quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Criado Comitê da Memória, Verdade e Justiça do Oeste do PR

Entidades reuniram-se na Unioeste, em Cascavel
Trazer à luz um período triste e cruel que muitos desconhecem. Com esse objetivo, entidades representativas reuniram-se nesta quarta-feira (04/12) no campus de Cascavel da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) para constituição do Comitê da Memória, Justiça e Verdade do Oeste do Paraná. A ideia é fazer um trabalho de apuração de crimes e violações de direitos humanos durante a ditadura militar, entre os anos de 1964 a 1985, por meio de pesquisas e coleta de dados, audiências públicas e entrevistas com pessoas que vivenciaram esta época e familiares daqueles que foram atingidos pela violência e repressão nos anos de chumbo no país. 

O Comitê do Oeste irá auxiliar os trabalhos da Comissão Estadual da Verdade do Paraná (CEV) e da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. Em Cascavel, a idealização partiu da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Subseção de Cascavel, em conjunto com professores e pesquisadores da Unioeste.

O advogado Yves Consentino Cordeiro, único representante do interior entre os sete membros da Comissão Estadual, explica que apesar de outro contexto, anos que se passaram, a memória segue viva em muitas famílias que sofreram com a repressão em nossa região.  "Isso não aconteceu somente no Oeste, mas também no Sudoeste, em municípios como Capanema, Santo Antônio do Sudoeste, onde houve uma resistência maior aos golpistas", diz o advogado, que foi preso várias vezes quando estudante em Curitiba. 

Presos políticos

O historiador Aluizio Palmar, do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) de Foz do Iguaçu, explicou como estão sendo desenvolvidos os trabalhos da Rede Brasil Memória, Verdade e Justiça, que agrega comitês locais e regionais que realizam pesquisas sobre o período.  "Nossa região foi palco de violações de toda natureza, chacinas, torturas, violações sindicais". 

No mês de junho, uma audiência pública da Comissão Estadual da Verdade do Paraná (CEV), ouviu nove ex-presos políticos: Adão Luiz Almeida, Ana Beatriz Fortes, Rodolfo Mongelos Leguizamon, Lilian Ruggia, Luiz Alberto Fávero, Isabel Fávero, Gilberto Giovannetti, Jair Kischeke e o próprio Palmar. Também foram onvocados para depor, Otávio Rainolfo da Silva, ex-soldado do Exército Brasileiro, e Mario Espedito Ostrovski, ex-tenente do Batalhão de Fronteira de Foz do Iguaçu, porém estes não compareceram.

Palmar informou que na região Sul do país há cinco comitês no Rio Grande do Sul (dois em Porto Alegre e os demais em Pelotas, Santa Maria e Passo Fundo), dois em Santa Catarina (Florianópolis e Criciúma) e no Paraná, além do CDHMP, há o Fórum Paranaense em Curitiba e um comitê sendo constituído em Maringá.

Audiência em Cascavel

Além da constituição do Comitê da região Oeste, as entidades iniciaram encaminhamentos acerca da realização de uma audiência pública da Comissão Estadual na cidade de Cascavel, que será realizada em março de 2014, no campus de Cascavel da Unioeste.

“Esta foi uma região muito violenta, do campo às cidades. Área de segurança nacional, foi espaço em que reinaram absolutos os militares golpistas nomeados como prefeitos e mandatários da Itaipu. Terra também de dedo duros, assassinos e troca entre presos políticos do Brasil, Argentina e Paraguai”, comenta o historiador e professor da Unioeste, Alexandre Fiuza.

A primeira reunião do grupo reuniu representantes da OAB, Unioeste, Adunioeste, Câmara Municipal de Cascavel, Instituto Mario Alves, Levante Popular da Juventude, Movimento em Defesa dos Povos Indígenas do Oeste do Paraná, Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido dos Trabalhadores (PT), Pastoral da Juventude (PJ), Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor-PR), Universidade Latino Americana (Unila), União da Juventude Socialista (UJS). A intenção dos organizadores é agregar outras entidades que tenham o interesse em participar dos trabalhos.  

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

MARIGHELLA: O "DIABO" CONSTITUINTE

Marighella em conversa com Nereu Ramos (Acervo Constituinte)
Nesta semana o nascimento de Carlos Marighella completa 102 anos e diante de tantas bobagens proferidas por aqueles que buscam a todo instante deslegitimar, desqualificar ou criminalizar a atuação de um dos maiores militantes da esquerda nacional, faço aqui algumas considerações com o entusiasmo de quem está lendo a biografia escrita pelo jornalista Mario Magalhães, intitulada: 'Marighella: O Guerrilheiro incendiou o mundo'.

Vale a pena citar parte da história que muitos desconhecem sobre Marighella, que ganhou notoriedade na luta armada contra a ditadura militar por meio da Ação Libertadora Nacional (ANL), mas que também teve atuação destacada na condição de "revolucionário legal" nos debates da elaboração de nossa Carta Magna, então em gestação.

Eleito deputado federal pelo Partido Comunista da Bahia, Marighella teve atuação destacada entre os 328 constituintes. Participou de uma bancada com outros 13 comunistas, que tinha como líder Mauricio Grabóis e nomes de peso como Gregório Bezerra, João Amazonas, Claudino José Rodrigues (o único parlamentar negro) e o romancista Jorge Amado, eleito pelo estado de São Paulo. Todos devidamente acomodados no flanco esquerdo do plenário.

Comícios e discursos inflamados e no viés da luta de classes, pela defesa da democracia e contra os remanescentes do fascismo, marcaram a atuação parlamentar de Carlos Marighella. Posicionamentos solidários à grevistas, portuários e a classe trabalhadora, participação significativa na tentativa de "emendar" a Constituinte, com questões a frente do seu tempo como a laicidade da legislação, por meio de emendas como a do "ensino leigo nos estabelecimentos públicos e livre exercício de cultos religiosos".

Batalhou pela extinção do Senado e do cargo de vice-presidente, sob a justificativa de "inutilidade". Empenhou-se pela transformação dos serviços de tabelião e escrivão em cargos de carreira, pelo parlamentarismo e pela redução de mandatos de quatro para dois anos no caso de deputados federais e pela distribuição de terras.  

De fevereiro de 1946 a dezembro do ano seguinte, interveio 195 vezes no plenário, fez 47 apartes, 39 discursos e 17 requerimentos. Das 175 emendas apresentadas pelos comunistas, respondeu por 21, ignorando discursos e emendas produzidas por outros companheiros.

Travou embates com udenistas históricos, como Juracy Magalhães, ex-interventor da Bahia e seu perseguidor na década de 30, discussões com o líder da maioria Nereu Ramos e grandes duelos verbais com Diógenes Arruda, que bradava que o "diabo era comunista".  Se a política é o prolongamento da guerra por outros meios, Marighella acumulava trincheiras para lutar.

sábado, 30 de novembro de 2013

Movimento indígena entrega carta a Gleisi Hoffmann



Ilson entrega documento a ministra

Com apoio do movimento estudantil, professores e simpatizantes, indígenas de Guaíra promoveram neste sábado (30/11) uma manifestação na cidade de Marechal Cândido Rondon, no Oeste do Paraná, oportunidade em que autoridades do Governo Federal fizeram o lançamento oficial do CAR (Cadastro Ambiental Rural) a produtores rurais. Durante o ato, a ministra chefe da Casa Civil Gleisi Hoffmann (PT) recebeu um documento denunciando os crimes contra as comunidades tradicionais, a disseminação de uma campanha de ódio e intolerância contra os indígenas e alertando para a necessidade da retomada de estudos e demarcações das terras indígenas na região.


Apesar do grande aparato policial para acompanhar os manifestantes, o ato transcorreu de forma tranquila, com os Guarani entoando palavra de ordem e exibindo cartazes e faixas pedindo a retomada imediata dos estudos por de GTs (Grupos de Trabalhos) e demarcações das terras tradicionais na Oeste do Estado.  
 

A carta a ministra foi entregue pelo cacique Ilson Soares, do Tehoka Y’hovy, aldeia no município de Guaíra. Em contato com o blog, Ilson disse que os indígenas esperam uma resposta imediata das autoridades na busca de uma solução pacífica para os conflitos. Ele aproveitou para agradecer a presença dos apoiadores da causa indígena. "Tivemos grande apoio do movimento estudantil, de professores, entregamos uma carta de repúdio que foi elaborada pelos estudantes com relação a suspenção dos processos de demarcação de terras e sobre a morte do nosso irmão Bernardino Dávolo".


Sobre a reação de Gleisi Hoffmann, o cacique ponderou: “Ela recebeu a carta, mas disse que questões judiciárias não seriam de sua competência”. A ministra garantiu aos Guarani que nas próximas semanas o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, estaria na região para tentativas de negociações. Vale lembrar que o Ministério da Justiça enviou ao Congresso Nacional uma minuta de portaria para reduzir os poderes da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) na demarcação de terras indígenas. Já Cardozo tem gavetas abarrotadas de processos de demarcação, que aguardam decisão há anos.


Na condição de ministro, não tem conseguido equacionar o pagamento de indenizações e as negociações junto a proprietários rurais e ao governo do Mato Grosso do Sul, principal foco atual de conflitos envolvendo a demarcação de terras indígenas e chegou a ordenar a invasão de aldeias de índios Munduruku, no Pará, pela Força Nacional de Segurança, que matou um índio e feriu outros.



"Pode ser que nosso ato não surta efeto, mas conseguimos mostrar que existimos e também conseguimos chamar a atenção das autoridades", concluiu o cacique Ilson, em relato ao Sítio Coletivo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Cascavelense formado em Cuba rebate presidente da AMC

Cláudio (a esquerda), militante do MST formado em Cuba
Reproduzo no blog um texto do camarada Cláudio Feltrin, cascavelense formado em Cuba pela ELAN (Escuela Latino Americana de Medicina), em resposta as declarações do ex-vereador e presidente da Associação Médica de Cascavel (AMC), Luiz Burgarelli, no programa Atualidades, apresentado por Olga Bongiovanni. Segue abaixo a íntegra da resposta.

"Tremenda falta de respeito desse Burgarelli em dizer que o médico cubano não tem farmacologia em sua graduação, faltou com a verdade, logo é um mentiroso. Grande falta de respeito não somente com a população de Cascavel, mas com todo o povo brasileiro, inclusive com o povo nordestino, se referindo que o cubano é mal preparado e deve ficar no sol do nordeste. Cascavel sim forma muitos profissionais médicos, mas com uma formação mercantilista, se dedicam a especialidades onde "LUCRAM" muito mais, poucos querem estar verdadeiramente atendendo as necessidades médicas do povo, onde o povo não é paciente, mas sim um cliente. O programa MAIS MÉDICOS não está aberto somente para estrangeiros, mas primeiramente as vagas são para médicos formados no Brasil, logo aos estrangeiros, porém a bolsa de 10 mil reais que o programa oferece, não cumpre com suas expectativas financeiras de nossos médicos formados no Brasil, e como atender as clínicas particulares, pois no programa é obrigatório o cumprimento de 40 horas semanais, mas acho que as 40 horas semanais não teriam muito problema, pois já estão acostumados a não cumprir com o horário e me desculpe Burgarelli que "Lei Branca" é essa, então a cidade paga três profissionais onde somente há lugar para duas pessoas? E isso não é ilegal quando ele ganha desde as sete da manha e só começa as 9 da manha? Coisa boa isso né, pois recebe dinheiro público e da clínica particular. Também quero aqui dizer que já está mais que provado que mais de 80% das consultas médicas são diagnosticadas e resolvidas com uma boa análise e um bom exame físico já na atenção primária e que menos de 10% necessitam de atenção especializadas na atenção terciária, logo ressonância magnética, tomografia computadorizada e vários outros exames de última geração são poucos utilizados quando realmente funciona a atenção primária. Diferente da opinião de Burgarelli, como se viu nas entrevistas, a população de Cascavel clama por mais médicos, e quando digo MAIS MÉDICOS, não digo somente em número, quantidade, mas sim em MAIS MÉDICOS CUBANOS, ou seja, QUALIDADE. Sou Claudio Feltrin, Brasileiro integrante do MOVIMENTO SEM TERRA formado em CUBA com muito Orgulho."

Confira o debate envolvendo o médico Luiz Burgarelli que discutiu o programa Mais Médicos e a saúde pública em Cascavel. http://www.youtube.com/watch?v=8OlRx5ZiYYs&feature=share

sábado, 9 de novembro de 2013

Militante relata missão de solidariedade na Palestina

Armelindo Rosa, o Beá, em seminário na Unioeste
Uma brigada de solidariedade da Via Campesina esteve no mês de outubro em uma missão na Palestina. Batizada de Ghassan Kanafani – em menção ao escritor palestino marxista e um dos líderes da Frente Popular Pela Libertação da Palestina assassinado em 1972 – a brigada foi composta por 12 militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas). Por lá, o grupo conheceu a realidade do país árabe, os efeitos da ocupação do território palestino e as experiências de agricultura e resistência popular.

Presente na missão de solidariedade, o militante Armelindo Rosa da Maia, o popular 'Beá', da coordenação do MST no Paraná, fez um relato da viagem em seminário recente realizado na Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), campus de Cascavel. Para o sem-terra, a passagem pelo país árabe foi um grande aprendizado que serviu para a militância fazer um paralelo da luta cotidiana dos movimentos sociais, uma nova leitura do significado da reforma agrária e para desmistificar uma série de informações massificadas pela grande mídia sobre o conflito histórico entre judeus e palestinos.

Beá iniciou seu relato com um contexto histórico do conflito, iniciado em 1948 quando a ONU (Organização das Nações Unidas) decretou a criação do estado de Israel em área da Palestina. Desde então, Israel realiza um processo de colonização do estado palestino, ocupando hoje mais de 80% de todo o território. "O que acontece naquele território é diferente de tudo que a gente já viu. É uma região historicamente ocupada e o que vemos na mídia é muita desinformação, as vezes tratam o conflito como algo religioso, mas o que está em jogo é que aquela é uma região estratégica para o capital", comenta.  

O militante falou sobre o constante estado de terror dos palestinos. "Imagine o que é viver sob o medo, sabendo que a qualquer momento o exército pode invadir sua casa, com cidadãos sendo presos muitas vezes a revelia e forma ilegal". Atualmente são mais de 5 mil presos políticos palestinos por resistirem à ocupação, além disso existem mais de 7 milhões de refugiados, que foram expulsos de suas terras desde a criação do Estado de Israel.

Muitos palestinos estão proibidos de sair do país e a construção de um muro desde 2003 isola e prende os palestinos, confiscando as terras férteis dos camponeses. As crianças também são alvo e vítimas de torturas físicas e psicológicas, como relata Beá. "O que nos chocou muito foi o número de crianças presas, ao todo são 188. Em nossa cultura não submete-se castigos e torturas à crianças. Por lá elas ficam presas e passam por isolamento de 30 a 40 dias, numa cela sozinha e o primeiro contato depois disso é com o torturador, então a criança sai de lá achando que o exercito são os melhores caras do mundo", conta o militante.  

O processo de colonização do território palestina passa pela construção dos chamadas 'assentamentos israelenses', já denunciados por diversas vezes por organizações internacionais por violarem os direitos dos palestinos. Os assentamentos desalojam os palestinos, destroem seus cultivos e propriedades e os submetem à violência. Para Beá, os assentamentos contrastam com a miséria dos palestinos. "Diferente daqui, onde lutamos pela constituição de nossos assentamentos, por lá a palavra assentamento representa o horror. São mansões construídas na Cisjordânia, locais murados com hectares de bananas plantadas em estufas sendo constantemente irrigadas com água que é desviada das áreas palestina".

Durante a viagem, a brigada traçou paralelos da luta dos movimentos sociais de luta pela terra com a resistência do povo palestino. "A viagem valeu para cair a ficha sobre algumas coisas, como o fato que nossa militância precisa entender de vez que a reforma agrária também passa pela defesa de nossos territórios tradicionais, das terras indígenas, quilombolas, faxinalenses, ribeirinhos. Quando olhamos a luta indígena no Brasil nos faz lembrar do povo palestino, que tiveram suas terras tomadas paulatinamente", destaca o coordenador do MST.   

Questionado sobre como é possível grupos armados resistirem dentro de um território pequeno e sob o comando de Israel, Beá afirma que a própria resistência acaba sendo utilizada como tática do 'terror sionista'. "Isso ajuda a aumentar e legitimar a opressão do Sionismo,  pois são por essas ações de um povo que resiste que se justificam as piores reações", conclui o militante em seu relato.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Após seis anos, assassinato de Keno segue impune

Ato em memória de Keno realizado em 2012
Nesta segunda-feira, dia 21 de outubro de 2013, completa-se seis anos do assassinato do trabalhador sem-terra Valmir Mota de Oliveira, o Keno, na antiga fazenda da multinacional Syngenta Seeds, em Santa Tereza do Oeste. O militante foi morto após um ataque de uma milícia armada contratada pela empresa após a ocupação da área de 127 hectares, onde a multinacional suíça mantinha desde 1998 um campo experimental. A ação ainda deixou vários feridos. 

A luta das famílias camponesas, que organizaram o Acampamento Terra Livre e que permaneceram resistindo por mais de dois anos no espaço, juntamente com o grande apoio e solidariedade recebidos por organizações de várias partes do mundo, foi primordial para a importante vitória obtida pelos trabalhadores camponeses. Foi mediante a grande repercussão do caso e a condenação da sociedade à ação armada da multinacional que, em 2008, a Syngenta teve que transferir a posse da área para o Governo do Paraná.

A empresa suíça Syngenta Seeds, detentora de 19% do mercado de agroquímica e a terceira de maior lucro na comercialização de sementes no mundo instala em 1998 uma sede em Santa Tereza do Oeste. Atenta aos crimes ambientais e ao desrespeito a legislação, a Via Campesina denúncia as irregularidades a órgãos nacionais e internacionais e a empresa é multada em R$ 1 milhão pelo Ibama.

No dia 14 de março de 2006, a área é ocupada, com ampla repercussão internacional. As 70 famílias camponesas permanecem até novembro de 2006 no local, quando o Estado do Paraná cumpre liminar de reintegração de posse expedida pela Justiça de Cascavel. As famílias retornam ao local depois que a área foi desapropriada pelo governo para a criação de um Centro de Agroecologia.

Em 18 de julho de 2007, os sem-terra cumprem ordem judicial e as famílias se deslocam para o assentamento Olga Benário, em Santa Tereza do Oeste. Em outubro de 2007, a área é reocupada, após os rumores de que a terra estava sendo preparada para plantação de soja e milho transgênico, o que desrespeita a regras de um centro de agroecologia.

Após a nova ocupação, em uma ação covarde e sorrateira de uma milícia contratada pela multinacional, pelo menos 10 sem-terra são feridos e um deles é executado. No confronto, um dos milicianos também é morto. O caso é denunciado em todo o Brasil, em tribunais internacionais, entre eles, o país de origem da empresa. A longa resistência da Via Campesina e do MST garantem a conquista da área e o compromisso do Estado.     

Passados seis anos do episódio – que também vitimou um dos seguranças contratados pela empresa – o crime segue impune. Da mesma forma, a multinacional segue recorrendo da multa de R$ 1 milhão de reais imposta pelo IBAMA, pelos experimentos na área de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, patrimônio da humanidade declarado pela Unesco.

A ação penal que apura as responsabilidades pelo assassinato ainda está longe do fim, já que o processo ainda não ultrapassou a fase de oitivas de testemunhas. Depois de ouvidas todas as testemunhas, o juiz decidirá quem irá a júri popular pelo assassinato de Keno e do funcionário da NF Segurança Fábio Ferreira.

Após o episódio, o próprio embaixador suíço Rudolf Bärfuss pediu desculpas a Íris Oliveira, com as seguintes palavras. "Em nome do governo do meu país, eu quero pedir desculpas". Na época, Íris entregou uma carta ao embaixador exigindo que o governo suíço ajudasse na punição à Syngenta pelo ato de violência e pelos crimes ambientais dos quais é acusada.

As investigações feitas pela polícia responsabilizaram nove pessoas contratadas pela NF Segurança, assim como o proprietário da Empresa, Nerci de Freitas, e o ruralista Alessandro Meneghel pelo assassinato de Keno, isentando a Syngenta de responsabilidade criminal por falta de provas.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Jornalistas no Pará completam uma semana de greve

Imagens: Mídia Ninja

Os trabalhadores do Diário do Pará e do DOL, grupo de propriedade do político Jader Barbalho completam nesta sexta-feira (27/09) uma semana de greve por melhores salários e condições de trabalho. Confiram abaixo a segunda carta da comissão de trabalhadores enviada aos leitores com os esclarecimentos sobre a paralisação.  


"Os trabalhadores do jornal Diário do Pará e do Diário Online (DOL) chegam ao sétimo dia de greve nesta sexta-feira. Estamos fortalecidos pela certeza de cumprir um papel fundamental na conscientização de jornalistas do Brasil inteiro quanto à necessidade de mobilização de nossa categoria profissional por melhores condições de trabalho e salário, embora, infelizmente, para a direção da empresa, toda a nossa mobilização não passe de atos de vandalismo e radicalismo.

Porém, nenhuma das pessoas presentes em nossas manifestações tem agido com força ou violência, como a direção da empresa insiste em propagar. Em nossos atos, temos cuidado para que ninguém sequer toque em qualquer veículo ou outro patrimônio material do grupo RBA e de particulares, muito menos existiu qualquer agressão física contra qualquer pessoa. O único ato mais extremado durante nossas manifestações diárias foi justamente uma agressão praticada pelos numerosos seguranças contratados pela empresa contra a diretora do Sindicato dos Jornalistas do Pará, Eliete Ramos - que registrou B.O e fez exame de corpo de delito –, e os jornalistas em greve, fato que está registrado nas redes sociais, em fotos e vídeos.

Afinal, não é verdadeira a crença de que a única maneira de conseguirmos o que desejamos é através do uso da força e violência, como afirma a carta enviada pela Diretoria. Contra fatos, não há argumentos. Temos razões suficientes para fazermos o que estamos fazendo – conhecidas de perto por quem compartilha conosco o ambiente da redação.

Nossa primeira conversa pós-greve se deu graças à tentativa do diretor financeiro Francisco Melo em mediar um contato com Jader Filho. Nesse papo, o próprio declarou a intransigência do chefe em relação a muitos pontos sobre os quais gostaríamos de negociar, conforme já contamos em nossa última carta-resposta.

Não é à toa que, apesar do pouco espaço que uma greve de jornalistas consegue na grande imprensa, profissionais da comunicação de todos os estados brasileiros sabem o que está acontecendo em Belém, no Pará, e têm manifestado seu apoio por meio de blogs, redes sociais e discursos públicos. Entendemos o incômodo da direção do Grupo RBA de Comunicação com a exposição negativa que têm recebido, mas reafirmamos que nossos atos públicos, realizados diariamente em frente à sede da empresa, na avenida Almirante Barroso, em nada ferem a legalidade de manifestação de uma classe trabalhadora que luta por direitos. Muito além disso, nossa greve e manifestações têm contado com o apoio incondicional de grande parte da sociedade belenense, que contribui financeiramente, buzina ou aplaude durantes as mobilizações a céu aberto.

Ontem, por exemplo, pouco antes do último comunicado ser enviado, duas turmas de estudantes de jornalismo da UFPA participaram de uma grande aula aberta junto aos manifestantes. Entre várias reflexões sobre o mercado de trabalho e as motivações da greve, dançamos uma ciranda embalada pela música d’Os Saltimbancos na avenida Almirante Barroso. Como pode ser vandalismo isso?

Reiteramos que o Comando de Greve protocolou nesta quinta-feira uma contraproposta à empresa, reforçando nossa disposição em negociar o fim de nossa greve em termos que beneficiem tanto os trabalhadores grevistas quanto a própria empresa. Nenhum de nós quer manter esta paralisação, pois amamos o ofício que escolhemos para nossas vidas, mas entendemos que estamos no exercício legal de nossos direitos enquanto trabalhadores. Até o começo da greve não houve uma mesa de negociação entre a empresa e o Comando, ao contrário do que afirma a carta enviada pela Diretoria.

A última proposta apresentada, mencionada pela empresa, já garante à categoria o maior reajuste salarial já dado para qualquer categoria do Brasil nos últimos anos. Isso diante de um cenário onde já havia apenas R$ 70,00 a mais em nossos contracheques, o que representaria o único aumento ao qual teríamos direito não fosse nossa mobilização. Porém, há pontos como o salário dos editores do Diário do Pará, dos coordenadores do DOL, e até mesmo sobre o piso salarial que não foram mencionados na proposta, assim como a questão da estabilidade pós-greve.

E essa proposta apresentada pela empresa não pode ser chamada de negociação, e sim de imposição, uma vez que, através do seu advogado, o Grupo RBA afirmou que essa seria a sua última proposta. Rogamos à direção que esta sim aja com menos intransigência e se disponha a ouvir nossas reivindicações, porque somos mais que mera força de trabalho, e sim jovens, homens e mulheres pensantes e dispostos a negociar. Pessoas do Brasil inteiro têm nos dado ouvidos e apoio ao longo dos últimos sete dias. A empresa poderia seguir esse exemplo, pois não há marketing melhor e nem maneira mais eficaz de impulsionar o crescimento do que profissionais satisfeitos em seu trabalho. Queremos retornar às nossas funções e, de novo, retomar o compromisso que abraçamos: produzir informação de qualidade.

Para que não reste dúvida, reiteramos que a palavra ‘negociar’ permanece em nosso vocabulário, sim. E é um verbo que jamais abandonaremos."


Comissão de trabalhadores do Diário do Pará e DOL

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Expedito, o Santo Maldito

Produtos de noites de sexo barato, de grandes porres e da vida errante, os romances do escritor Charles Bukowski tratavam de fantasias e amores épicos. Outros malditos como Truman Capote exploravam os segredos por trás das orgias de milionários, celebridades e socialites, como na obra inacabada "Súplicas atendidas". O beatnik Willian Burroughs, por sua vez, versava com as noites calientes de amantes apaixonados. Não tão 'maldito', o comunista Jorge Amado também escreveu romances históricos, um dos mais conhecidos dele é "Dona Flor e seus dois maridos", publicado em 1966 e posteriormente adaptado as telinhas.

Todas essas históricas contadas por esses grandes autores são descrições extremamente realistas de vidas cotidianas, de pessoas das mais variadas castas sociais, cidadãos comuns, anônimos ou figuras carimbadas das manchetes de jornais. As cidades do interior são prodigas deste imaginário popular. De histórias que passam a fazer parte do folclore de cada localidade: como no dia em que Expeditus, até então um anônimo e disciplinado soldado romano, se tornou um 'santo maldito' no Velho Oeste.

Apesar de ter como pano de fundo um suposto 'romance tórrido', esse breve fato está longe de ser uma obra maldita, também não trata-se de um relato católico-cristão, apesar do foco central ser um santo martirizado.  Já os nomes, personagens e incidentes retratados nesta peça cotidiana são fictícios, mas baseados em fatos reais, sendo que qualquer semelhança é mera coincidência.

Trajado com suas vestes romanas, Expeditus era um pacato soldado que num dia chuvoso decidiu sair a caça de seus próprios demônios. Ligeiro e sorrateiro, seu algoz atendia pelo nome de Vadinho – que não tinha relação alguma com a Dona Flor, mas se orgulhava de carregar em um dos bolsos – junto a um brasão usado como arma de imunidade - um autógrafo da 'Rainha dos Baixinhos'.

Sabendo da fama de Vadinho, que era filho de Exu e, portanto bom de papo e de briga, Expeditus armou uma tocaia em local movimentado do vilarejo. Sem temer o histórico de seu oponente – que segundo os pioneiros provincianos nunca dispensou um bom duelo - o soldado desferiu um único golpe em Vadinho, que acoado 'pinoteou'.

O 'duelo' relâmpago correu a cidade e após aquele dia Expeditus – já com o nome 'aportuguesado'  - passou a ser conhecido como santo. O povo na rua espalhava que "Expedito era santo porque sabia bater" e alta burguesia da cidade (acostumada a somente ver pobre escrachado) não acreditava na notícia que parcialmente via na tevê. Vadinho passou das colunas sociais para as policiais, mas como bom malandro que não cai, nem escorrega, não dorme, nem cochila, não vacilou - seguindo os ensinamentos do mestre Bezerra - e um comunicado oficial disparou.

Já maldito e mal falado, Expedito ganhou devotos que viam nele um santo guerreiro que com um único golpe desferido honrou muitos que sempre contestaram a pose de bom malandro de Vadinho na cidade. Apesar da fama, Expedito foi a masmorra por culpa de uma Maria que não era Madalena, mas que tinha Penha como sobrenome!

Um marciano vindo da ilha castrista que desembarcava no Velho Oeste, atônito com toda a cena sacramentou: "Está cada vez mais down a how society". 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Stédile: "Para burguesia, mídia é seu patrimônio sagrado"

Coletiva com Stédile na Escola Milton Santos [foto: Paulo Porto]
"Os meios de comunicação do Brasil se transformaram numa arma da burguesia, num negócio que lucra financeiramente e pela reprodução das ideias da classe dominante".  Quem opina é o militante João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da Via Campesina, que entre os dias 07 e 10 de agosto esteve presente na 12ª Jornada de Agroecologia, realizada na Escola Milton Santos, em Maringá (PR).

A declaração acima foi uma resposta a questionamento surgido em entrevista coletiva ao Setor de Comunicação da Jornada e veículos alternativos, entre eles o Sítio Coletivo, sobre os motivos para o governo Dilma Rousseff evitar o debate sobre a regulamentação e democratização dos meios de comunicação.  Para Stédile, a fuga do tema da mídia faz parte da política de aliança de conciliação de classes caracterizada no governo.

O líder da Via Campesina fez uma analogia a luta pela terra. "O tema da democratização da comunicação é muito parecido com a Reforma Agrária, porque ele propõe democratizar algo que a burguesia tem como patrimônio sagrado deles", afirma Stédile. Apesar desse cenário, o militante é otimista que esse debate possa avançar a partir da série de manifestações nas ruas que vem acontecendo pelo país. "Não foi a toa que vários protestos terminaram na porta da Globo", destacou.

Stédile destacou iniciativas populares que buscam a democratização dos meios de comunicação, como o Projeto de Lei de Iniciativa Popular, proposta pelo FNDC (Fórum Nacional de Democratização da Comunicação), onde os movimentos sociais estão colhendo assinatura para levar um projeto de lei ao Congresso tendo como principal objetivo regulamentar os artigos da Constituição Federal que versam sobre Comunicação Social. 

Para João Pedro Stédile, essa iniciativa foi motivada pelo abandono do projeto de regulação dos meios de comunicação por parte do governo federal.  "Foi um recado dos movimentos sociais para o ministro Paulo Bernardo [Comunicações]: já que vocês têm vergonha do filho de vocês, nós estamos adotando", disse o militante, ressaltando que a uma democratização real da mídia só será possível com um amplo movimento popular nas ruas.  "Essa luta só está começando", concluiu.

Indígenas

A questão indígena também esteve em pauta na coletiva com Stédile. Questionado por esse blogueiro sobre o atual cenário de luta dos povos tradicionais, ele declarou apoio e total solidariedade da Via Campesina a questão que considera 'intocável'. "Temos a obrigação moral de preservar as terras tradicionais, isso não se trata de folclore, mas de uma questão ética com esses povos que vem sendo massacrados ao longo da história", destacou.

Indagado sobre o avanço do agronegócio aos territórios indígenas, o membro da direção do MST destacou que a preocupação dos grandes proprietários de terra refere-se à politização do embate. "No início eles [indígenas] acreditavam na lei e governo, agora eles passaram a entender que trata-se de luta de classes", ressaltou Stédile, que considera que no cenário atual as demarcações de terras tradicionais representam o grande entrave ao avanço do agronegócio.

Jornada

Com o lema "Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos", a Jornada de Agroecologia 2013 visou a construção de um Projeto Popular e Soberano para a agricultura, em contrapartida às empresas transnacionais do agronegócio. Aproximadamente 3,5 mil pessoas participaram da edição que foi encerrada com o lançamento do Plano Nacional de Agroecologia, além da aprovação de moções por uma constituinte exclusiva para uma reforma política no Brasil;  de repúdio aos esquemas de espionagem do Governo dos Estados Unidos contra o Brasil, América Latina e o Mundo; de apoio à Escola Milton Santos e em apoio aos povos indígenas e comunidades tradicionais, que têm sofrido inúmeras violações por parte de latifundiários e do poder público.

 Confira mais imagens da 12ª Jornada de Agroecologia neste link

domingo, 4 de agosto de 2013

Sequestro relâmpago em Guaíra é recado a indígenas e FUNAI

Cacique Inácio teve irmã raptada [foto: Paulo Porto]
Uma escalada de violência sem precedentes contra os povos tradicionais no Oeste do Paraná é iminente. O alerta é do indigenista e vereador em Cascavel Paulo Porto (PCdoB) diante do mais recente ato contra os indígenas na região, registrado na última sexta-feira (02/08) no município de Guaíra, onde uma índia foi alvo de sequestro relâmpago, cárcere privado, além de ser vítima de uma tentativa de abuso sexual.

A denúncia foi formalizada ao subtenente Romualdo Amorim, do 3º Pelotão da PM e registrado no Boletim de Ocorrência 747092/2013. A jovem, irmã do cacique Inácio Martins  – uma das principais lideranças Guarani da região na aldeia Tekoha Marangatu - foi usada para intimidar os indígenas e funcionários da FUNAI (Fundação Nacional do Índio).

Recepcionista na sede da FUNAI, a indígena estava se dirigindo ao trabalho quando foi abordada por volta das 7 horas nas imediações do Hotel Deville Express por três homens em um veículo preto com vidros escuros. Um dos agressores, com luvas de cirúrgicas de borracha, lhe agarrou e obrigou a entrar no automóvel, onde outros dois homens estavam no banco de trás.

Vítima de pressão psicológica, a indígena foi questionada sobre o fato de ser funcionária do órgão indigenista e, ao permanecer calada, foi ameaçada por um dos indivíduos que portava uma arma. Temendo pela vida, a jovem confirmou então que trabalhava na FUNAI, momento em que os agressores deram o seguinte recado: "nós vamos acabar com a FUNAI e os índios, os fazendeiros não vão permitir que vocês fiquem aqui", disse um dos homens, ameaçando lideranças guarani da região.

O trio ficou transitando por um bom tempo com a garota no veículo, até que a soltaram em uma estrada abandonada entre os bairros da Vila Malvinas e Jardim América. Antes disso a jovem ainda teria sido vítima de agressões físicas e abuso sexual.

Em seu relato à PM, a indígena informou que vem sendo cada vez mais constantes as perseguições e tentativas de atropelamentos de índios em Guaíra por homens dirigindo veículos com adesivos que pedem o fim das demarcações de terras tradicionais e a extinção da FUNAI.

Diante de mais um atentato, o vereador Paulo Porto cobra providências das autoridades de segurança pública para que não ocorra um cenário de violência sem precedentes. "É preciso uma ação rápida das forças de segurança, esta ação não pode – em nenhuma hipótese – ficar sem uma resposta exemplar de poder público". Porto teme pela integridade física dos Guarani. "Temos o receio que estas ameaças se concretizem a partir de uma escalada de violência sem precedentes em relação aos povos indígenas na região".

A área de maior tensão na região encontra-se entre Guaíra e Terra Roxa, um dos maiores sítios arqueológicos do Brasil e passagem de reduções jesuíticas. Na região encontram-se 11 ocupações territoriais indígenas Guarani, porém nenhuma área está demarcada. Para o indigenista, esse ódio contra os povos tradicionais tem sido alimentado por uma intensa campanha anti-indígena promovida por diversas entidades de classe da região ligadas a setores ruralistas, em especial os sindicatos rurais patronais da região.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Senado presta homenagem a Carlos Marighella

O momento é de recuperação da memória daqueles personagens que a ditadura militar fez questão de eliminar da história, do restabelecimento da verdade e a busca da justiça com aqueles que lutaram contra uma página infeliz de nossa história. Carlos Marighella (1911-1969) foi um desses bravos que a histografia oficial – aquela contada nos livros didáticos – fez questão de apagar ou de transformar em vilão.

Sessão solene no Senado [foto: Pedro França]
Líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), ex-militante e deputado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Marighella foi homenageado nesta segunda-feira (08/07) em sessão solene no Senado brasileiro. A homenagem foi uma iniciativa do senador João Capiberibe (PSB-AP), que também integrou a organização armada fundada por Marighella que lutou contra o regime instaurado em 1964 no país. A cerimônia contou com a presença do advogado Carlos Augusto Marighella, filho do guerrilheiro. Emocionado, ele lembrou momentos difíceis. "Passei por diversos constrangimentos como o de ser expulso de escola por ser filho de Marighella, mas o mais terrível constrangimento é ter seu pai assassinado daquele modo. Meu pai era decente e o crime cometido com aqueles requintes é sempre chocante para um filho".

Durante o evento no Senado, também foi lançado o livro Rádio Libertadora, a palavra de Carlos Marighella, que relata as facetas do político, do guerrilheiro e do poeta brasileiro. Marighella criou a Rádio Libertadora como alternativa à censura imposta pelos militares contra a imprensa. Gravações feitas pelo próprio Marighella eram repassadas às rádios ou veiculadas em auto-falantes, até hoje preservadas pelo Arquivo Histórico do Movimento Operário Brasileiro (ASMOB), foram transcritas e reunidas no livro que faz parte do Projeto Marcas da Memória, da Comissão de Anistia. Os discursos transcritos na obra foram gravados por Marighella nas sessões de abril a agosto de 1969, na Rádio Libertadora.

O líder da ALN foi deputado federal pelo Estado da Bahia, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) na Constituinte de 1946. Foi cassado pela ditadura em 1947. Antes, chegou a ser preso nos anos de 1932, 1936 e 1937. Foi assassinado em 4 de novembro 1969, numa emboscada feita por agentes do DOPS em São Paulo.

Em novembro do ano passado, o governo brasileiro, por meio da Comissão da Anistia, Carlos Marighella foi anistiado post mortem, depois do pedido feito pelo filho e esposa do guerrilheiro – que não chegaram a pedir reparação econômica. O requerimento dos familiares foi enquadrado na Lei 10.559/02. Cerca de 150 volumes de processo arquivados no Supremo Tribunal Militar (STM) comprovaram a perseguição, além do processo nº 202/96 da Comissão de Mortos e Desaparecidos e certidão de 106 páginas enviadas pelo Arquivo Nacional.

* Nota do editor: Em um Senado cada vez mais conservador, corporativista e com viés classista, é bom ver algumas fagulhas progressistas como essa justa homenagem a Carlos Marighella, “mártir ou mito, um maldito sonhador, um novo messias”, como versa a música a composição do Mano Brown, na música 'Mil faces de um homem leal', que também homenageia esse herói nacional.

Com informações da Agência Brasil

domingo, 26 de maio de 2013

A "guerra às drogas" ou como condenar os pobres

* por Danilo Georges

No dia 26 de maio acontece à 1ª Marcha da maconha nas Três Fronteiras. Em quase um século de cidade, está será a primeira oportunidade de se debater o tema da descriminalização das “drogas”. A importância desta discussão não se restringe só ao “tabu” que envolve a proposta. O problema é mais complexo, porque agrega noções de violência, estigma, segurança pública, código penal e, seus reflexos no campo político, econômico e social.

Ilustração: Carlos Latuff (2012)
Qualificar, portanto, o debate sobre drogas nas Três Fronteiras pode ser uma forma de pensar sem pudores à violência urbana, descortinar as estatísticas que teimam em crescer, já que boa parte dos homicídios, prisões e ações violentas – até por parte do estado – vem supostamente do “fogo”, que se alimenta do combustível do tráfico de drogas.  

A comercialização de drogas é uma atividade extremamente rentável. O Fundo Monetário Internacional calcula que o chamado crime organizado movimenta 750 bilhões dólares ao ano, cujo 500 bilhões seriam gerados pelo narcotráfico, que mesmo “ilegal” consegue virar uma economia legal na lavagem de dinheiro, feita por bancos, empresas e multinacionais.

Se tratando de uma cifra de bilhões, parece óbvio perceber, que o narcotráfico não se sustenta só na favela ou no presídio como muitos crêem. Ele tem seu braço (porque não dizer cabeça) na política seja de forma direta e/ou nas instituições do Estado, polícia e Poder Judiciário. Uma relação que envolve o capital internacional, o banqueiros, juízes e  empresários.

O varejo da droga se exilou em bairros decadentes onde recursos públicos e privados são escassos, e encontra uma mão de obra barateada pelo desemprego em massa, no qual a privação social, cultural e econômica se prevaleceu.

Orlando Zaconne, delegado da polícia civil do estado do Rio de Janeiro ao analisar a Guerra às Drogas e as políticas oficiais de controle do uso e comércio das drogas, evidencia no livro “Os acionistas do nada: Quem são os traficantes de drogas” que, a guerra às drogas funciona como meios de coerção social.  “Não há um combate às drogas feita no andar de cima, pouco se faz para cortar o braço econômico dessa atividade”. Segundo ele, quem produz, distribui e financia essa produção, quem mais lucra com essa atividade raramente é preso. Os detidos são sempre os “bagrinhos” geralmente pobres e maltrapilhos, que parecem está longe daquela cifra bilionária citada pelo FMI.

Contudo, a margem das estatísticas, a guerra contra o tráfico ganha fôlego com os discursos punitivos, que tem sido uma constante nos meios de comunicação e, encontra na falácia da guerra um caminho natural para encarcerar os pobres. 

Essa imprensa sensacionalista engrossa o discurso do medo, que ganha retoques com a “demonização” da favela. A criminalização da pobreza é um fenômeno mundial que no Brasil ganha destaque por meio da dita “guerra contra as drogas”, que mais parece uma “guerra contra os pobres”, assim como justifica o sociólogo Zgymunt Bauman: “cada vez mais ser pobre é encarado como um crime; empobrecer como o produto de predisposições ou intenções criminosas, abuso de álcool, jogos de azar, vadiagem, drogas e vagabundagem. Os pobres, longe de fazer jus a cuidado e assistência merecem ódio e condenação como a própria encarnação do pecado” (Bauman, 2006, pg. 59). 

A mídia burguesa constituiu o consenso do “CEP da violência”: um estigma sobre a favela como berço do crime. Logo há um lugar “favela” perigoso que deve ser combatido, controlado e vigiado. Essa perversidade se sobrepõe ao já universal estigma da pobreza. Crime e miséria continuam sendo associados, o primeiro traço da imagem de delinquente é seu status social. Assim, se justifica nessa ótica, que o pobre é naturalmente criminoso.

As operações, batidas, vistorias policiais quase em sua totalidade acontecem nas comunidades pobres. Os resultados muitas vezes dessas operações são violações a direitos humanos: casas arrombadas sem mandatos, agentes sem identificação, torturas, privação da liberdade, moradores e policiais feridos e execuções sumárias de pobres e trabalhadores.
A atual política de guerra contra as drogas, para além de revelar um fracasso naquilo que se diz se propor, oculta sua real função que cumpre com magnitude: o controle social das classes pobres”.

Segundo o sociólogo Loic Wacquant: “Os altos índices de encarceramento revelam uma decisão política de Estado, que trocou a responsabilidade coletiva, pela exclusão de classe, pela privatização da segurança, sob o signo do medo” (Wacquant,2005,pg.136).

As políticas públicas deviam pressupor a adoção de um conjunto de medidas não repressivas, buscando um amplo espectros de ações sociais, pois, se gasta cada vez mais dinheiro publico na militarização das polícias e nas operações de guerra as drogas e o resultado tem sido iguais seja em qualquer parte do mundo e/ou no Brasil: cadeias superlotadas, chacinas em regiões pobres, alto índice de homicídios, policiais feridos e deprimidos, pessoas inseguras e com um medo que só aumenta, além do consumo de drogas crescente e de forma excessiva.

Essas medidas punitivas do estado, a lógica do confronto, as operações policiais oferecem, portanto, mais risco e demandam mais gastos públicos do que o próprio dano cometido pelo usuário de droga.

No entanto, essa “solução”, a guerra às drogas, ainda permanece, e com aprovação até em setores progressistas da sociedade. Isso porque o imaginário quanto ao comércio ilegal de drogas continua o mesmo: o de que os chefes do narcotráfico residem em favelas.

Assim, o fruto colhido por essa política de guerra aos pobres também permanece igual: se mata e se prende cada vez mais em Foz do Iguaçu. E a miséria, é a principal característica dos presos e mortos da cidade. A guerra às drogas na Fronteira está para condenar, os já condenados da cidade.


 * Danilo Georges é historiador, mestrando em Ciências Sociais (Unioeste) e membro do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular em Foz do Iguaçu



Referencias bibliográficas:
Bauman, Zygmunt.O mal estar da pós modernidade. Rio de janeiro, Jorge Zahar, 1999.
Zaccone,Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas. Rio de janeiro, Revan, 2007.
Wacquant, Loic. Os condenados da cidade; estudos sobre marginalidade avançada. Revan, Rio de janeiro, 2001.