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Eduardo Galeano: paixão pelo futebol |
A FIFA, que tem trono e corte em Zurique, o Comitê Olímpico
Internacional, que reina de Lausanne e a empresa ISL Marketing, que tece seus negócios
em Lucerna, manejam os campeonatos mundiais de futebol e as olimpíadas. Como se
vê, as três poderosas organizações têm sua sede na Suíça, um país que ficou
famoso pela pontaria de Guilherme Tell, a precisão de seus relógios e sua
religiosa devoção ao sigilo bancário.
Casualmente, as três têm um extraordinário sentido do pudor
em tudo o que se refere ao dinheiro que passa por suas mãos e ao que fica em
suas mãos. A ISL Marketing possui, pelo menos até o final do século, os
direitos exclusivos da venda da publicidade nos estádios, os filmes e
videocassetes, as insígnias, flâmulas e mascotes das competições
internacionais. Este negócio pertence aos herdeiros de Adolph Dassler, o
fundador da empresa Adidas, irmão e inimigo do fundador da concorrente Puma.
Quando outorgaram o monopólio desses direitos à família Dassler, Havelange e
Samaranch estavam exercendo o nobre dever da gratidão.
A empresa Adidas, a maior fabricante de artigos esportivos
do mundo, tinha contribuído muito generosamente para construir o poder dos
dois. Em 1990, os Dassler venderam a Adidas ao empresário francês Bernard
Tapie, mas ficaram com a ISL, que a família continua controlando em sociedade
com a agência publicitária japonesa Dentsu. O poder sobre o esporte mundial não
é coisa à toa. No final de 1994, falando em Nova York para um
círculo de homens de negócios, Havelange confessou alguns números, o que nele
não é nada freqüente:
— Posso afirmar que o movimento financeiro do futebol no
mundo alcança, anualmente, a soma de 225 bilhões de dólares. E se vangloriou,
comparando essa fortuna com os 136 bilhões de dólares faturados em 1993 pela
General Motors, que encabeça a lista das maiores corporações multinacionais. Nesse
mesmo discurso, Havelange advertiu que "o futebol é um produto comercial
que deve ser vendido o mais sabiamente possível", e lembrou a primeira lei da
sabedoria no mundo contemporâneo: - É preciso tomar muito cuidado com a
embalagem. A venda dos direitos para a televisão é o veio que mais rende,
dentro da pródiga mina das competições internacionais e a FIFA e o Comitê Olímpico
Internacional recebem a parte do leão do que a telinha paga. O dinheiro
multiplicou-se espetacularmente desde que a televisão começou a transmitir os
torneios mundiais ao vivo para todos os países.
As Olimpíadas de Barcelona receberam da televisão, em 1993,
seiscentas e trinta vezes mais dinheiro que as Olimpíadas de Roma em 1960,
quando a transmissão só chegava ao âmbito nacional. E na hora de decidir quais
serão as empresas anunciantes de cada torneio, tanto Havelange e Samaranch como
a família Dassler são claros: é preciso escolher quem paga mais. A máquina que transforma toda
paixão em dinheiro não pode se dar ao luxo de promover os produtos mais sadios
e mais aconselháveis para a vida esportiva: pura e simplesmente se põe sempre a
serviço da melhor oferta, e só lhe interessa saber se o Mastercard paga melhor
ou pior do que o Visa e se a Fuji-film põe ou não põe sobre a mesa mais
dinheiro que a Kodak. A Coca-Cola, nutritivo elixir que não pode faltar no corpo
de nenhum atleta, encabeça sempre a lista. Suas virtudes milionárias a deixam
fora de qualquer discussão.
Neste futebol de fim de século, tão pendente do marketing e
dos sponsors, nada tem de surpreendente que alguns dos times mais importantes
da Europa sejam empresas que pertencem a outras empresas. O Juventus, de Turim,
faz parte, como a Fiat, do grupo Agnelli. O Milan integra a constelação de trezentas
empresas do grupo Berlusconi. O Parma é da Parmalat. O Sampdoria, do grupo petroleiro
Mantovani. O Fiorentina, do produtor de cinema Cecchi Gori. O Olympique de
Marselha foi lançado ao primeiro plano do futebol europeu quando se transformou
numa das empresas de Bernard Tapie, até que um escândalo provocado por um suborno
arruinou o empresário de êxito.
O Paris Saint-Germain pertence ao Canal Plus da Televisão. A
Peugeot, sponsor do Sochaux, é também dona de seu estádio. A Philips é a dona
do time holandês PSV Eindhoven. Se chamam Bayer os dois clubes da primeira
divisão alemã que a empresa financia: o Bayer Leverkusen e o Bayer Uerdingen. O
inventor e dono dos computadores Astrad é também proprietário do time britânico
Tottenham Hotspur, cujas ações são cotadas na bolsa, e o Blackburn Rover pertence
ao grupo Walker. No Japão, onde o futebol profissional tem pouco tempo de vida,
as principais empresas fundaram times e contrataram astros internacionais, a
partir da certeza de que o futebol é um idioma universal que pode contribuir
para a projeção de seus negócios no mundo inteiro. A empresa elétrica Furukawa
fundou o Jeff United de Ichihara e contratou o astro alemão Pierre Littbarski e
os tchecos Frantisek e Pavel. A Toyota criou o Grampus de Nagoya, que contou em
suas fileiras com o artilheiro inglês Gary Lineker. O veterano mas sempre brilhante
Zico jogou no Kashima, que pertence ao grupo industrial e financeiro Sumitomo.
As empresas Mazda, Mitsubishi, Nissan, Panasonic e Japan Airlines também têm
seus próprios times de futebol.
O time pode perder dinheiro, mas este detalhe carece de
importância se propicia boa imagem à constelação de negócios que integra. Por
isso, a propriedade não é secreta: o futebol serve à publicidade das empresas e
no mundo não existe um instrumento de maior alcance popular para as relações públicas.
Quando Silvio Berlusconi comprou o Milan, que estava em bancarrota, iniciou sua
nova era desenvolvendo toda a coreografia de um grande lançamento publicitário.
Numa tarde de 1987, os onze jogadores do Milan desceram lentamente de um helicóptero
no centro do estádio, enquanto nos alto-falantes cavalgavamas Walkirias de
Wagner. Bernard Tapie, outro especialista em seu próprio protagonismo,
costumava celebrar as vitórias do Olympique com grandes festas, fulgurantes de
fogos artificiais e raios laser, onde trepidavam as melhores bandas de rock.
O futebol, fonte de emoções populares, gera fama e poder. Os
clubes que têm certa autonomia, e que não dependem diretamente de outras empresas,
são habitualmente dirigidos por opacos homens de negócios e políticos de
segunda que utilizam o futebol como uma catapulta de prestígio para lançar-se
ao primeiro plano da popularidade. Há, também, raros casos inversos: homens que
põem sua bem merecida fama a serviço do futebol, como o cantor inglês Elton
John, que foi presidente do Watford, o time de seus amores, ou o diretor de
cinema Francisco Lombardi, que preside o Sporting Cristal do Peru.
Trecho do livro 'Futebol ao sol e a sombra', de Eduardo Galeano