quarta-feira, 11 de abril de 2012

A democratização não será televisionada


Nessa semana completam-se 10 anos do golpe de Estado que durou aproximadamente 48 horas na Venezuela. No dia 11 de abril de 2002, a direita venezuelana desencadeou uma ação contra o presidente eleito Hugo Chávez. Uma década depois, no momento em que setores progressistas, movimentos sociais e militantes da comunicação levantam bandeiras pela democratização e por um marco regulatório para as comunicações é importante lembrar do fato, independente de posições ideológicas, de chavistas ou anti-chavistas.

A partir dessa ação - que ficou conhecida como um golpe midiático - é que iniciou-se no país de Bolívar, o "Libertador das Américas", as discussões sobre um marco regulatório dos meios de comunicação, modelo que muitos ativistas, jornalistas e blogueiros puderam conhecer detalhes no 1º Encontro Mundial de Blogueiros, ocorrido no fim do ano passado em Foz do Iguaçu, que contou com a explanação do ex-ministro de Comunicações da Venezuela, Jesse Chacón.

Vale lembrar que o golpe ocorrido 10 anos atrás foi protagonizado por vários setores da elite venezuelana, mas foi liderado por grandes grupos midiáticos, especialmente a Globo Vision e a Venevision. Os detalhes sobre esse golpe fracassado podem ser vistos no documentário: 'A Revolução não será Televisionada'. Lançado em 2003, ele foi dirigido pelos irlandenses Kim Bartley e Donnacha O’ Brian. O título é inspirado no poema de mesmo nome do poeta estadunidense Gil Scott-Heron (que também vale como sugestão).

O documentário mostra a derrocada de uma ação que teve como "mentora intelectual", a grande imprensa venezuelana, que assim como a nossa terra tupiniquim tem por costume cuspir juízos de valores e se auto-intitular a "verdadeira dona da verdade absoluta" (como se realmente existisse alguma).

A curiosidade da obra é que os dois irlandeses "pegaram" por acaso a tentativa de golpe. Eles estavam na Venezuela desde setembro de 2001 com a intenção de documentar o governo bolivariano e o "homem por trás da revolução" (basicamente o cotidiano de Hugo Chávez), porém acabaram sendo surpreendidos pelos momentos que desencadearam o golpe.

A dupla conseguiu captar imagens geniais como a cena das elites comemorando e deliciando-se com champagne no interior do Palácio Miraflores após o golpe, a detenção ilegal do então presidente da República e a posse como "presidente interino" do empresário-militar Pedro Carmona, líder da oposição. Na festa palaciana, destaque para setores conservadores da igreja, exército, donos de meios de comunicação, além de belas mulheres ostentando suas jóias e peles.

Outra cena pitoresca do documentário é o momento em que donas de casa da classe média venezuelana são "orientadas" a iniciarem uma espécie de monitoramento de suas empregadas domésticas, as quais segundo os golpistas, seriam aquelas que iniciariam a revolução "trocando panelas e vassouras por armas de grosso calibre e passariam a sequestrar suas patroas".

Ao longo do filme é exposto o massacre dos cinco canais de televisão privada (com destaque para os dois já citados acima), uma verdadeira cruzada midiática - coberta por fraudes, edições de imagens, manipulações de acontecimentos e deturpação de opiniões - e desmascaradas posteriormente pelos próprios profissionais das emissoras.

Na ocasião da tentativa de golpe, o jornalista Maurice Lemoine, do Le Monde Diplomatique, afirmou que "nunca, mesmo na história latino-americana, a imprensa esteve envolvida tão diretamente em um golpe [de estado]". Aproveitando que no início do mês também comemorou-se o 'Dia do Jornalista', o documentário é uma ótima pedida, especialmente aos que militam por uma comunicação cidadã que, além de informar, deve formar e transformar.

Gil Scott-Heron, falecido em maio do ano passado, pregava: "A revolução não será televisionada, não será trazida pelo seu teatro favorito, não terá aquela atriz bonitinha no papel principal (...)". E na conclusão, apresenta a fórmula: "Será luz, câmera e ação. Tudo ao vivo, nada de cortes ou edições". Assim deverá ser a revolução que trará a verdadeira democratização da comunicação. Assim esperamos.

Abaixo o documentário 'A Revolução não será televisionada', dos irlandenses Kim Bartley e Donnacha O’ Brian


2 comentários:

  1. massa Júlio... grande texto... parabéns camarada.

    ResponderExcluir
  2. Um documento memorável.

    A máscara do imperialismo se estatelou no chão.

    ResponderExcluir