quinta-feira, 20 de março de 2014

Comissão da Verdade realiza audiência em Cascavel

Audiência pública no auditório da Unioeste em Cascavel
A repressão agiu no interior do Paraná com prisões de lideranças sindicais, de agricultores e membros dos chamados 'Grupos dos Onze'. Pessoas que tinham em comum o fato de resistirem no período mais violento e perverso da ditadura militar brasileira, onde graves violações de direitos humanos se estenderam por todo o país. No Oeste e Sudoeste do Estado não foi diferente, ainda que a memória dominante insista no contrário, afirmando que as regiões não foram atingidas pelo regime instaurado com o golpe de 1º de abril de 1964. 

Neste sentido, de contrapor ao ideário dominante, que a Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) recebeu integrantes da Comissão Estadual da Verdade para uma audiência pública com o objetivo de dar voz as pessoas que resistiram a ditadura ou que foram vítimas de violações. No primeiro dia de atividades, nesta quinta-feira (20/03), foram 17 depoimentos públicos de integrantes da Guerrilha de Três Passos, do movimento dos Grupos dos Onze, além de familiares de vítimas do golpe que está prestes de completar 50 anos.

Os destaques do primeiro dia de atividades foram os relatos dos irmãos Valdetar Antônio Dorneles e Abrão Antônio Dorneles, sobreviventes da Guerrilha de Três Passos. Em 17 de março de 1965, um pouco antes de completar um ano o golpe civil-militar que derrubou o governo do presidente João Goulart, o grupo constituído por 23 homens - entre camponeses, militares e profissionais liberais - de origem trabalhista/brizolista foram protagonistas da primeira ação armada contra a ditadura.

Valdetar Dorneles, ex-guerrilheiro
A chamada 'Operação Três Passos' foi a primeira ação brasileira de guerrilha rural contra o governo militar. "Participamos da primeira reforma agrária do país, feita pelo governador Leonel Brizola, iniciamos a guerrilha com um mosquete e três rifles e durante uma ação num destacamento apanhamos outros 65 rifles e munição", recorda Valdetar, que cumpriu pena em várias prisões como preso político.

Residente em Três Passos (RS), Valdetar esclareceu que a região sudoeste do Paraná foi palco de vários episódios marcantes do período. "Um dos fatos mais marcantes foi nossa passagem por Santo Antonio do Sudoeste, onde um caminhão carregado de guerrilheiros parou para abastecer. Essa região foi onde se originou o maior 'Grupo dos Onze' do país", comenta.

Submetido a violentas torturas no 1º Batalhão de Fronteiras, em Foz do Iguaçu, Valdetar ainda carrega as marcas e cicatrizes da época. "Quando vejo as marcas lembro de minha mãe me abraçando e dizendo que era melhor viver lutando do que morrer como escravo dessa cambada", recorda emocionado, e conclui: "Até hoje sofro as consequências em minha cidade, alguns dizem "lá vai o comunista que tomou Três Passos", especialmente os da elite de minha cidade". 

 
Além de heróis da resistência, familiares daqueles que lutaram contra a repressão também deram relatos públicos; entre elas a paraguaia Domiciana Gímenez Gamarra, filha de Remígio Gímenez Gamarra, preso político sequestrado por policiais na região de Vila Portes (Foz do Iguaçu) e levado à prisão em Assunção. Integrante do 'Movimento14 de Maio', Remígio fez greve de fome na prisão e seu caso foi denunciado à Anistia Internacional. À época, a mãe de Domiciana enviou carta ao general Ernesto Geisel, então presidente do Brasil. Foi um típico caso de conivência entre duas ditaduras latino americanas. 


Domiciana Gímenez, filha de Remígio Gimenez
"Os 11 companheiros"
 

Na período da tarde, os depoimentos ficaram concentrados nos integrantes dos chamados 'Grupos dos Onze'. Foram ouvidos relatos de moradores de Barracão, Santo Antonio do Sudoeste e Capanema.  A partir de outubro de 1963, sob o comando de Leonel Brizola, surgia no Brasil o movimento, de cunho nacionalista, formado de modo espontâneo. Após ouvirem conclamações do líder gaúcho pelo rádio, as pessoas, muitas delas agricultores, deslocavam-se de casa em casa buscando assinaturas para a 'lista dos onze companheiros'.

Os grupos surgem durante a chamada ‘Campanha da Legalidade’. "Inspirados no governador Leonel Brizola, formamos esses grupos de resistência para defender as conquistas democráticas e resistir as tentativas de golpe", comenta Lauro Rossini, natural de Capanema. "Nosso primeiro objetivo era discutir a reforma agrária, não queríamos derramamento de sangue, mas sim o estabelecimento da ordem e legalidade constitucional", recorda.

Segundo dia


Na manhã desta sexta-feira (20/03), será dada continuidade a Audiência Pública da Comissão Estadual da Verdade em Cascavel, com depoimentos de lideranças Guarani sobre violações contra indígenas no oeste e sudoeste do Paraná no período militar e os impactos da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.

Há registros documentais e relatos orais de queima de casas, ameaças e agressões físicas, com envolvimento de policiais e servidores do Incra na década de 70. Essas violências aconteceram no contexto da construção de usina durante a administração da Funai e Itaipu pelo coronel Nobre da Veiga e o general José Costa Cavalcanti.

Nestes casos há ainda registro da intervenção de agentes vinculados ao SNI e Polícia Federal. Entre os depoentes estará Onório Karai Benitez, "chamoy" (rezador) da comunidade de Itamarã, em Diamante do Oeste, além do professor Teodoro Tupã Alves. O segundo dia de trabalhos da audiência tem início às 9 horas, no auditório da Unioeste, campus de Cascavel.

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