Campesina em protesto contra impunidade (foto: AP) |
Nos textos anteriores compartilhei uma entrevista com o cartunista Carlos Latuff que esteve em Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná. Ele aproveitou para atravessar a fronteira e conhecer a realidade agrária do Paraguai, país de maior taxa de concentração de terra de toda a América. Por lá conheceu dois assentamentos sem-terra, o 'Los Comunales' e o 'Primavera', no distrito de Mingua Guazú, departamento do Alto Paraná.
Apesar de estarmos tão próximos da tríplice fronteira e, consequentemente de nosso país irmão, temos poucas informações da mídia sobre a questão agrária do Paraguai, quando pouco algumas tentativas de criar um clima de animosidade de agricultores paraguaios com "brasiguaios", pois na mente dos tradicionais "fabricantes da opinião pública", à nação vizinha não lhe cabe soberania, pois não passa de uma "terra de contrabando e descaminho" que precisa ter sua fronteira vigiada pelas autoridades estatais.
O Paraguai é o país de maior concentração fundiária do continente, uma nação onde 10% da população mais pobre recebe cerca de 0,6% dos ingressos, enquanto os 10% mais ricos se apoderam de 45,5% da renda nacional. O agronegócio se expande pelas terras paraguaias com a monocultura da "sojificação" e aliado a isso cresce também o número de assentamentos em disputa, ameaças e agressões a lideranças de movimentos sociais formados por campesinos e indígenas.
O atual governo, por sua vez, que na teoria é de caráter "progressista" tem adotado postura conservadora em relação a um projeto de reforma agrária no país, enquanto a Justiça Paraguaia se mostra ineficaz na resolução dos conflitos agrários, tendo na impunidade uma de suas grandes marcas.
Uma amostra dessa impunidade completa 1 ano neste dia 26 de novembro: o assassinato de Mariano Jara, um dos coordenadores do MCP (Movimiento Campesino Paraguayo). O crime segue com suas investigações estagnadas e o principal suspeito da execução segue solto – mesmo diante da série de indícios que comprovam sua participação – e sem qualquer previsão de julgamento do acusado.
Mariano Roque Jara Baez foi morto no dia 26 de novembro de 2010 no distrito de Curuguaty, Departamento de Canindeyú. A vítima foi executada em plena luz do dia, após um evento organizado pela Itaipu Binacional em parceria com os movimentos sociais camponeses, que receberam maquinários agrícolas.
No horário de sua 'siesta', Mariano avaliava o evento sentado na varanda de sua residência, momento em que um pistoleiro a bordo de um motocicleta parou em frente a moradia e pediu se "ali morava Mariano Jara" e, diante da resposta positiva, sacou uma pistola 357 e disparou. Nove tiros atingiram Mariano.
Após ouvir os tiros, o filho e a sobrinha de Mariano foram até a varanda a tempo de verem o motoqueiro em fuga. Perseguido por camponeses e policiais e após conseguir furar um bloqueio, o acusado identificado como um cidadão brasileiro chamado Luis Carlos Faustino foi capturado 20 minutos depois do crime. A identificação foi possível em virtude do acusado ter deixado cair documentos, aparelho celular e passagens de ônibus durante sua fuga.
Pressão política
Menos de 48 horas após o crime, o acusado foi liberado sob o argumento das autoridades de "que não haveria evidências que comprovassem a participação de Faustino no crime", mesmo diante do flagrante. As autoridades responsáveis também desqualificaram o depoimento de uma série de testemunhas que reconheceram Luis Carlos Faustino.
Segundo informações do MCP, políticos ligados ao Partido Colorado estiveram na sede da delegacia exigindo a soltura do brasileiro, entre eles o ex-deputado e atual vereador de Curuguaty, Julio Colmán, o empresário do ramo madeireiro e também vereador Juan Pio Ramirez e atual governadora de Canindeyú, Cristina Amarilla.
Luis Aguayo, secretário-geral da MCNOC (Mesa Coordenadora Nacional das Organizações Campesinas) também confirma essa "pressão política" e repudia a gestão da promotora do Ministério Público, Ninfa Aguilar, que autorizou a liberação do acusado. "Vários elementos comprovam a participação de Faustino, sua liberação foi uma negligência".
Após ordenar a liberação e diante da reação contrária de movimentos sociais, a promotora responsável foi afastada das investigações. Outros fiscais chegaram a tomar frente nas investigações, mas a apuração – segundo integrantes da MCP – simplesmente parou. Segundos os líderes do movimento campesino, a contaminação e a pressão de políticos e latifundiários na Justiça paraguaia colaboram para esse cenário de impunidade.
Outra suspeita é que a morte de Mariano Jará possa estar relacionada com sua militância política, visto que nas últimas eleições do Departamento, o líder camponês teria manifestado apoio ao Partido dos Trabalhadores Paraguaio, grupo rival ao Partido Colorado.
Em carta, dirigentes de movimentos sociais e do PT paraguaio pedem punição aos responsáveis e um basta à criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra. O documento também denuncia a procuradora Ninfa Aguilar e os vereadores Julio Colmán e Pío Ramirez, como cúmplices da execução de Mariano.
Um abaixo-assinado pedindo urgência na investigação, prisão e condenação dos mandantes e do executor do crime vem sendo organizado nos últimos meses por líderes religiosos, políticos, sindicalistas, movimentos sociais e da sociedade civil em conjunto com diferentes organizações de Direitos Humanos do Brasil e de outros países. O documento deve ser entregue em mãos do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, no início de 2012.
Brasileiros
Conforme relatos de integrantes do MCP, a participação de brasileiros em conflitos relacionados à disputa de terra no Paraguai é comum. Os pistoleiros são "importados" para o serviço conhecido como "sicariato" (assassinato por encomenda), mediante contratação por parte de políticos e grandes proprietários de terra. Segundo os movimentos sociais, é uma prática utilizada pela "burguesia rural com o intuito de intimidar e desmobilizar a luta pela terra assassinando dirigentes sociais". No mês de julho, por exemplo, quatro pessoas foram mortas por pistoleiros brasileiros no Departamento de Amambay.
Impossível não relembrar Marx: o capitalismo pinga sangue e sujeira da cabeça aos pés.
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