quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Resistência ao latifúndio e a jagunçada

O Sítio abre a porteira para os ruralistas. Hum? "Você está certo disso?"... indagariam alguns. Teria tido o blogueiro um desvio de conduta ideológica. Antes de ser 'condenado' vou explicar: a Sociedade Rural do Oeste do Paraná, então sob o comando 'gamista' encomendou um monumento à 'resistência dos produtores' contra os sem-terra. Acontece que o monumento foi 'desapropriado' e o significado invertido: "Homenagem à resistência ao latifúndio e a jagunçada". O historiador Alceu Sperança conta melhor essa história no artigo abaixo.


Muito feliz a iniciativa da Sociedade Rural do Oeste do Paraná de homenagear a resistência do produtor rural paranaense, especialmente com a obra de um de nossos mais importantes artistas – Dirceu Rosa.
Tomara ela sirva para acabar com a grande estupidez da atualidade: a incompreensível oposição entre produtores e sem-terras, quando os dois lados são resistentes às históricas injustiças vigentes neste País.

O que foi, afinal, a resistência dos produtores rurais paranaenses, em toda a história? Para não abusar da paciência do leitor, poderíamos resumir essa resistência a momentos fundamentais.  

Até a primeira década do século XX, ninguém queria terras aqui. Não adiantava produzir, pois não havia quem comprasse, nem caminhões ou trens, nem rodovias ou trilhos para transportar a produção. Até a década de 40 se formam os latifúndios no interior do Paraná, garfados por fazendeiros paulistas e oligarcas araucarianos. Na década de 40, com o boom madeireiro resultante da II Guerra, a terra começou a interessar pelos pinheiros e madeiras de lei existentes sobre ela.

Havia duas formas de conseguir pinhais: autorização do governo do Estado, comprar dos paulistas e estrangeiros que mandavam na região ou ocupar. Grande parte das terras do Oeste paranaense foi ocupada, sem a menor preocupação com papelório. 

Na década de 50, grandes interesses latifundiários começaram a “limpar” as terras desses “invasores”, com o apoio dos políticos governistas e da polícia. Mas as ocupações continuaram. Para poder produzir, os primeiros agricultores de ponta do Paraná ocuparam as terras, devolutas ou não, e fundaram a agricultura moderna. Enfrentaram os jagunços dos latifundiários, mas produziam o seu milho, criavam o porco e assim foram construindo o interior do Paraná.

Na década de 50, para resistir aos latifundiários paulistas, que eram donos das terras daqui sem sequer conhecer a região, os posseiros continuaram ocupando as terras e plantando. Para resistir às pressões da polícia e dos jagunços, criaram seu Sindicato Rural - hoje patronal - por inspiração de João Saldanha, aquele mesmo das Feras da Seleção Brasileira de 1970.

A partir de 1º de abril de 1964 se deu o aprofundamento da repressão sobre os posseiros, ou seja, nossos primeiros produtores rurais. 

Heróis da resistência, como João Zacarias, o João Baiano, Mário de Oliveira e os sindicalistas rurais (outrora era um só sindicato, hoje são dois, de patrões e empregados), foram postos para correr ou presos, torturados, expulsos de seus barracos. Tiveram os lares e as plantações incendiados, as famílias fugindo para não sofrer consequências ainda piores.

Para chegar a isso foi preciso muita luta. Como a de padre Luiz Luíse para criar a cooperativa Copacol, em 1963. A dos bravos agricultores que criaram a Coopavel, em 1970. Dois murros na cara dos atravessadores, a vanguarda capitalista. 

O fantástico movimento de junho de 1985, quando não havia essa estupidez de ruralistas versus sem terra, todos unidos na Marcha da Panela Vazia. E depois, em nova grande demonstração de unidade, na rejeição à injusta política agrícola do governo, que favorecia as transnacionais, no Dia de Protesto, o 10 de março de 1987. Igualmente reunindo com e sem-terras, o Levante da Soja, em junho de 1989, um grande ato contra a ditadura e sua desastrosa política agrícola.

Quando passar diante do monumento construído pelas mãos admiráveis de nosso grande artista Dirceu Rosa, será eternamente necessário recordar a resistência desses cascavelenses que, ao ocupar terras improdutivas, usadas apenas para a especulação por parte dos senhores paulistas, iniciaram essa que é hoje a melhor agricultura do mundo.

Alceu Sperança é escritor. Mais sobre o autor em: (@guizovermelho)

"Creio que teremos que disputar o significado do monumento na "Justiça Poética"!

2 comentários:

  1. Esse caso do monumento dos agricultores dizendo "basta" servir mais para lembrar a resistência dos camponeses ao latifúndio e ao jaguncismo lembra o caso da Rua pedro Ivo, no Rio de Janeiro.

    O nome oficial da rua era "Pedro IV", para homenagear o rei de Portugal, que vem a ser o mesmo d. Pedro I, primeiro imperador do Brasil.

    Acontece que um grafiteiro, uma espécie de hacker da época, foi até a placa e pintou um O depois de Pedro IV, ficando "Pedro Ivo".

    Quem é esse Pedro Ivo, que jamais seria homenageado pelos governantes e repentinamente virou nome de rua?

    Trata-se de Pedro Ivo Veloso da Silveira, o militar revolucionário que liderou a Revolução Praieira em Pernambuco e com sua guerrilha foi um precursor da guerra de movimento que Luiz Carlos Prestes tornou um sucesso, depois consagrada pela revolução chinesa.

    É assim que um monumento da burguesia é desapropriado pelo povo: a classe dominante berra muito agora, mas a história dos povos em busca da libertação grita mais alto para sempre.

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  2. Eu acho que o Alceu Esperança capitulou, ao considerar Dirceu Rosa um "grande" artista e ao menosprezar a intensa luta de classe caracterizada na guerra entre os latifundiários da Sociedade Rural e os sem terra...
    E mais considerar que pela história parananese os sem terra e os latifundiários estão no mesmo barco é triste e revoltante.
    Devo lembrá-lo que o monumento foi erguido em homenagem ao Meneghel pelo enfrentamento que realizou junto com dezenas de capangas contra a passagem do grupo de sem-terras que organizavam a 1ª Jornada de Educação do Campo em Cascavel, em 30/11/2006, e realizariam o encerramento da atividade no Acampamento Terra Livre, área ocupada pela Via Campesina, na área da antiga Sygenta em Santa Tereza do Oeste.
    Mesmo lugar onde, um ano depois, um grupo de jagunços organizado pela mesma sociedade rural e pelo Meneghel atacou o acampamento da Via Campesina, e assassinaram o campanheiro Valmir Motta de Oliveira, o Keno.
    Memo lugar onde hoje também há um monumento em aço erguido pelos sem-terra em homenagem ao sem terra assassinado.
    Mas o Alceu Esperança prefere perder seu tempo tecendo "poesia" sobre a estátua do meneghel.
    Cada coisa...

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