quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"Pensamento político tem que pautar a revolução"

Nildo Ouriques no Seminário em Cascavel (foto: Paulo Porto)
Pautar a revolução social, sobretudo porque o capitalismo dependente é uma formação social histórica monstruosa, que não assegura a vida digna para a maioria da população. Essa deve ser a "pauta" do pensamento político e dos pensadores críticos na visão do professor e economista Nildo Ouriques, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). 

Doutor pela Unam (Universidade Autônoma do México), Nildo esteve recentemente em Cascavel (PR) para participar do V Seminário Nacional Estado e Políticas Sociais, organizado pelo GPPS (Grupo de Pesquisas em Políticas Sociais) da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná). 

Um dos expoentes do pensamento de esquerda na UFSC, onde leciona no Departamento de Economia, o professor é um especialista em América Latina e, desde 2006, dirige o IELA (Instituto de Estudos Latino-Americanos), órgão vinculado a Federal, que discute realidade política e sócio-econômica do nosso continente. 

O catarinense é um crítico das políticas econômicas desenvolvidas em países como o Brasil, classificadas como "desenvolvimentistas", que em sua opinião se constituem em falsas alternativas no processo de transição democrática da América Latina. 

Ele propõe aos desenvolvimentistas uma moratória da dívida pública externa e interna aos moldes do que foi feito no Equador e Argentina. "O Brasil vive uma contradição evidente, quando se gasta 44% de tudo que se arrecada com juros da dívida externa e interna e apenas 0,06% com política habitacional". 

Ainda sobre à dívida, Nildo questiona àqueles que costumeiramente citam a carga tributária do Brasil. "A carga é alta, mas todos sabem que nenhum país se desenvolve com uma carga baixa. O que é preciso entender que a carga é alta porque a dívida é alta, e não o contrário"

Para ele, o sistema político brasileiro foi destruído em 1994 com a implantação do chamado 'pacto de classes'. "Isso se estabeleceu com o Plano Real, esse pacto destruiu nosso sistema, transformou todos os partidos em iguais, não há diferença substancial nas propostas econômicas, todos são comportadinhos, todos dentro do figurino". 

Nildo esteve no terceiro dia do seminário em uma mesa de debates que também contou a presença dos professores Nilson Araújo de Souza [Unila] e Mirian Beatriz Braun [Unioeste]. Após o debate, Nildo conversou com esse blogueiro sobre política, economia e a 'Pátria Grande'. Acompanhe abaixo.

[Sítio Coletivo] Você falou sobre encargos da dívida pública em sua crítica ao desenvolvimentismo. Comente sobre. 
[Nildo Ouriques] A primeira proposta séria aos desenvolvimentistas seria fazer uma moratória da dívida pública externa e interna. Ela é possível, o Equador fez uma auditoria da dívida, teve moratória de 70% e 95% dos credores aceitaram essa redução dos valores pagos, os outros 5% sequer apareceram, pois estavam metidos em falcatruas. Na Argentina houve redução de 70% da dívida. Somente assim teremos políticas públicas eficazes, do contrário é só enxugar gelo, é racionalizar migalhas.

[Sítio] A que passos caminha a dívida pública no Brasil? 
[Nildo] A dívida pública chegou à estratosfera. O FHC [Fernando Henrique Cardoso] assumiu o Ministério da Fazenda com uma dívida de R$ 63 bilhões e deixou em R$ 700 bi. O Lula deixou em R$ 1,34 trilhão e agora com a Dilma chegaremos a R$ 2,6 trilhões. No último ano do Lula foram gastos 33% de tudo que arrecada para pagar essa dívida e hoje se gasta 44%. Enquanto isso são gastos 0,06% para política habitacional, que aquece mercado interno e onde temos um déficit de 10 a 12 milhões de casas. É uma contradição evidente.

[Sítio] Em relação à crise mundial, como avalia essas medidas de austeridade dos governos europeus. No Brasil, por exemplo, tivemos cortes no orçamento.
[Nildo] Isso é um padrão, esse governo sempre está sob austeridade. Por quê? Porque o governo paga os juros, dividendos, comissões e ações da dívida. Isso consome 44% do orçamento, de tal maneira que não tem como não estar sob austeridade. A austeridade se transformou em política econômica permanente, tem hora que aperta mais, tem hora que aperta menos. Isso se sustenta na ideia da classe dominante de que a crise é uma crise fiscal, quando ela não é. Ela é uma crise financeira e não pode ser solucionada com medidas fiscais.

[Sítio] Em relação a América Latina, como avalia o fenômeno que muitos chamam de "nova esquerda" continental.
[Nildo] A nova esquerda surgiu nos anos 60, ela se definiu em relação a velha esquerda que era hegemonizada pelo Partido Comunista, pela ideia que reformas acumulativas no decorrer do tempo constituiriam o socialismo. Isso fracassou. A partir da Revolução Cubana surgiu a possibilidade da construção concreta do socialismo e se rompeu essa tática de conciliação de classes, criando-se a nova esquerda que era fruto dessa revolução. Essa 'nova esquerda' também envelheceu, mas deixou uma herança. Hoje não existe uma nova esquerda, existe o que eu classifico de 'nacionalismo-revolucionário', que fica evidente nos casos da Bolívia, Venezuela e Equador, muito menos na Nicarágua, Argentina, Brasil ou Uruguai. A direita chama de populismo, o que não é verdade. Quando hegemonizado pelas classes populares, como são nos primeiros países que citei, ele se transforma em nacionalismo-revolucionário. Quando hegemonizado pelas classes dominantes ele cai no populismo.

[Sítio] E o Brasil nesse cenário?
[Nildo] O Brasil está abaixo desse nacionalismo-revolucionário, pois houve uma conversão, uma regressão intelectual e política. Hoje o Brasil é peça de estabilidade do sistema capitalista, tanto o governo Lula quanto da Dilma. Agora, esses dois governos eram melhores para as classes populares que os governos do FHC? Eram, com certeza, mas também eram peças em que o capitalismo buscava melhorar as classes populares para firmar o poder do capital.

[Sítio] A grande mídia tem pautado o futuro da Revolução Bolivariana na Venezuela, especialmente depois da doença de Hugo Cháves. Como avalia esse processo?
[Nildo] Primeiramente a direita precisa entender que o Cháves não morreu, ele teve um câncer. A Dilma também teve e hoje goza de boa saúde. A Revolução Bolivariana está centrada na figura e na excepcional capacidade de dirigência do Cháves, mas existe dentro dessa tradição - que ele ajudou a criar - um conjunto de figuras que vão continuar esse processo. Aqueles que apostam que desaparecendo Cháves, desaparecerá a Revolução Boliviariana estão equivocados. É um processo que criou um homem e não um homem que criou um processo.

[Sítio] Como avalia as revoltas indigenistas na Bolívia?
[Nildo] No Equador e na Bolívia a maioria da população é indígena, algo entre 76% e 80% da população, eles não estão nem aí para o desenvolvimento capitalista, eles querem o poder de suas comunidades e vão continuar querendo. Nós não podemos olhar as rebeliões na Bolívia e Equador pelo prisma brasileiro, porque aqui as sociedades são urbanas. Lá elas são indígenas e imensas. Eles querem desenvolver essas culturas em suas comunidades, eles não querem mais fogão, geladeira ou carro, nem viagem internacional.

[Sítio] Em sua palestra, você fala da reforma agrária e diz que ela não pode ser feita dentro do capitalismo.
[Nildo] A reforma agrária foi cancelada por completo por esse atual sistema. O capital deu uma resposta a ela, que implica em priorizar essa agricultura classificada como "alto tecnológica", mas que se baseia em modelo de exportação. A reforma está congelada e não será feita nem por Lula, por Dilma, ou por ninguém. Por dentro dessa atual lógica, o capital encontrou uma forma de valorização do campo que necessita rigorosamente de crimes ecológicos na fronteira, assassinatos de sindicalistas no campo, uma produção vinculada às multinacionais dos adubos e fertilizantes, e, sobretudo, esquecer por completo o mercado interno. Em outros países que realizaram uma reforma agrária, o capital necessitava desse incremento do mercado interno, o capital brasileiro não necessita disso. A reforma agrária é necessária apenas para outro modo de produção, que não é dentro de reformas do capitalismo.

[Sítio] E como pensar numa transformação social efetiva dentro do sistema capitalista?
[Nildo] A gente precisa retomar esse pensamento de revolução social, primeiramente porque o capitalismo dependente é essa coisa horrorosa, é uma formação social histórica monstruosa, que não assegura a vida digna para a maioria da população, que torna a liberdade um privilégio de alguns, é um sistema que não pode sobreviver. Mas temos que entender que tudo isso não pode ser destruído na segunda-feira, eu bem que gostaria (sic), mas isso depende de uma crise, de uma série de fatores. Os que os revolucionários têm que fazer, o pensamento político tem que fazer, é pautar a revolução, teorizar sobre ela. Não será na segunda-feira, daqui há dois ou 15 anos. Realmente não sei, mas nossa função de pensadores críticos é fazer essa teorização permanentemente.

Mais informações sobre o IELA na página: http://www.iela.ufsc.br/
Mais sobre o GPPS/Unioeste em http://www.unioeste.br/projetos/gpps/

2 comentários:

  1. Nildo Ouriques é um dos pensadores marxistas mais importantes do Brasil. O debate mais importante que se trava hoje no País está centrado justamente na questão do nacional-desenvolvimentismo, que é uma agenda vencida pelo avanço arrasador do capitalismo no Brasil desde a ditadura fascista militar-empresarial. Quer dizer, é uma agenda vencida desde a década de 80 e tornada completamente anacrônica depois da vitória do neoliberalismo na década de 90.

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  2. Acredito que a pressão revolucionária vai se desenvolver em cidades menores primeiro e com o tempo vai aumentar a pressão no campo e sobre as maiores. O ser humano está no limite da tolerância, nem o próprio sistema natural aguenta com a exploração que o imperialismo causa a todos, gerando uma série de catastrofes naturais e atentados que são vistos todos os dias. Enquanto hover o pensamento de quanto mais capital melhor, sempre haverá desigualdade. Há inumeros fatores a ser discutido para que isso ocorra e três delas gira em torno da própria educação que tem "pouco" investimento ou até um desvio deste investimento, outra seria a própria ligação da corrupção que mantém o sistema frágil, retirando ou subsidiando o capital, tornando o trabalhador em geral sempre com poder aquisitivo super baixo, e a outra em torno das pessoas colocarem o cooperativismo e deixarem ideais baratos de lado, pensando a longo prazo, e não apenas no final do mês. Deve-se focar necessidades e postergar o excesso, não há uma forma de alimentar todos sem que o capitalista veja que o bem estar geral é o principio da ordem. Alguns problemas construídos por eles próprios acarreta em muita alienação até de seus próprios filhos, que ficaram indignados e com muita vontade, cantaram para um país para ver se acordavam. Muitos desses ídolos já morreram. Cazuza, Renato Russo, Cássia Eller entre muitos. Chico Buarque ainda é um dos poucos, mas não há muitas novidades. Lembrar até o velho Raul Seixas que por mais louco que fosse tinha a filosofia na ponta da lingua e dos dedos...
    "É você olhar no espelho, se sentir um grandessíssimo idiota, saber que é humano ridículo, limitado, que só usa dez por cento
    de sua cabeça animal...".
    O povo precisa de uma nova voz, e enquanto houver cada vez mais besteirol, o caminho para decadência continua. Mas, não é só isso né. Estamos a passo de formiga, mas, há de se haver um investimento futuro que vai alavancar para que o socialismo seja implementado, afinal, não é o desejo de uma pessoa só e logo, assim colaborarei para que tenhamos uma base sólida em expansão.

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