quinta-feira, 5 de abril de 2012

Quando 'neofascistas' criam verdades e vilões

Com sucessivas vitórias no Congresso, a bancada ruralista vem conseguindo alterar legislações em prol de especuladores de terra, grileiros e grandes latifundiários do agronegócio brasileiro. Os últimos golpes desse setor - que apesar de travestido na figura do desenvolvimento representa o que há de mais atrasado no Congresso - têm deixado marcas profundas que podem significar nova tensão no campo brasileiro.

Recentemente, os ruralistas do parlamento conseguiram a aprovação da PEC 215/2000, que visa transferir da União para o Congresso a prerrogativa de demarcar e homologar terras indígenas e quilombolas. Uma outra PEC, de número 038/1999, também tramita na Casa de Leis. Ambas as propostas tem o mesmo conteúdo e poderão significar uma 'nova invasão colonial' em terras tradicionais. 


Após aprovada, a PEC 215 motivou entusiasmo de alguns deputados que foram à público comemorar um eventual massacre dos 'povos de nossas florestas'. Verdadeiras pérolas foram disparadas, que nos remeteram a outras épocas, quando homens públicos falavam abertamente sobre 'limpezas étnicas'. 

O Congresso está repleto de parlamentares que obtiveram sucesso por meio de seus financiadores de campanha, dentre eles, empresas multinacionais do agronegócio, de maquinários agrícolas, insumos e agrotóxicos. Traduzindo em miúdos, a intenção da PEC é repassar para a raposa a vigia do galinheiro.

Ao ressuscitarem a PEC, os deputados pretendem rasgar a Constituição e descumprir acordos nacionais e internacionais. A proposta é antiga, foi apresentada há 12 anos pelo então deputado Almir Sá, do extinto PPB, hoje o 'progressista' PP. Já o relator é o paranaense Osmar Serraglio, peemedebista e, obviamente, outro ruralista.
 


Entre os que votaram a favor na CCJ, o 'democrata' Abelardo Lupion e entre os grandes defensores, outro paranaense: Nelson Padovani, de base eleitoral no Oeste do Estado. Esse último concedeu recente entrevista à CBN Cascavel, onde mostrou total desconhecimento sobre a temática indígena. Nela, o parlamentar soltou verdadeiras pérolas no quesito 'antropologia'. Ao tentar justificar a redução de terras aos povos indígenas, Padovani disparou: "os índios representam 0,43% de nossa população, eles não chegam a nem meio por cento".

Essa declaração me fez lembrar recente artigo publicado pelo jornalista e Doutor em História, José Ribamar Bessa Freire, que ao escrever sobre a aprovação da PEC lembrou de discurso da sessão magna das comemorações do 4º Centenário do Descobrimento do Brasil, onde o engenheiro Paulo de Frontin, empossado depois como prefeito do Rio de Janeiro, disparou: "Os selvícolas (...), não são nem podem ser considerados parte integrante da nossa nacionalidade; a esta cabe assimilá-los e, não o conseguindo, eliminá-los".


Voltando ao Padovani, ele ainda fez acusações graves, alegando que os indígenas - acobertados por órgãos como a FUNAI - estariam enterrando cadáveres de seus próprios com o intuito de tentar comprovar cemitérios de terras tradicionais. Quanto às provas, o deputado resumiu-se a dizer que "o índio quando toma cachaça conta a verdade", demonstrando preconceito e sendo extremante infeliz ao tratar do problema do alcoolismo.

A 'aula' do parlamentar sobre os indígenas durou pouco, mas terminou com chave de ouro: "É quilombola, é índio, é sem-terra, o trabalhador brasileiro já não agüenta mais (...)", esbravejou nas ondas da rádio, o representante do Partido Cristão. As declarações do político e empresário do setor de maquinários agrícolas expressam a opinião de setores elitistas da sociedade que demonstram desconhecimento, ignorância e má-fé quando o tema são os povos tradicionais.

Não raro ouvirmos que é "inconveniente os índios terem tanta terra", afinal, para esses conhecedores da causa, esses povos representam "atraso à nossa pujante economia". Querem relegar aos indígenas, camponeses, quilombolas e ribeirinhos, pequenas e cercadas porções de terras, afinal, "eles não contribuem para riqueza do país produzindo para exportação (sic)".


Confesso que me repugna ouvir declarações tão rasas de um homem público e entristece ver esses juízos de valores reproduzidos por setores de nossa sociedade, porém elas dão margem para povos indígenas e camponeses fazerem o seguinte questionamento: "é justo o homem branco ter tanta terra (ou lote) para fazer especulação?"


Para quem não acompanhou a entrevista citada no texto acima. 'Deliciem-se' com o link.
 

Um comentário:

  1. Conseguiram fazer a plavra "agronegócio" virar palavrão, o que é péssimo para eles próprios.

    Imagino os netos dessa gente:

    -Vovô desmatou, papai impermeabilizou o solo urbano e eu estou com câncer letal aqui no condomínio de luxo. Por que será?

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