O crime segue com suas investigações estagnadas e o principal suspeito da execução segue solto – mesmo diante da série de indícios que comprovam sua participação – e sem qualquer previsão de julgamento do acusado. 

Mariano Roque Jara Baez foi morto no dia 26 de novembro de 2010 no distrito de Curuguaty, Departamento de Canindeyú.  A vítima foi executada em plena luz do dia, após um evento organizado pela Itaipu Binacional em parceria com os movimentos sociais camponeses, que receberam maquinários agrícolas. 

No horário de sua 'siesta', Mariano avaliava o evento sentado na varanda de sua residência, momento em que um pistoleiro a bordo de um motocicleta parou em frente a moradia e pediu se "ali morava Mariano Jara" e, diante da resposta positiva, sacou uma pistola 357 e disparou. Nove tiros atingiram Mariano. 

Após ouvir os tiros, o filho e a sobrinha de Mariano foram até a varanda a tempo de verem o motoqueiro em fuga. Perseguido por camponeses e policiais e após conseguir furar um bloqueio, o acusado identificado como um cidadão brasileiro chamado Luis Carlos Faustino foi capturado 20 minutos depois do crime. A identificação foi possível em virtude do acusado ter deixado cair documentos, aparelho celular e passagens de ônibus durante sua fuga. 

Pressão política 

Menos de 48 horas após o crime, o acusado foi liberado sob o argumento das autoridades de "que não haveria evidências que comprovassem a participação de Faustino no crime", mesmo diante do flagrante. As autoridades responsáveis também desqualificaram o depoimento de uma série de testemunhas que reconheceram Luis Carlos Faustino. 

Segundo informações do MCP, políticos ligados ao Partido Colorado estiveram na sede da delegacia exigindo a soltura do brasileiro, entre eles o ex-deputado e atual vereador de Curuguaty, Julio Colmán, o empresário do ramo madeireiro e também vereador Juan Pio Ramirez e atual governadora de Canindeyú, Cristina Amarilla. 

Luis Aguayo, secretário-geral da MCNOC (Mesa Coordenadora Nacional das Organizações Campesinas) também confirma essa "pressão política" e repudia a gestão da promotora do Ministério Público, Ninfa Aguilar, que autorizou a liberação do acusado. "Vários elementos comprovam a participação de Faustino, sua liberação foi uma negligência". 

Após ordenar a liberação e diante da reação contrária de movimentos sociais, a promotora responsável foi afastada das investigações. Outros fiscais chegaram a tomar frente nas investigações, mas a apuração – segundo integrantes da MCP – simplesmente parou. Segundos os líderes do movimento campesino, a contaminação e a pressão de políticos e latifundiários na Justiça paraguaia colaboram para esse cenário de impunidade. 

Outra suspeita é que a morte de Mariano Jará possa estar relacionada com sua militância política, visto que nas últimas eleições do Departamento, o líder camponês teria manifestado apoio ao Partido dos Trabalhadores Paraguaio, grupo rival ao Partido Colorado. 

Em carta, dirigentes de movimentos sociais e do PT paraguaio pedem punição aos responsáveis e um basta à criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra. O documento também denuncia a procuradora Ninfa Aguilar e os vereadores Julio Colmán e Pío Ramirez, como cúmplices da execução de Mariano. 

Um abaixo-assinado pedindo urgência na investigação, prisão e condenação dos mandantes e do executor do crime vem sendo organizado nos últimos meses por líderes religiosos, políticos, sindicalistas, movimentos sociais e da sociedade civil em conjunto com diferentes organizações de Direitos Humanos do Brasil e de outros países. O documento deve ser entregue em mãos do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, no início de 2012. 

Brasileiros 

Conforme relatos de integrantes do MCP, a participação de brasileiros em conflitos relacionados à disputa de terra no Paraguai é comum. Os pistoleiros são "importados" para o serviço conhecido como "sicariato" (assassinato por encomenda), mediante contratação por parte de políticos e grandes proprietários de terra. Segundo os movimentos sociais, é uma prática utilizada pela "burguesia rural com o intuito de intimidar e desmobilizar a luta pela terra assassinando dirigentes sociais". No mês de julho, por exemplo, quatro pessoas foram mortas por pistoleiros brasileiros no Departamento de Amambay.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Carlos Latuff: "O latifundiário é uma praga"

Latuff expõe charge sobre Código Florestal
A crítica radical e a ligação com os movimentos sociais são características presentes no trabalho do cartunista e ativista Carlos Latuff. O apoio a causas como dos povos indígenas, dos sem-teto, sem-terras e de ligas camponesas é retratado em seus traços.

Latuff, que recentemente esteve em Foz do Iguaçu, aproveitou para atravessar a Ponte da Amizade e conhecer a realidade de assentamentos sem-terra no Paraguai.  "A realidade aqui do lado é muito séria, o latifundiário que já é uma praga no Brasil, agora está virando uma praga no Paraguai".

A afirmação do carioca espelha a atual realidade do campo no Paraguai, país de maior concentração de terras do mundo, que vive um processo de expansão do agronegócio por meio da "sojificação" de seus territórios, processo que tem aumentado a disputa de assentamentos e deixado os movimentos sociais do país em estado de alerta.

Paralelo ao crescimento vertiginoso da soja nos campos paraguaios diminui o índice de população que ainda vive no meio rural, tendo como vítimas principais os camponeses e indígenas. Esse processo de chegada da soja teve início durante a ditadura e se acentuou com a crescente chegada de empresas brasileiras nas últimas décadas.

"O latifundiário brasileiro vai para o Paraguai para deter alqueires e alqueires de soja, para plantar monocultura, encher o solo de agrotóxicos, enquanto isso os paraguaios, gente da terra, que fala guarani, luta por terrenos de dois a dez hectares e ainda são chamados de invasores dentro de seu próprio país", aponta Latuff.

Essa realidade dos conflitos agrários e os processos de lutas na América Latina estiveram em pauta na segunda parte da 'prosa' do Sítio Coletivo com Latuff, assim como sua experiência em assentamentos no distrito de Migua Guazú, no departamento de Alto Paraná (PY).

[Sítio] Esquerda na América Latina
[Latuff] Acho que o Brasil está passando à margem desse processo. Se formos comparar o [ex-presidente] Lula com o Evo Morales [Bolívia] ou Hugo Chávez [Venezuela] passa à margem, em que pese nem o Evo ou o Chávez sejam os "Che Guevaras da Bolívia e Venezuela", mas eles ainda foram governos mais radicais que o Lula no Brasil. Eu vejo com bons olhos o que está acontecendo, a América Latina passou muito tempo nas mãos de ditaduras fascistas bancadas por Washington, mas acho que o Brasil está à margem desse contexto, não consigo ver aqui a relação que o Chávez construiu lá. Por exemplo, a mídia por aqui demoniza o Chávez 24 horas por dia, porque será? Nem a mídia da Venezuela faz isso por lá, então porque será que o Chávez é o escolhido? Porque o Chávez fez algo que o Lula jamais teria coragem de fazer, ele mexeu com as concessões dos meios de comunicação, quando venceu a concessão da RCTV, ele não renovou e a "grita" maior foi no Brasil, dizendo que era "censura" (sic). Chávez abriu espaço para discussões importantes que aqui não consigo ver. O Evo da mesma forma, os dois abriram espaço para uma radicalização dos movimentos sociais e aqui foi uma conciliação, o movimento social foi engessado. O movimento que estava se radicalizando depois dos dois mandatos do FHC [Fernando Henrique Cardoso] acabou se apaziguando pelo regime do governo Lula.

Papel do Brasil
O Brasil, enfim, parece que está deixando de virar as costas para a América Latina - é ótimo ver a participação de tantos países do continente aqui [Encontro de Blogueiros] - o Brasil nunca se enxergou como tal, nosso referencial são os Estados Unidos e Europa, não é a América Latina. Quando o brasileiro fala do boliviano, do paraguaio, do equatoriano, ele torce o nariz, nossa referência sempre foi o norte. Um exemplo que fica claro, é como os países que sofreram ditaduras enxergaram a anistia aos militares no continente, na Argentina por exemplo, agora também no Uruguai. Enquanto isso no Brasil está sendo um custo para sair uma "comissão da meia-verdade", foi um custo para sair isso. Quando se fala em fazer justiça às vítimas da ditadura, a imprensa e os militares falam de revanchismo, falam em apurar crimes dos dois lados e a mídia alimenta esse discurso cretino de revanchismo, que tem que apurar os dois lados. Como se pegar em armas para libertar seu país de uma ditadura implantada por Washington fosse crime. Infelizmente estamos passando à margem dessas transformações que estão acontecendo na América Latina.

Visita ao Paraguai
Tirei um dia para visitar assentamentos dos sem-terra paraguaios, já tinha ouvido falar da situação agrária do Paraguai e queria ver de perto. Tenho um amigo que é militante do movimento em Foz e fomos junto com outro militante do PC [Partido Comunista] do Paraguai. Atravessamos a fronteira e fomos para o interior num lugar chamado Mingua Guazú, lá tem dois assentamentos, o 'Los Comunales' e 'Primavera'. A realidade lá, como vocês devem bem saber, desse território, dessas terras, elas foram todas entregues aos latifundiários de bandeja pelo regime da ditadura de [Alfredo] Stroessner, para seus amigos, deixando os ricos mais ricos. Quando caiu a ditadura veio o regime controlado pelo pastorado, que ficou um tempão e também não resolveu porr@ nenhuma, nem tocou na questão agrária. Com o atual governo foi possível que esses movimentos se organizassem e o que eles estão fazendo agora é um processo de retomada das terras que foram ilegitimamente doadas, um resgate. Você vê um brasileiro latifundiário indo para o Paraguai para deter alqueires e alqueires de soja, para plantar monocultura, encher o solo de agrotóxicos, enquanto esses paraguaios que são gente da terra, que falam guarani, lutam por um terreno de dois a dez hectares e ainda são chamados de invasores dentro de seu próprio país. Então eu tive a oportunidade de conhecer essa realidade.

Latifúndio 
A situação é muito séria e é aqui do lado. Os sem-terra brasileiros e paraguaios têm o mesmo problema: o latifundiário que já é uma praga no Brasil agora está virando praga no Paraguai. É por essas coisas que o paraguaio detesta o brasileiro, ele tem todo motivo para isso. Fomos "achacados" pela polícia lá, deixei "vintão" para um policial chamado Escobar na estrada, passou de carro e a placa é do Brasil, eles param para tomar dinheiro e eu não posso culpar os caras. Sempre fomos inimigos do Paraguai... [Sítio: Desde de Duque de Caxias...] Isso, a gente já fodeu o Paraguai na guerra e agora com os latifundiários. O que a gente cometeu no Paraguai foi genocídio e hoje continuamos explorando esse pessoal, continua uma política imperialista para com o Paraguai. Em que pese o Brasil compra a energia três vezes mais do que o valor e é uma forma de compensação, mas isso é o mínimo. A economia e a política do Paraguai estão quebradas em função dessa influência maligna que o Brasil exerce sobre o Paraguai. Por isso citei aqui na minha fala no evento que era importante que os blogueiros brasileiros pudessem atravessar a fronteira e conhecer essa realidade, denunciar sobre essa realidade, porque a grande imprensa não vai fazer, o blogueiro tem que servir como imprensa alternativa.

Blogosfera
O forte do blogueiro é a independência, temos que lutar todo santo dia para manter isso, para não acabarmos se tornando correia de transmissão de políticas de governos, do senso comum. Os blogues têm que ser justamente o contrário, promover a visão que não é a dos meios de comunicação tradicionais. Blogueiro bom é blogueiro independente. Veja por exemplo o evento aqui em Foz, em que pese que a organização do evento tenha sido bacana, toda a organização se preocupou em prover de conforto os participantes, mas eu não sei por que um evento desse precisa ser patrocinado pela Itaipu, sou contrário a essa presença grande governamental. Mas voltando ao papel da blogosfera, ela é importante, mas precisamos entender que revolução não se faz no twitter, quem faz transformação são as pessoas. 

Relação com as autoridades
Já passei por delegacias três vezes por causa de charges que eu assino contra a violência e corrupção policial. Sempre lembro que o tráfico, a criminalidade, o chamado crime organizado só consegue existir graças a sua relação com o Estado, graças à corrupção. Agora devido aos Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo no Brasil, a polícia deve me visitar pela quarta vez, já que vou obviamente desenhar sobre esses temas. E aí obviamente a repressão virá, como já está vindo em relação às favelas que estão sendo removidas no Rio de Janeiro por conta de obras para a Copa e as Olimpíadas.


 Parte do trabalho de Latuff é disponibilizado pelo cartunista em seu perfil no twitpic

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O "artevismo" de Carlos Latuff - parte I


A 'prosa' começou com um gosto em comum, a banda The Clash, motivada pela camiseta usada na ocasião. A partir daí iniciei meu bate-papo com Carlos Latuff, 42 anos e duas décadas dedicadas aos desenhos. Com seus traços, o carioca sintetiza e captura ideários políticos, unindo arte e ativismo, mostrando que o artista não está apartado do processo político-social. 

Mesmo que suas charges não estampem grandes 'jornalões' do mainstream midiático, Latuff é um dos maiores cartunistas do Brasil na atualidade. Situação rara por aqui. "O senso comum é que cartunista é o cara que trabalha para grande imprensa fazendo piada, sendo engraçadinho (sic)", explica.

Seus desenhos foram parar em cartazes, camisetas e pôsteres de manifestantes durante a Primavera Árabe. Suas charges chamaram tanta atenção na Tunísia e no Egito, que os rebeldes da Líbia passaram a pedir seus desenhos nos acontecimentos que sucederam a queda de Muamar Kadafi. Esses e outros momentos - como seu envolvimento com os zapatistas do México e com a Causa Palestina - marcam o trabalho de Latuff.

“A charge tem poder de sintetizar um tratado, capturar a essência da mensagem, ela consegue se comunicar com gente de outras línguas, religiões, culturas diferentes através da imagem”, diz o cartunista que iniciou seu trabalho na imprensa sindical, onde segue atuando.

Latuff esteve recentemente em Foz do Iguaçu no I Encontro Mundial de Blogueiros e falou ao Sítio Coletivo. A conversa foi longa e precisou ser dividida em duas partes. Acompanhe a primeira parte dessa 'prosa'. 

[Sítio] 'Artevismo'
[Latuff] Antes de eu ter consciência política e social, eu era um artista que sabia desenhar. Depois a ficha caiu para o fato que o artista não vive isolado na sociedade, não está acima das ideologias, das necessidades, ele é um cidadão comum. Acontece que por ele ter uma aptidão, uma habilidade, ele acaba se destacando. Por conta disso, acho importante que o artista coloque seu trabalho a serviço da transformação, das causas sociais. Ele deveria - não vou dizer que tem pois é impositivo - entender que seu trabalho não está apartado do processo social e político. Não precisa ser um artista militante 24 horas, cito o que Botero faz [Fernando Botero, artista plástico colombiano], você pode dedicar parte do seu trabalho para instigar e promover reflexão, não fazer somente arte para decorar parede. Botero é um cara de galeria, da pintura, conhecido, badalado, mas que faz trabalhos relevantes sobre a Colômbia, sobre a violência, sobre Abu Ghraib, sobre Guantánamo.

Imprensa sindical
Ainda atuo na imprensa sindical, é meu ganho pão e tenho orgulho de trabalhar com a imprensa sindical. O problema da imprensa sindical é que ela não se entende como imprensa que vai disputar hegemonia, ela é muito voltada para sua classe. Existem algumas experiências, eu trabalho para uma revista chamada Ideias em Revista, do Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Rio de Janeiro, que trata de vários temas, não só da categoria. Grande parte do setor é dedicado quase que exclusivamente a temas das categorias. A imprensa sindical é grande, me refiro a imprensa sindical de esquerda, não a sindical 'pelega'. Tem grande amplitude e poderia fazer contraponto com a grande imprensa, disputar hegemonia, como diz o Vito Gianotti. Está faltando isso nela, fazer disputa.

Zapatismo e Palestina
Meu primeiro contato com os zapatistas foi interessante, foi no final dos anos 90, era um momento que eu já tinha sete ou oito anos de imprensa sindical, mas só que naquela época minha atuação na imprensa sindical era profissional, não tinha envolvimento ideológico com as causas. Esse contato com a imprensa sindical foi criando um acúmulo e a ficha caiu realmente quando eu tive contato com os zapatistas. Comecei fazendo arte para grupos de solidariedade à causa na internet, percebi que a arte não é como trocar lâmpada, você pode fazer arte fazendo diferença. Os zapatistas abriram meus olhos para uma arte a serviço de uma causa justa. A partir desse primeiro trabalho com o zapatismo eu pude fazer o trabalho com os palestinos, que culminou com minha visita a Palestina. Depois de ver aquela realidade dura, não tinha outra coisa a fazer do que voltar ao Brasil e me tornar um apoiador da causa.

Ser cartunista no Brasil
Quando se fala em artista o que as pessoas pensam? Celebridade, o sujeito que faz novela, esse é o artista. O cara pensa: "ah, ele faz charges, é para Folha (sic)...". A grande imprensa construiu um senso comum de que cartunista é quem trabalha para grande jornal, o artista é que o aparece na televisão, que faz novela. Esses conceitos artificiais são criados cuidadosamente. Temos um encontro de cartunistas e dificilmente eu sou chamado porque para eles eu não sou cartunista, eu sou outra coisa. Uma vez eu estava num debate com o Chico Caruso e o Jaguar, e o Chico falou: "O Latuff não é cartunista, é um ativista". Dentro desse censo comum são duas coisas incompatíveis. Achei interessante ele dizer aquilo, pois representa a essência do pensamento majoritário. Cartunista é o cara que trabalha para grande imprensa para fazer piada, para ser engraçadinho. Se ele tem um viés ideológico mais marcado, se ele decide apoiar causas populares, se defende os sem-terra, os sem-tetos, se é contra violência policial, se defende Palestina, ele é um propagandista, um ativista, um militante, um radical, mas nunca um artista.

Primavera Árabe
Os egípcios conheciam meu trabalho sobre a Palestina e viram charges sobre a Tunísia. Dois dias antes dos protestos começarem, no dia 25 de janeiro, me acionaram pelo meu twitter (@CarlosLatuff) me pedindo charges sobre os protestos que ainda estavam sendo planejados. Fiz cinco charges, mas fiquei preocupado, pois pensei: "o regime do Mubarak é muito mais organizado e brutal do que da Tunísia, pois o Egito iria ter um papel fundamental na região, então pensei esse pessoal vai ser esmagado". Começaram os protestos e vi fotos de agências internacionais e dos próprios egípcios segurando minhas charges. Aquilo me deu convicção que o trabalho que eu estava fazendo era relevante para aquele povo, isso para mim é a maior conquista, que não produzo peça de coleção, artigo de luxo para ser vendido ou leiloado. É uma arte viva, arte que serve às pessoas. Não é aquela charge que você vê um dia no jornal e no outro dia na lata de lixo. A partir do momento que alguém imprime, quando outro veículo usa, quando alguém salva, há o esforço para trazer aquele desenho da internet para a vida real. Você investiu um sentimento ali, você não levanta uma charge do Mubarak levando uma sapatada no Cairo por nada, mas sim porque aquilo era a voz dele também, era a expressão que ele sentia, me orgulho muito em saber que fiz algo para expressar a voz de um povo diferente.

Occupy Wall Street
Todo movimento que questione o establishment, que pretenda quebrar paradigmas, quebrar rupturas é bacana, mas esses Occupys não são movimentos de massa, diferente do que ocorreu no Egito, com dois milhões de pessoas nas ruas. Lá tínhamos uma ditadura clássica, tosca, sem verniz algum, esse tipo de regime suscita naturalmente as pessoas à indignação, tem um acúmulo e uma hora estoura, as pessoas não aguentam. Quando se tem uma falsa democracia é muito mais fácil de controlar as pessoas, você tem uma sensação de democracia. Por exemplo, você chega na Era Mubarak e diz claramente "isso é uma ditadura" e ninguém diz o contrário, pois você tem as provas. Mas você não tem como dizer que os EUA é uma ditadura, mesmo que seja, mesmo que tenha momentos de censura, repressão, ação da polícia, assim com não podemos dizer que o Brasil é uma ditadura objetiva, mesma coisa no Chile, você não pode dizer que o sistema do Piñera é a mesma coisa da ditadura do Pinochet, quando você consegue mascarar um regime autoritário em democracia as pessoas não sentem que estão sendo oprimidas e elas não reagem, existem dissidências como é no caso do Occupy Wall Street. Se fosse um movimento de massa eles tomavam aquilo lá, eles entravam no prédio. Enquanto a polícia conseguir reprimir é porque não é um movimento grande, no momento em que a polícia não conseguir reprimir você tem um movimento de massa, não dá mais e tem que mandar o exército, assim como no Egito. Nos EUA isso está longe de acontecer, se acontecer não será tão cedo. O movimento de massa que realmente assustou o sistema por lá foram os levantes de Los Angeles [1991], quando a polícia espancou aquele motorista negro [Rodney King], foi tudo filmado e a justiça soltou os policiais, então houve o levante em Los Angeles, que deu até o nome de um disco do Rage Against The Machine chamado The Battle of LA. Lá a polícia não segurou, eles mandaram a guarda nacional, mas mesmo assim foi retomado o controle depois. O Occupy ainda é um movimento de pessoas esclarecidas e a grande massa ainda não é esclarecida. 

Manifestante levanta charge em Cairo, no Egito

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Cascavel na luta pelos 10% do PIB para educação pública

Desde o dia 24 de agosto quando mais de 20 mil pessoas se reuniram em Brasília em uma marcha em defesa da educação, a luta pelos "10% do PIB na Educação Pública Já!" vem ganhando força. Nessa manifestação - organizada por movimentos sociais, centrais sindicais, partidos e coletivos de esquerda - foi lançada a campanha e também os trabalhos para a organização de um plebiscito nacional.

Em Cascavel, a campanha também ganhará um comitê municipal. O ato de lançamento está agendado para o dia 10 (quinta-feira), a partir das 19h30, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). O movimento está buscando a viabilização de urnas fixas e itinerantes a serem distribuídas em locais que serão definidos pela organização aos interessados em participar do plebiscito.  

O debate é uma pauta antiga dos trabalhadores do ensino básico e do ensino superior, vem desde o fim da década de 1990 quando foi realizado o Congresso Nacional de Educação e, por meio de pressão popular, o Governo Fernando Henrique Cardoso teria que incluir em 2001, no Plano Nacional de Educação (PNE), o repasse de 7% do PIB para educação. Na ocasião, FHC vetou o dispositivo e manteve o investimento em torno de 4%, investimento esse que aumentou muito pouco com os governos do PT, ficando em cerca 5,3%, segundo dados da Unesco.

Segundo a campanha, "investir desde já 10% do PIB na educação implicaria num aumento dos gastos do governo na área em torno de 140 bilhões de reais. O Tribunal de Contas da União (TCU) informou que só no ano passado o governo repassou a grupos empresariais 144 bilhões na forma de isenções e incentivos fiscais, além de mais de 40 bilhões estarem prometidos para a Copa e Olimpíadas".

Esses repasses a setores privados refletem bem a situação precária da educação brasileira, cada vez mais presa à lógica mercantil – um movimento universal que busca precarizar as universidades por meio de privatizações ou por meio de auxilio de ONGs e entidades sem fins lucrativos que acabam mascarando a real necessidade de luta pela educação pública de qualidade.

Disparidade

No mês de novembro, movimentos da educação devem aumentar a pressão sobre o atual governo que, até o momento, parece não ter disposição em aumentar os gastos com a educação, visto as medidas de "austeridade" que promoveram cortes de R$ 50 bilhões em gastos sociais, sendo R$ 3,5 bilhões referentes a educação.

Paralelo a isso vemos a farra dos juros da dívida. O orçamento geral da União em 2010 foi R$ 1,4 trilhão de reais, desse montante R$ 635 bilhões, o que representa cerca de 45% do total, foi destinado a pagamento de juros e amortização das dívidas interna e externa. Já a educação recebeu somente 2,89% do valor total.

Mobilizações

Nos últimos meses, grandes mobilizações aconteceram no setor da educação, seja em ocupações de reitorias ou em greves realizadas por técnicos administrativos e docentes. Durante 120 dias, técnicos-administrativos permaneceram em greve em 49 universidades federais. As principais pautas foram para o reajuste do piso da categoria e abertura imediata de concursos para substituir funcionários terceirizados.

São todos exemplos importantes nesse momento em que se intensifica a luta de classes, se intensificam ataques aos movimentos sociais, onde vozes reacionárias "ufanizam" por escolas públicas e universidades como mini-presídios. A campanha pelos "10% do PIB para a Educação Pública Já" é também uma oportunidade de reafirmação de luta e da pressão popular pelo direito democrático do povo brasileiro de exigir uma educação pública de qualidade como compromisso de Estado.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Paulo Bernardo, por que te callas?

"Tudo depende se o governo quer bancar o custo político ou não...". Essa frase solta que inicia a postagem foi uma das que mais me chamou a atenção durante o I Encontro Mundial de Blogueiros Progressistas, realizado em Foz do Iguaçu. Ela é fragmento da fala de Jesse Chacón, ex-ministro das Comunicações da Venezuela, ao falar sobre a elaboração de um marco regulatório para o setor. O venezuelano expôs que há vários tipos de regulação, mas sempre haverá um custo, já que são reformas que atingem "grandes interesses".

 Dentre as mais de 20 intervenções de jornalistas, blogueiros e ciberativistas convidados para as mesas de debates, as que grande parte dos presentes aguardava com maior expectativa eram as que compunham o debate de encerramento com o tema: "A luta pela liberdade de expressão e pela democratização da comunicação". 

O motivo – além da presença de autoridades expondo experiências de regulações em seus respectivos países – era para a intervenção de Paulo Bernardo, ministro das Comunicações do Brasil. Infelizmente, o petista não atendeu ao convite, alegando ter problemas de "agenda"; agenda essa que também parece ter impedido o ministério de enviar outro representante ao #BlogMundoFoz. Uma pena, pois o MiniCom teria muito a aprender com o debate.

A discussão prometia ser quente, já que há pouco mais de 10 dias o ministro recebeu das entidades do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação uma plataforma construída com a participação da sociedade. A expectativa dos blogueiros era para maiores esclarecimentos de Bernardo, já que ele vem afirmando que o marco regulatório ainda não foi implantado porque "ele não teria recebido a proposta pronta da equipe do governo do ex-presidente Lula, coordenada pelo jornalista e ex-ministro Franklin Martins". 

Não é de hoje que Bernardo coloca empecilhos para implantação do "prometido" marco regulatório. A demora em colocar em prática a regulação talvez explique o "rasgar de seda" ao "pragmático" Bernardo por parte da imprensa tradicional - diretamente afetada com uma eventual regulação - diferente de outros titulares de pastas, constantemente na berlinda da velha mídia. 

Democratização

Apesar da ausência de Bernardo, os blogueiros puderam ouvir Chacón dar detalhes sobre a reforma de duas leis ligadas ao setor de mídia e telecomunicações na Venezuela - a Lei Orgânica das Telecomunicações e a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão (Resorte) - que incluíram novas regras para conteúdos publicados na internet e para a concessão de emissoras de rádio e TV no país. 

No mesmo debate, Damian Loreti, professor universitário, falou da implantação da "Ley de Medios" na Argentina, promulgada no dia 10 de outubro de 2009. A nova legislação – que provocou a ira de setores midiáticos que mantinham monopólios (vide Clarin) – representou um avanço significativo para uma real democracia da comunicação no país vizinho.

O empresariado da grande mídia argentina - acostumado a lucrar com comunicação por meio da alienação e que ainda entende regular como "censurar" - foi afetado especialmente no que diz respeito aos serviços de concessões. Loreti expôs que atualmente cada empresa pode ter até 25 sinais de licença (concessões) e esse número se reduzirá a 10 com a nova lei. 

Tendo como principais características buscar pôr fim aos monopólios e oligopólios midiáticos, a Ley de Medios  não regula conteúdos como se tentou vender a ideia, que também foi comprada pela imprensa brasileira, basta avaliarmos noticiários de canais como GloboNews e editoriais de jornais como Folha de São Paulo e Estadão, que trataram do tema por aqui.

Com a lei, o governo argentino irá conceder 220 licenças de serviço audiovisual, das quais serão divididas pela metade entre entidades sem fins lucrativos e emissoras comerciais. Um mesmo concessionário não poderá dar serviços para mais de 35% da população do país e um canal aberto não poderá ser dono de uma empresa de TV a cabo, assim como as empresas telefônicas também não.

Para conter empresas internacionais, a sociedade comercial deverá ter um capital de origem nacional, podendo ter no máximo 30% de capital estrangeiro. Porém o mais interessante é a participação do povo nesse processo - tanto para aprovação da lei por meio dos movimentos sociais tomando às ruas - quanto na fiscalização e futura aplicação da lei por meio do Conselho Federal de Comunicação

Objetivo comum? 

Enfim, o debate foi enriquecedor e a ausência de Paulo Bernardo suscita análises. Devemos lembrar o recente Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) que colocou o marco regulatório como "um desafio do momento", tratando o tema como "relevante e objetivo comum" tanto da legenda quanto dos movimentos sociais. Na Carta do PT, os partidários apontam como "urgente abrir o debate no Congresso Nacional sobre o marco regulador da comunicação social – ordenamento jurídico que amplie as possibilidades de livre expressão de pensamento e assegure o amplo acesso da população a todos os meios – sobretudo os mais modernos como a internet", diz trecho.

Bernardo perdeu a oportunidade de mostrar aos blogueiros presentes - especialmente os independentes - que o marco regulatório é realmente, como diz a Carta do PT, um "objetivo comum" junto aos movimentos que estão levantando a bandeira da democratização da comunicação. O petista teria muito a ganhar - e porque não - a acrescentar no debate com Chacón, Loreti e a ministra das Comunicações do Peru, Blanca Josales.

O ministro - que já vem sendo questionado pela submissão do Governo Federal às telefônicas (as chamadas Teles) em relação ao Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) - poderia ganhar uns pontinhos perdidos ao esclarecer o porquê o projeto "rascunhado" por Franklin Martins ainda não veio à público. Além disso daria uma resposta se o Estado Brasileiro - a exemplo da Argentina, Uruguai, Colômbia, México e Guatemala - está realmente disposto a bancar esse "custo" do enfrentamento com os grandes grupos que controlam e manipulam a mídia do país, famílias que são contadas nos dedos de uma única mão.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Por uma rede de contraponto e pensamento crítico

Hrafnson (Wikileaks) e Ramonet (Le Monde)
Com seus sítios literalmente em mãos – em virtude do advento das novas tecnologias – e uma infinidade de ideias nas cabeças, centenas de blogueiros mostraram que o fortalecimento das mídias sociais e da imprensa alternativa vem se legitimando na sociedade. Durante os dias 27, 28 e 29 de outubro, Foz do Iguaçu se uniu à luta pela democratização da informação e, principalmente, pela liberdade de expressão.

A tríplice fronteira ficou ainda mais diversificada com a realização do I Encontro Mundial de Blogueiros Progressistas, organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e a Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom). 

Do evento resultou uma carta aprovada pelos mais de 650 inscritos, de 17 estados brasileiros e 23 países do mundo. Documento que afirmou como prioridade a luta pela democratização da informação, a urgência do Marco Regulatório da Comunicação, contra a judicialização da censura na internet e por um Plano Nacional de Banda Larga que garanta internet de alta velocidade a todos os brasileiros.

Parafrasendo Glauber, blogs nas mãos e ideias "democratizantes" na cabeça na busca de furar o cerco da grande mídia que novamente provou a quais interesses atende e quais (não) são suas prioridades. A imprensa corporativa das amarras comerciais praticamente fechou os olhos para o encontro mundial - fazendo uma cobertura pífia - como que se o que estivesse acontecendo na fronteira não passasse de um desses vários congressos que a mídia adora pautar para preencher grades de programação ou boletins de ocorrências tão massificados pela imprensa tradicional.

O boicote da velha mídia era já esperado, visto que o advento das novas mídias e da blogosfera tem causado pânico em determinados setores jornalísticos, arredios a defrontação de opiniões, ao contraponto daquilo que costuma vender como "verdade absoluta". O jornalista Leandro Fortes, da revista Carta Capital - com larga experiência em redações tradicionais - fez uma explicação genial sobre esse fenômeno em sua intervenção, uma verdadeira "aula" de jornalismo que deveria ser repercutida nos atuais cursos de comunicação social que costuma dizer - na condição de professor - "formam monstrinhos competitivos para o mercado e que estarão dispostos a tudo para conseguir emergir dentro de redações".

Querendo conter cada vez mais esse instigante debate sobre democratização dos meios de comunicação, sobre uma informação plural, a imprensa tradicional calou-se diante da vinda de nomes como o jornalista e semiólogo Ignácio Ramonet, criador do Le Monde e um dos maiores estudiosos da comunicação da atualidade, nomes como Osvaldo Leon, editor da Agência Latinoamericana de Informação (Alai), o jornalista e porta-voz do Wikileaks Kristinn Hrafnsson, Martin Granovksi, editor do jornal argentino Página 12, o espanhol Pascual Serrano, editor do sítio Rebelion, entre outros.  

Divergências

Como deve acontecer em espaços que buscam a liberdade de expressão, também não faltou divergências de opiniões e críticas – tanto para a falta de independência de boa parte da blogosfera (ainda ligada a partidos políticos e governos) quanto para o papel que ela vem desempenhando nesse processo de construção de cidadania. Algumas verdades que parecem "inconvenientes" para parte da blogosfera, como apontou o 'ácido' cartunista e ativista Carlos Latuff.

Ramonet foi pontual ao pregar: "ser blogueiro não significa ser necessariamente um rebelde", apontando que existem blogueiros que apenas repercutem as opiniões da mídia tradicional, ou por vezes, potencializam visões ainda mais conservadoras. Afinal, como alertou o cubano Iroel Sánchez, do sítio CubaDebate: "a web por si só não significa democracia".

A blogosfera – assim como as redes sociais – vive um cenário de luzes e sombras, pois ainda não tem a capacidade de atingir a comunicação de massa e constantemente – para não dizer na maioria das vezes – é utilizada apenas para entretenimento, para alimentação da vaidade pessoal de cada um ou numa tentativa de escapar da solidão

"Rigor e verdade"

Para Pascual Serrano é preciso "rigor e verdade" nos valores da blogosfera. É preciso denunciar o modelo de oligopólio que predomina no setor da comunicação mundial e que se invista numa geração de jornalistas como valores humanos, pois disseminar intolerância, preconceito e juízo de valores, os "formadores de opinião" da velha mídia já fazem muito bem. 

Essa consciência coletiva está se criando na rede e a realização de um primeiro Encontro Mundial de Blogueiros pode ter sido o estopim para o despestar de inquietações e "revoltas democratizantes", pois as lutas encampadas na blogosfera devem ganhar às ruas, pois se faz necessário o mundo real para que elas se concretizem.  

A internet precisa deixar de ser uma rede de consumo para passar ao patamar de rede de produção de conhecimento. O Sítio Coletivo - que apoia esse movimento de blogueiros independentes, de pensamento crítico, que agem nesse contraponto de opiniões - teve o prazer de participar do evento, de acompanhar os debates e trocar experiências. Ao longo das próximas postagens estarei compartilhando aos "sitiantes" outras impressões do #BlogMundoFoz.