quinta-feira, 9 de junho de 2011

Fronteira Socialmente Incorreta

Rodrigo, Marcão, Teli e Velo
“Hardcore é protesto, a voz dos necessitados...”, diz a composição que também dá nome a banda Socialmente Incorreto e reflete o peso da sonoridade e letras desse quarteto de Foz do Iguaçu que há oito anos vem representando o cenário underground do “velho oeste” paranaense e da Tríplice Fronteira. 

Como já foi dito, esse espaço coletivo tem como um dos focos ampliar a abertura à artistas que produzem de forma independente, especialmente em nossa região. Em razão disso a porteira do sítio foi encancarada para os iguaçuenses Marção Oliveira (guitarra), Rodrigo Barreto (baixo), Cleiton “Telis” (bateria) e Ademar Junior “Velo” (vocal).

Com influências do punk-rock, hardcore nova-iorquino e o rap, mas sem cair em rotulagens, Socialmente Incorreto leva em suas composições a música de protesto, a realidade de nossa fronteira, além de críticas à mídia hegemônica e aos “velhos costumes modernos”.  Em 2007, eles lançaram um álbum homônimo com oito faixas.

Esse blogueiro conheceu pessoalmente a galera do Socialmente que esteve recentemente tocando em Cascavel e aproveitou para trocar uma ideia sobre música e comunicação, que fazem parte da vida dos integrantes da banda. Sem delongas, acompanhe abaixo o bate-papo.

Como e quando surgiu o Socialmente Incorreto?
[Velo] O Socialmente começou em 2003. Dois desocupados, numa quadra de basquete, tiveram a ideia de montar uma banda. Eu tinha algumas composições, já com algumas bases toscas. Chamamos mais dois desocupados e a merda tava feita.
[Marcão] Eu não era um dos desocupados. Entrei na banda logo após a gravação do CD, em 2008. O Teli (bateria) entrou em 2009.

Como definem a cena Hardcore e underground em Foz e o que representa para vocês?
[Velo] Com toda a sinceridade, hoje pouco se vê dessa cena. Alguns poucos remanescentes das boas épocas. O que acontecia antes - sempre tinha uma piazada nova - não se vê mais. Acho que perdemos pros ‘emos’ e pros ‘coloridos’.
[Marcão] O Velo bateu num ponto importante: falta renovação. A época em que a molecada corria atrás de galpões para alugar; percorria ruas da cidade colando cartazes; distribuía fliers, passou. Houve uma certa acomodação, uma vez que surgiram bares que mantinham a estrutura necessária para os shows. Isso deu fôlego, por um tempo. Como não é fácil manter um bar para um público sem dinheiro, esses lugares acabam fechando. Agora, quem, com 30, 40 anos de idade pesando nas costas, família para manter, contas a pagar, tem gás para recomeçar o processo?

Além do HCNY, que se percebe no álbum, quais as outras influências musicais?
[Velo] O gosto musical da banda varia muito, mas o que me influencia nas composições
são o HC e o Rap.
[Marcão] Eu sempre ouvi de punk rock a rock brasileiro dos anos 80, além de guitar band, entre outras coisas. O Teli (bateria) curte jazz. Claro que não dá pra colocar nas nossas músicas tudo aquilo que gostamos, mas acho que dá pra notar algumas ‘pegadas’ diferentes, principalmente ao vivo.

A realidade da fronteira é “hardcore” por natureza, como influencia nas composições?
[Velo] Somos quase todos nascidos aqui, onde vivemos há muito tempo. Então temos um grande apego a cidade, o que é uma das principais fontes de inspiração na hora de compor.
[Marcão] Um passeio pela Ponte da Amizade, num sábado, rende bastante assunto! (risos)

Em músicas como Ninguém se move e Guerra na Fronteira, vocês falam de luta social e figuras como Lampião e Chico Mendes. Falem um pouco dessa “pegada”.
[Velo] Chico Mendes, Lampião, assim como vários outros - que se eu for citar aqui, vou discorrer milhares de linhas - mostraram que temos o poder da mudança. Escrevemos sobre pessoas que mudaram suas vidas, ou deram suas vidas pelo que acreditavam ser o correto. É importante frisar que não temos laços com nenhum movimento político ou partido. Mas sempre vamos nos impor quando alguém quiser passar por cima. "Se você está abaixo vamos te ajudar a subir, se está acima vamos derrubá-lo, agora, se está ao nosso lado, andaremos juntos".

A fronteira é um local de grande miscigenação, onde afloram preconceitos. Como avaliam?
[Velo] Eu desconheço alguma ação de violência, tendo como partida a discriminação racial, por aqui. Foz do Iguaçu é um exemplo para o mundo. Somos 76 etnias que vivem em perfeita harmonia.
[Marcão] Foz do Iguaçu, como toda região de fronteira internacional, sofre com todo tipo de problema, e não é de hoje. Agora, daí a taxar a cidade como um reduto terrorista vai uma distância tremenda. O preconceito contra Foz parte da desinformação da mídia e, consequentemente, da população de outras cidades. Pior que isso, é o descaso de muitos moradores daqui. É normal iguaçuenses caracterizarem a cidade como ‘terra da muamba’, ‘Fossa do Iguaçu’, e por aí vai.

Alguns de vocês trabalham com comunicação. Na música A corda não arrebenta deste lado há uma crítica a televisão. Como a banda avalia a grande mídia, a “mídia limpinha”?
[Velo] Eu sou publicitário, profissão que impõe o consumo desenfreado. O Marcão é jornalista, profissão que distorce as informações e deixa a população cada vez mais tapada. Tentamos fazer diferente do que nossas profissões pregam e deve ser por isso que andamos a pé! (risos).
[Marcão] A forma como a população se relaciona com a mídia deriva de décadas de manipulação. Tentativas para combater essa situação não faltam, seja na imprensa alternativa, seja em organizações que pregam a democratização da informação no país. Mas não é fácil. O imaginário popular ainda se concentra nas ‘verdades’ disseminadas, com bases em interesses particulares, pelos grandes grupos econômicos. Um exemplo: todos comemoraram a morte de Osama Bin Laden. Mas não se sabe qual a real história desse caso. Ele realmente foi morto? Não vi nada que comprovasse isso. A morte dele era necessária? Pouco se questiona sobre isso, mas a ‘informação’ correu o mundo. E fica por isso mesmo.    

Como avaliam o fenômeno dos blogs e da imprensa alternativa?
[Marcão] Eu diria que a trincheira está montada. A tecnologia favoreceu o surgimento de veículos alternativos dispostos a questionar o atual status quo. O Sítio Coletivo é um ótimo exemplo! O boom de informações na rede colocou em xeque uma porção de veículos. Ainda há um longo percurso, mas as mentiras contadas pelos grandes grupos de comunicação passaram a ser questionadas, e isso não é pouca coisa.

Quais os planos da banda e aproveitem para deixar um recado aos “sitiantes”.
[Marcão] Na verdade, não temos feito muitos planos. Somos amigos, que gostam do que fazem. O Socialmente Incorreto tem resistido mais pela nossa boa relação do que por planejamento (risos). Por hora, tem dado certo. Queria aqui agradecer o espaço, Júlio! E também desejar longa vida ao Sítio Coletivo. Fazemos parte da mesma guerrilha! Grande abraço.

Acompanhem abaixo o vídeo de Guerra na Fronteira, que compõe o álbum de 2007


Mais informações em: www.myspace.com/socialmenteincorreto.

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