terça-feira, 30 de agosto de 2011

30 de Agosto: Do Luto para Luta pela Educação

Professores de Cascavel fizeram ato público em frente a prefeitura
Trabalhadores da educação pública da rede estadual paralisaram suas atividades nesta terça-feira nas principais cidades do Paraná para lembrar da "anti-comemoração" dos 23 anos do fatídico 30 de agosto de 1988, oportunidade em que professores durante uma manifestação foram "recepcionados" no Palácio do Iguaçu pelo aparato de repressão do Estado, a cavalaria da Polícia Militar sob ordens do então governador Alvaro Dias, atual senador do PSDB. 

Em Curitiba, professores e funcionários da educação enfrentaram a chuva e percorreram o mesmo trajeto da passeata de 1988, da Praça Santos Andrade até a sede do governo. Os trabalhadores também ocuparam a plenária da Assembleia Legislativa para pressionar a votação do anteprojeto de lei complementar da equiparação salarial da categoria. A proposta prevê o pagamento dos 5,83% negociados com os professores.

O percentual é relativo a aplicação do piso profissional nacional (PSPN) no Paraná, bem como a primeira parcela da equiparação salarial.  A proposta do governo é que 3% serão retroativos ao mês de julho. O restante - 2,83% - será pago no mês de outubro. O anteprojeto foi aprovado durante a sessão desta terça-feira (30). Vale lembrar que na campanha eleitoral do ano passado, o atual governador Beto Richa (PSDB) prometeu um reajuste de 26% aos professores estaduais.

A unificação de turmas nas escolas – fantasma quem vem assombrando o setor de educação pública no Paraná – também esteve em pauta no Dia de Luto e Luta da categoria. Desde a quinta-feira passada (25), as escolas vem recebendo planilhas com a orientação para o fechamento de algumas turmas.  Segundo os professores, os diretores das escolas foram informados que teriam autonomia nessa prerrogativa, avaliando a situação de cada colégio, porém não é isso que vem acontecendo.  Essa orientação vai a contramão de uma das bandeiras da APP-Sindicato, que luta pela diminuição de alunos por salas de aulas.

Os manifestantes reivindicam a aprovação de uma proposta que limite o número de alunos por turma, mantendo a proporcionalidade de professores contratados pelo Estado para que não seja prejudicada a qualidade de ensino. A superlotação das salas de aula além de prejudicar o estudante -  dificultando sua concentração – é um complicador para os professores que precisam se desdobrar para conferir um atendimento de melhor qualidade. 

Em Cascavel, professores e funcionários também pararam nesta terça-feira e realizaram manifestações. Além das pautas estaduais, a categoria no Oeste reivindicou um melhor atendimento do SAS (Sistema de Assistência Social).  Para isso, eles se concentraram no Hospital Santa Catarina, única unidade na cidade que presta esse atendimento aos servidores.  De lá, os professores partiram em carreata até a Prefeitura, onde realizaram um ato público. A violência nos colégios do município também foi uma das pautas das manifestações em Cascavel.

Histórico

As manifestações fizeram parte do tradicional Dia de Luto e Luta dos Trabalhadores da Educação.  A data é referente ao ano de 1988. Há 23 anos, os professores da rede pública de ensino foram protagonistas de uma greve iniciada no dia 5 de agosto. Eles reivindicavam a volta do piso de três salários mínimos, reduzido para dois salários em 1988. Com o intuito de forçar uma solução mais rápida para a paralisação geral – que então completava 11 dias – professores ocuparam a Assembleia Legislativa, por onde permaneceram até o dia 31.

Um dia antes, no dia 30 de agosto, foi organizado um encontro de núcleos regionais da APP-Sindicato na Praça Tiradentes, em Curitiba, e uma passeata até a sede do governo, onde então os trabalhadores foram "recepcionados" pela cavalaria da PM, com direito - além das ferraduras dos equinos e os cassetetes dos policiais -  a gás de pimenta e bombas de efeito moral.

Na época, aproximadamente 30 mil pessoas participavam da passeata. De um lado a multidão, de outro as tropas policiais. Barracas de professores acampados foram pisoteadas, manifestantes foram impedidos de entrar na Praça Nossa Senhora de Salete com carro de som.

Segundo relatos, o pavor tomou conta de todos, com bombas estourando para todos os lados, correria generalizada, transformando o centro cívico de Curitiba em uma verdadeira praça de guerra. Como saldo, vários professores feridos, alguns inclusive impossibilitados – física e emocionalmente – do retorno as salas de aulas.

Questionado hoje em dia sobre o fato, Alvaro Dias - atual senador da República - defende-se afirmando que o triste episódio sempre "foi explorado politicamente e com má fé e que na ocasião foi administrado dentro das possibilidades".  Segundo a sua versão, "outras categorias" de trabalhadores teriam se infiltrado na manifestação para provocar tumultos e a cavalaria estaria no local para dar "segurança aos manifestantes".
 

PS: Vale lembrar que manifestações e mobilizações (mesmo organizadas por determinadas categorias) não precisam ser necessariamente corporativistas. São nos atos públicos que trabalhadores mostram sua solidariedade. Oportunidade em que se deixam de lado as categorias (profissões) para se afirmar como classe (trabalhador).  

Abaixo algumas imagens do Dia de Luto e Luta em Cascavel






"Refrescando" a memória sobre episódio de 1988: http://youtu.be/3gLeWMjI1_o

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Marcha marcou etapa da Jornada de Lutas em Cascavel

Jornada de Lutas em Cascavel
Cerca de 150 pessoas participaram nesta sexta-feira (26) em Cascavel da etapa local da Jornada Nacional de Lutas, promovida em todo país pela Via Campesina – movimento que reúne uma série de movimentos sociais – junto com centrais sindicais, estudantes e partidos políticos.

A jornada no 'velho oeste' do Paraná contou com manifestações públicas no calçadão de Cascavel em prol de bandeiras locais de luta e um ato contra a opressão, preconceito e discriminação –  racial, de gênero ou de orientação sexual. A etapa também foi marcada por uma marcha que saiu da Catedral e teve como destino os prédios públicos da Prefeitura e da Câmara de Vereadores.

Mesmo sem a intenção de ocupação do Paço Municipal, o poder público se precaveu e cerca de 20 guardas patrimoniais ficaram perfilados em frente a prefeitura com o receio que os manifestantes entrassem no prédio que é público. Já no Legislativo, nenhuma 'barreira', mas os manifestantes – que tinham a intenção de entregar uma pauta aos vereadores - foram informados que não havia parlamentares no momento do ato.

A etapa regional da Jornada Nacional de Lutas trouxe uma pauta de reivindicações locais, sendo a principal delas a agilidade do processo de reforma agrária e o assentamento das famílias acampadas na região.

"Estamos aproveitando a Jornada de Lutas de agosto para cobrarmos agilidade no processo de assentamento das famílias acampadas na região desde 1999, especialmente as que moram no Complexo Cajati. Há 13 anos só vemos promessas por parte do Incra que nossa situação será regularizada", comentou Edio Wilson de Oliveira, integrante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra).

Além da questão da luta pela terra, a mobilização local colocou em pauta outras bandeiras, como na área da educação pública, especialmente pela Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná). Professores e estudantes reivindicaram um restaurante universitário para instituição e se mobilizaram contra o corte de 40% do orçamento da universidade. A educação fundamental também teve espaço com a presença da APP-Sindicato e a luta pela não-unificação das turmas nos colégios estaduais, além do foco na qualidade no ensino público.

Também estiveram na pauta de lutas da Jornada de Cascavel: luta pelo passe livre dos estudantes, aprovação da PEC 29 para a Saúde, restaurante popular em Cascavel, hospital público na região norte da cidade, coleta sustentável do lixo, defesa do Rio Cascavel (contra novas edificações na área próxima ao Lago Municipal), conselhos municipais em todas as esferas públicas, moradia para a população sem-teto, políticas públicas para a juventude, fim do fator previdenciário e investigação e punição aos responsáveis pelos casos de corrupção na esfera municipal.

"Essa é uma mobilização que está acontecendo em todo o País durante a semana e estamos reproduzindo em Cascavel, onde trazemos nossas bandeiras de reivindicações locais. Acho que o movimento surtiu efeito, conseguimos reunir uma série de movimentos de diversas correntes. É importante incentivarmos a população a participar", expôs a cientista política e professora da Unioeste, Rosana Katia Nazzari.

Em Cascavel, a Jornada de Lutas contou com a participação dos seguintes movimentos e entidades: ANDES/SN, ASSIBGE/SN, CNESF, COBAP, CONDSEF, CPERS/SINDICATO, CSP-CONLUTAS, Pastoral Anglicana da Terra, FENASPS, Intersindical, MTST, MTL, MST, Oposição/Sinteoeste, SINASEFFE, UST, SINDIPREV/CVEL, Associação dos Aposentados, SINDIJOR/Subseção Cascavel, Grêmio Wilson Joffre, MST, PCB, PSOL e PSTU.  

Abaixo algumas imagens da etapa regional da Jornada de Lutas em Cascavel



Vídeos da marcha em Cascavel podem ser vistos nos links: http://youtu.be/yVdLpHcnXj8 e http://youtu.be/jHB53WtYREA

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Jornada de Lutas também no "Velho Oeste"

Cartaz da campanha nacional (Divulgação
Uma reforma agrária que segue estagnada – sem nenhum decreto de desapropriação de terras assinado em oito meses de governo – e o anúncio do tal plano 'Brasil Maior' – onde grandes capitalistas são desonerados de pagarem INSS da folha - já seriam motivos suficientes para uma grande mobilização nacional dos trabalhadores.

Porém são apenas duas pautas das mobilizações que estão sendo realizadas desde a semana passada por movimentos sociais, estudantis, centrais sindicais, organizações e partidos de esquerda. As ações integram a Jornada Nacional de Lutas, promovida pela Via Campesina, articulação internacional de movimentos sociais.  

Os atos estão sendo intensificados no decorrer dessa semana, oportunidade que milhares de trabalhadores rurais fazem manifestações em Brasília, incluindo uma mobilização unificada nesta quarta-feira, dia 24.

Reforma agrária como política pública prioritária, além da recomposição do orçamento para obtenção de terras e renegociação das dívidas dos pequenos agricultores e agricultoras e assentados e assentadas, são as principais reivindicações da Jornada deste ano.

Mais de 15 mil trabalhadores também estão reunidos para exigir a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem diminuição salarial, a garantia de que 10% do PIB nacional e 50% de toda renda do petróleo do pré-sal sejam destinados à educação, e a efetiva realização da Reforma Agrária.

CASCAVEL - Além das propostas nacionais, a Jornada de Lutas também terá etapas em alguns municípios com espaço para reivindicações locais. Em Cascavel, movimentos sociais, eclesiásticos, estudantis e sindicais realizarão uma concentração na sexta-feira, dia 26, a partir das 10 horas na Boca Maldita, no calçadão da Avenida Brasil.

Entre as pautas locais estão: restaurante universitário para Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), passe livre aos estudantes, contra o corte de 40% no orçamento da Unioeste, restaurante popular, hospital público na região norte, coleta sustentável do lixo, em defesa do Rio Cascavel (contra a construção do shopping próximo ao lago), agilidade da reforma agrária para as famílias acampadas na região desde 1999, moradia para população sem-teto, manutenção do número atual de vereadores, investigação e punição no caso de irregularidades na compra de uniformes escolares, além de um ato contrário a toda forma de discriminação e preconceito.

Cartaz da campanha em Cascavel (Divulgação)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A necessidade de uma comunicação popular em uma mídia monopolizada


Reproduzo para os sitiantes um texto do professor de história de Foz do Iguaçu, Danilo Georges, sobre monopólio midiático, liberdade de empresa e o papel fundamental dos comunicadores populares na busca de uma mídia verdadeiramente plural e democrática. O artigo foi originalmente publicado no portal fronteiriço Megafone – Rede Cidadania de Comunicação. Mais informações no endereço: www.megafone.inf.br e pelas redes sociais (@redemegafone)



 O monopólio da comunicação exercido pelas grandes corporações da Mídia tem um forte impacto social, cultural e econômico na sociedade, a concentração de informação na mão de grandes empresas é um atentado a democracia, pluralidade de pensamentos e direitos humanos em suma um atentado a vida.

A mídia corporativista exerce um grande pacto com o capital construindo consenso sobre atores sociais, políticos e instituições financeiras. Padronizando comportamento e ditando ideologias, na qual não existe vida fora do capitalismo, exerce assim um verdadeiro controle social, tenta se apresentar como neutra mas tem um pacto com as elites econômicas que a controla. 

O jornalista Denis Morais chama atenção para o monopólio da imprensa mundial segundo ele: “quatro corporações (Viacom, Disney, AOL Time-Warner e Rupert Murdoch) concentram 90% da produção de jornais, rádios, televisão, teatro e cinema, fica descaracterizada qualquer possibilidade de democracia nos meios de comunicação”.

Segundo a analise do jornalista, aproximadamente 6 bilhões de pessoas são informadas e manipuladas por 4 corporações que estão atreladas aos interesses de mercado. Há sempre espaços nos telejornais para intelectuais que defendem o sistema econômico vigente, aos contrários cabe o ostracismo, a demonização de seus pensamentos e a criminalização dos  movimentos sociais que não são agregados nesse tipo de imprensanão possuem direito ou respaldo, são sujeitos invisíveis nesse formato capitalista aonde se valoriza mais o lucro do que a vida. 

Em contraposição à mídia burguesa e sua lógica perversa mercadológica, nasce dos becos, guetos, ruas, sindicatos e universidades, uma outra proposta de comunicação galgada na defesa de um dos mais fundamentais direitos humanos que é o direito de se comunicar, um outro olhar sobre a sociedade, uma  nova voz  que busca disputar hegemonia com o neoliberalismo, a comunicação popular tem como principal ofício dar voz aos excluídos e oprimidos aqueles que são silenciados, massacrados e invisíveis às corporações midiáticas.

A mídia monopolizada não carrega nenhuma liberdade de informação há somente a liberdade de mercado, que é protegida e assegurada pelas economias liberais capitalistas, e que fere o exercício aos direitos à liberdade de opinião e expressão. O papel dos meios de comunicação deveria ser democratizar o saber, educar, investigar, humanizar a sociedade e denunciar a corrupção. 

Como a mídia oficial faz geralmente um desserviço as camadas populares, comunidades indígenas e todos aqueles que não têm o poder aquisitivo para o consumo, creio que o papel do comunicador popular é o de ir na contramão da mídia corporativista e atuar junto com  a camada subalterna da população,  revelando os interesses político-econômicos que levam à publicação de determinadas notícias encomendadas pela elite patronal brasileira , os comunicadores populares devem  fornecer informações aos leitores que não são encontradas na grande mídia, fazendo uso de pesquisa e de reportagens utilizando muitas vezes  recursos próprios.

Enfrentar a elite e os desmandos de empresas que insistem em colocar o lucro acima da vida é o objetivo vital de quem se propõe lutar pela democratização da comunicação, a comunicação popular tem que estar atrelada a um projeto educacional não formal, é necessário exercer uma pedagogia libertária e emancipatória onde todos tenham acessos à informação e o direito a comunicação. 

A luta por uma outra mídia é vital, urgente e necessária para que a humanidade possa aspirar um novo mundo aonde se prevaleça a demanda coletiva e não individual, pautando os direitos e não privilégios, almejar valores igualitários e assegurar a diversidade de opinião, acima de tudo, viver em uma sociedade anti-capitalista.

Danilo Georges é professor de história em Foz do Iguaçu.

sábado, 13 de agosto de 2011

Estudantes 'indignados' protestam no Calçadão

Muito longe de ser um M-15 (Movimento 15 de Maio) espanhol, os 'indignados' gregos ou palestinos ou ainda os anarco-punks de Londres – que organizaram manifestações via rede sociais na Zona do Euro – alguns jovens de Cascavel também organizaram uma espécie de movimento popular com conclamação digital e saíram às ruas para protestar neste sábado de 30 graus.

O grupo de aproximadamente 30 estudantes – entre secundaristas e universitários - aparentemente alheio a brigas políticas esteve no Calçadão com faixas e cartazes tendo como alvo o prefeito Edgar Bueno (PDT) e o 'G-10' - não o grupo rival do prefeito - mas a dezena de vereadores que foi contra a investigação – por meio de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara de Cascavel.

Com nariz de palhaço e outros adereços, os jovens recolheram  assinaturas pedindo a abertura de investigação no Legislativo para serem levadas ao Ministério Público. Vale lembrar que, apesar de não ser instaurada a CPI – a Investigação Já está acontecendo por meio do MP e a Polícia Federal e, caso acatadas as denúncias, os mesmos legisladores que recusaram a investigação preliminar deverão 'repensar' seus posicionamentos, pois o próprio MP solicitará a abertura do processo investigatório a respeito das suspeitas de irregularidades na compra de uniformes escolares.

Mesmo sendo aparentemente apartidário, alguns políticos marcaram presença no ato – entre eles os quatro vereadores que votaram a favor da investigação: Julio Cesar Leme da Silva, Leonardo Mion, Otto dos Reis e Paulo Tonin. Eles relataram a esse blogueiro que não tinham qualquer envolvimento com a ação, mas que decidiram "dar uma força ao movimento independente". Também estava sendo esperada pelos estudantes a presença de representantes da ONG Observatório Social, mas estes não apareceram no ato.

Os próprios organizadores reconheceram a baixa adesão ao movimento, pois eram esperadas centenas de pessoas no protesto conforme indicava a convocação via rede social. Essa adesão diminuta pode ser explicada pelo que se transformou todo esse pedido de investigação contra Bueno, ou seja, a atitude do grupo de partidos que já foi chamado de 'G-10' e depois ficou conhecido como 'frentona'.

O palanque que se tornou o imbróglio fez com que a ação perdesse credibilidade ao ponto de se transformar num barraco entre o atual prefeito e o ex-prefeito e empresário da comunicação Jacy Miguel Scanagatta, com direito a bate-boca e gravações irregulares ao melhor estilo Rupert Murdoch. Para não ficar atrás, o prefeito enviou uma espécie de 'araponga' para filmar o ato da rapaziada no Calçadão.

Infelizmente esses setores da elite – entre acusados e acusadores – que já estiveram lado a lado, mas que decidiram brincar de gato e rato numa espécie de faroeste onde não existem mocinhos, conseguiram transformar aquilo que poderia ser um movimento genuinamente popular em algo de pouca voz e restrito, pois os próprios estudantes tiveram suas motivações sendo alvo da desconfiança de alguns.

Abaixo algumas imagens do ato no Calçadão de Cascavel deste sábado.


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Resistência ao latifúndio e a jagunçada

O Sítio abre a porteira para os ruralistas. Hum? "Você está certo disso?"... indagariam alguns. Teria tido o blogueiro um desvio de conduta ideológica. Antes de ser 'condenado' vou explicar: a Sociedade Rural do Oeste do Paraná, então sob o comando 'gamista' encomendou um monumento à 'resistência dos produtores' contra os sem-terra. Acontece que o monumento foi 'desapropriado' e o significado invertido: "Homenagem à resistência ao latifúndio e a jagunçada". O historiador Alceu Sperança conta melhor essa história no artigo abaixo.


Muito feliz a iniciativa da Sociedade Rural do Oeste do Paraná de homenagear a resistência do produtor rural paranaense, especialmente com a obra de um de nossos mais importantes artistas – Dirceu Rosa.
Tomara ela sirva para acabar com a grande estupidez da atualidade: a incompreensível oposição entre produtores e sem-terras, quando os dois lados são resistentes às históricas injustiças vigentes neste País.

O que foi, afinal, a resistência dos produtores rurais paranaenses, em toda a história? Para não abusar da paciência do leitor, poderíamos resumir essa resistência a momentos fundamentais.  

Até a primeira década do século XX, ninguém queria terras aqui. Não adiantava produzir, pois não havia quem comprasse, nem caminhões ou trens, nem rodovias ou trilhos para transportar a produção. Até a década de 40 se formam os latifúndios no interior do Paraná, garfados por fazendeiros paulistas e oligarcas araucarianos. Na década de 40, com o boom madeireiro resultante da II Guerra, a terra começou a interessar pelos pinheiros e madeiras de lei existentes sobre ela.

Havia duas formas de conseguir pinhais: autorização do governo do Estado, comprar dos paulistas e estrangeiros que mandavam na região ou ocupar. Grande parte das terras do Oeste paranaense foi ocupada, sem a menor preocupação com papelório. 

Na década de 50, grandes interesses latifundiários começaram a “limpar” as terras desses “invasores”, com o apoio dos políticos governistas e da polícia. Mas as ocupações continuaram. Para poder produzir, os primeiros agricultores de ponta do Paraná ocuparam as terras, devolutas ou não, e fundaram a agricultura moderna. Enfrentaram os jagunços dos latifundiários, mas produziam o seu milho, criavam o porco e assim foram construindo o interior do Paraná.

Na década de 50, para resistir aos latifundiários paulistas, que eram donos das terras daqui sem sequer conhecer a região, os posseiros continuaram ocupando as terras e plantando. Para resistir às pressões da polícia e dos jagunços, criaram seu Sindicato Rural - hoje patronal - por inspiração de João Saldanha, aquele mesmo das Feras da Seleção Brasileira de 1970.

A partir de 1º de abril de 1964 se deu o aprofundamento da repressão sobre os posseiros, ou seja, nossos primeiros produtores rurais. 

Heróis da resistência, como João Zacarias, o João Baiano, Mário de Oliveira e os sindicalistas rurais (outrora era um só sindicato, hoje são dois, de patrões e empregados), foram postos para correr ou presos, torturados, expulsos de seus barracos. Tiveram os lares e as plantações incendiados, as famílias fugindo para não sofrer consequências ainda piores.

Para chegar a isso foi preciso muita luta. Como a de padre Luiz Luíse para criar a cooperativa Copacol, em 1963. A dos bravos agricultores que criaram a Coopavel, em 1970. Dois murros na cara dos atravessadores, a vanguarda capitalista. 

O fantástico movimento de junho de 1985, quando não havia essa estupidez de ruralistas versus sem terra, todos unidos na Marcha da Panela Vazia. E depois, em nova grande demonstração de unidade, na rejeição à injusta política agrícola do governo, que favorecia as transnacionais, no Dia de Protesto, o 10 de março de 1987. Igualmente reunindo com e sem-terras, o Levante da Soja, em junho de 1989, um grande ato contra a ditadura e sua desastrosa política agrícola.

Quando passar diante do monumento construído pelas mãos admiráveis de nosso grande artista Dirceu Rosa, será eternamente necessário recordar a resistência desses cascavelenses que, ao ocupar terras improdutivas, usadas apenas para a especulação por parte dos senhores paulistas, iniciaram essa que é hoje a melhor agricultura do mundo.

Alceu Sperança é escritor. Mais sobre o autor em: (@guizovermelho)

"Creio que teremos que disputar o significado do monumento na "Justiça Poética"!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Javi Poves, o "anarco-beque"

Javi Poves posa com torcedor do Gijón (foto: El País)
"Em vez de hostilidade pelas ruas, o que se deve fazer é ir aos bancos e queimá-los. É preciso cortar cabeças. A sorte dessa parte do mundo é a desgraça do resto". Essa frase – tão atual nessa onda de protestos e crise por países europeus – foi dita por um jovem espanhol com uma história interessante que até pouco tempo fazia parte de um meio onde não se tem por costume a propagação de frases nesse tom.

Pode parecer estranho que essa frase tenha surgido de um então personagem do futebol, que vive seu momento de espetáculo – não pelas belas jogadas dos raros 'neymares da vida' – mas pela espetacularização comercial das mega-transações de cifras astronômicas, patrocínio de grandes multinacionais, sem dúvida um dos negócios mais lucrativos do mundo. Sem falar dos escândalos de corrupção e o verdadeiro assalto ao erário público. Com a palavra os dinossauros da Fifa e o 'intocável' Ricardo Teixeira...  

Mas a estranheza do primeiro momento da frase acima vai embora se analisarmos o 'histórico' do autor da convocação inflamada. Trata-se do jovem Javi Poves, 24 anos – de carreira promissora no 'esporte bretão' – mais que largou a bola por estar na contramão de toda a lógica atual de sua então profissão. 'Cria' das categorias de base do Atlético de Madri, o rebelede zagueiro jogou apenas uma temporada da Liga Espanhola antes de largar o esporte, decisão tomada no fim de julho. Disputou a temporada 2010-2011 pelo Sporting Gijón. 

A decisão pegou de surpresa muitos comentaristas esportivos do país campeão mundial de futebol, mas parece não ter surpreendido companheiros de clube que sempre consideraram o 'bequão' meio estranho. Imagine a reação da 'boleirada' ao ver o zagueiro central lendo o extenso O Capital, de Karl Marx, durante a concentração para uma partida. Pois é assim que o jogador passava os tempos que antecediam as partidas: lendo livros sobre política e teoria econômica.

O que dizer então do episódio do pagamento de um de seus salários. Ao entrar no escritório financeiro do clube, Poves pediu que seu salário fosse entregue pessoalmente em mãos, sem depósito bancário. Questionado, disparou: "Não quero que especulem com meu dinheiro por um segundo qualquer. Não penso em usar um banco". Em outra oportunidade dispensou um carro de premiação afirmando que já teria carro e não necessitaria de mais um.

Mas a declaração de Poves que mais chamou a atenção deste blogueiro foi referente ao M-15 – movimento nascido em 15 de maio na Espanha por meio de jovens nas rede sociais que ficaram conhecido como os 'indignados espanhóis'. A leitura de Poves sobre o movimento é interessante. "O movimento foi criado pelos meios de comunicação com o propósito de canalizar o mal estar social que poderia se converter numa perigosa e incontrolável reação popular contra o sistema para uma mudança mais radical do capitalismo", disse o futebolista que desacredita que 'vias pacíficas' possam promover transformações mais radicais no atual sistema.

Essa leitura de Javi Poves me remeteu a recente artigo sobre protestos deslocados escrito aqui nesse Sítio intitulado: "Cansei... de samba midiático atravessado"

Poves se desligou e rescindiu o contrato com o Gijón no fim de julho às vésperas da pré-temporada. O jogador anunciou que se dedicará aos estudos e pretende formar-se em história. Ideologicamente, Javi Poves também dispensa rótulos: "Me perguntam se sou de direita ou de esquerda. Não sou nada, sou anti-sistema, sou antitudo isso".

E completa: “Quero conhecer o mundo de verdade, saber o que há. Não quero viver prostituído como 99% de todas as pessoas. Se não posso ter uma vida limpa na Espanha, que eu tenha na Birmânia ou onde quer que seja”. Mais uma frase surreal no mundo superficial e sedutor dos garotos-propaganda de cabelos espalhafatosos e chuteiras multicoloridas.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Olga Benário: Ecologia do Pensamento

Maycon numa "prosa" com o assentado Silvio
Os colegas Maycon Corazza e Pedro Sarolli produziram reportagem sobre o Assentamento da Reforma Agrária, Olga Benário, em Santa Tereza do Oeste. O material foi feito para a Revista Verbo, desenvolvida pelos acadêmicos do 5º período de Jornalismo da FAG. O Sítio Coletivo reproduz o material que é um verdadeiro raio-x do assentamento.


Enquanto o agronegócio brasileiro está cada vez mais dependente dos agrotóxicos e transgênicos, alguns agricultores familiares caminham na direção contrária, buscando pelo aprimoramento do debate e da prática ecológica. No Assentamento Olga Benário, em Santa Tereza do Oeste, distante 15 quilômetros de Cascavel, os assentados compreenderam a importância do debate ambiental e avançam na agroecologia (alternativa de agricultura familiar socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável). 

O assentamento foi criado pelo Incra em 2005, em uma fazenda que pertencia a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Dez famílias foram beneficiadas com 5,5 hectares cada, para o desenvolvimento da agricultura e da pecuária. A área comunitária (somando estradas e acessos) totaliza cinco hectares. E quase 30 hectares são de reserva legal e preservação permanente. Um dado importante do assentamento é a sua distância do Parque Nacional do Iguaçu, menos de quatro quilômetros. 

As entradas da área são de chão batido, tendo algumas vias principais largas e outras menores e mais tortuosas, que se encaminham para as casas dos moradores. Árvores de pequeno e médio porte são comuns nas áreas coletivas e variam nas áreas particulares, tanto na quantidade como na espécie, de acordo com o capricho e o tempo de estadia do agricultor. As casas mudam de tamanho, de cor e de detalhes, mas são arquitetonicamente parecidas, simplistas, algumas até sem reboco. O fundo das casas sempre possui algum tipo de barracão, uns pra extração do leite das vacas, outros para agrupar porcos, patos e galinhas; e alguns servem como depósito de materiais, ferramentas e objetos necessários para a atividade agrícola. A horta orgânica faz parte de quase todas as propriedades. Umas maiores em formato de um grande círculo, que além de ter sistema de irrigação elétrico, era abastecida por um poço artesiano localizado ao centro, criando a sensação de um grande “alvo”, se focalizado de cima. As hortaliças da época são a cenoura, a cebolinha, salsinha, rabanete, que fazem parte do cardápio diário dos assentados e também são comercializadas. 

A área comunitária é rudimentar. Grande parte é composta de pasto e grama, com dois barracões de madeira maltratados pelo tempo. O assentamento pediu apoio à prefeitura de Santa Tereza para viabilizar a construção de um galpão novo, que serviria como sede para reuniões e os compromissos da comunidade em geral, mas até hoje os pedidos não foram atendidos. 

Araídes Duarte da Luz, 35 anos, mora com a família, dois filhos e a esposa. Além de agricultor, ele é coordenador do assentamento. Araídes explica que a preocupação com o meio ambiente foi incorporada pelo MST há pouco mais de 10 anos. Segundo ele, o movimento percebeu que a luta pela reforma agrária estava ligada a defesa do meio-ambiente. “O MST surge com a proposta de organizar os sem-terra. Quando ele organiza os sem-terra vão surgindo as demandas do movimento”, afirma. 

A preocupação desses agricultores camponeses está baseada em dados alarmantes. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo desde 2009. Mais de um bilhão de litros de venenos foram jogados nas lavouras, de acordo com dados oficiais. O uso dos transgênicos também é preocupante, e vem ganhando cada vez mais espaço. O documentário "O mundo segundo a Monsanto" destaca os perigos do crescimento de plantações geneticamente modificadas, que, em 2007, cobriam 100 milhões de hectares, com propriedades genéticas patenteadas 90% pela Monsanto.  À frente de tudo isso, uma publicidade ‘pesada’ que serve como cortina de fumaça para as reais intenções da multinacional. 

Para Araídes são os fazendeiros, ou como ele prefere dizer ‘empresários-rurais’, os pilares de sustentação do avanço dessas multinacionais no campo da produção de alimentos. E por trás de tudo isso, um único objetivo: aumentar o lucro a qualquer custo. “Ele não está preocupado se a terra aguenta, se vai contaminar lençóis freáticos, contaminar a água ou se vai ter que derrubar uma árvore. O empresário rural pensa assim, se eu plantar essa qualidade de soja transgênica, então significa que vou faturar tanto por hectare. A terra para eles é como se fosse uma indústria”, explica. 

O assentamento tem uma conduta de comportamento, segmentada em quatro eixos. O primeiro é o eixo econômico, incentivando os agricultores a encontrar uma forma de sobreviver, de ganhar dinheiro, de se sustentar. O segundo é o desenvolvimento cultural. O coordenador afirma que o agricultor do assentamento deve sempre buscar conhecimento, respeitando outras culturas, deixando de lado o individualismo para pensar coletivamente. O terceiro eixo é o ambiental. “Como eu vou ter meu desenvolvimento econômico, se eu não respeitar o meio ambiente? A terra e a água, por exemplo, são elementos importantes. Sem eles não sobrevivemos”, diz Araídes.  O último eixo é a necessidade de autonomia política desses agricultores. O comprometimento deles é com a organização, com as famílias lá assentadas, com o MST e não com políticos ou partidos. 

Os pilares de conduta dos assentados sempre são retomados para que se possa entender qual o pensamento do grupo sobre a atual situação do meio ambiente. Araídes aprova o debate, lembrando sempre que a agroecologia está de um lado, enquanto o agronegócio está de outro. “Eu culturalmente entendi a necessidade do debate envolvendo o tema e os outros três eixos. Essa importância não é só para a família assentada, para mim ou para outro, mas para o novo modelo de sociedade que está aí, essa nova dinâmica”, diz.  De acordo com ele, se o mundo “continuar nesse desenvolvimento industrial da agricultura e do meio urbano, essa contaminação, o mundo não vai agüentar. O mundo uma hora vai explodir.” 

Algumas formas de sustentabilidade já são colocadas em prática pelos assentados. O adubo orgânico é um exemplo de que é possível quebrar o vínculo com os agrotóxicos e transgênicos. Silvio Duarte da Luz, 33 anos, é referência no assunto. “Nós transformamos aquilo que seria jogado fora em adubo. O melhor de tudo é que se trata de algo natural.” Além dele, outros assentados também desenvolvem as técnicas de produção de adubo orgânico em suas propriedades. 

Os assentados têm também alguns projetos para aumentar a produção, utilizando o meio ambiente de forma responsável. Dentre eles estão a agrofloresta, que consiste em um melhor aproveitamento da reserva legal, com a fruticultura. Onde não é necessário derrubar nenhuma árvore e sim plantar algumas frutíferas naquela área, gerando assim mais uma fonte de renda coletiva. Os agricultores já contaram com a ajuda técnica, mas a disponibilidade de tempo ainda os atrapalha na elaboração desse projeto. 

Outra grande meta é conseguir a certificação agroecológica, que reconhece o assentamento como “área orgânica”.  Mas para isso acontecer é necessário seguir uma série de critérios. Não adianta somente cultivar os alimentos de maneira orgânica, mas sim se precaver dos “vizinhos” que utilizam agrotóxicos. O veneno chega ao assentamento pelo vento e, de certa forma, atinge as plantações, contaminando em menor escala a produção. Para evitar o problema, os moradores devem construir um “cinturão verde”, que seria uma barreira de vegetação, uma cerca viva em volta de todo o assentamento. 

Os assentados compreenderam a necessidade de discutir, agir conforme as possibilidades e conscientizar que “antes de ser um negócio, a terra é fonte de vida”. Eles são exemplo de que é possível frear o processo de destruição ambiental que está em curso, principalmente com a ecologia do pensamento. “Nós queremos fazer muito, inclusive, mais do que é possível”, completa Silvio.

Pedro Sarolli entrevista Araídes, coordenador do Olga Benário

Maycon Corazza e Pedro Sarolli são acadêmicos de Jornalismo
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