quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Greves: O teto de vidro da mídia (parte 2)

João Saldanha discursa (arquivo PCB)
Os "sitiantes" que acompanham esse blog vão perceber que esse texto é uma reedição (adaptada ao momento), mas que é providencial por dois motivos. O primeiro é que nos últimos três meses, o governo de Dilma Rousseff enfrenta - com um silêncio bucólico - mais de 30 trinta greves distintas de funcionários públicos federais, com destaque especial para as universidades federais.

O segundo motivo foi uma foto dos arquivos do 'Partidão', compartilhada nas redes sociais pelo camarada Alceu Sperança, que traz o saudoso João Saldanha discursando em defesa da liberdade sindical. Pois bem, a imagem me fez lembrar que a única resposta até então do governo federal foi um decreto arbitrário que busca substituir os grevistas que "saírem da linha" por funcionários terceirizados.

O atual cenário faz com que 2012 seja taxado como o "ano em que o Brasil parou", o que me remete (novamente) ao ano de 1968, que ficou conhecido como o "orgasmo da história". O ano foi marcado por uma série de manifestações que eclodiram pelo todo mundo, iniciadas pelo movimento de Maio de 68. Esse movimento foi protagonizado por estudantes, mas que reuniu desde profissionais de rádio e televisão até técnicos de escritórios de planejamento.

Neste mesmo ano, nos Estados Unidos, era assassinado o ativista dos direitos humanos Martin Luther King. No mês de abril, dias antes do crime, ele liderou uma marcha em apoio a uma greve que reuniu mais de 1,3 mil funcionários negros da limpeza pública que lutavam por melhores condições de trabalho e salários decentes.

Na ocasião, a paralisação dos trabalhadores já durava cerca de dois meses e a marcha foi reprimida com violência dos órgãos repressores do Estado. King dizia que a "greve é a linguagem dos não-ouvidos". Linguagem é comunicação e, quando falamos em greve, a comunicação social tem um papel fundamental e os meios que propagam informação devem agir com responsabilidade.

Pois bem, voltando aos dias atuais, gostaria novamente de fazer algumas ponderações ao objeto principal do texto: a abordagem das greves e paralisações por parte da comunicação de massa. Como de praxe - ainda que de forma velada - a mídia segue sua ofensiva diante das greves. Nenhum meio de comunicação (seja ele grande, de circulação nacional, seja ele regional ou local, que reproduz as mesmas visões e juízos) ataca de forma direta o direito de greve. Não pela falta de vontade em si, mas por não terem coragem de investir contra um direito que foi conquistado ainda no século 19, com o esforço, sacrifício e sangue de trabalhadores.

Como não podem atacar o direito constitucional de greve fazem ofensivas direcionadas em cada paralisação, especialmente quando as greves acontecem no setor público. É raro (quase surreal) quando a mídia admite que uma greve é justa. Para ela, todas as mobilizações são "abusivas" e foco da cobertura está sempre nas pessoas prejudicadas (o usuário/consumidor) e nunca no trabalhador grevista.

Obviamente que as greves prejudicam a população, ninguém seria "purista" ou negligente ao ponto de negar este fato, porém esse acaba sendo o único dado focado nas manchetes de "jornalões" ou "jornalinhos". Enquanto os verdadeiros responsáveis por essa onda de greve - que não são os trabalhadores, mas os patrões (vide governos) - nunca pagam o pato nesta história.

A forma pejorativa das abordagens sobre greves, por vezes, beira a ingenuidade quando o receptor da informação é alguém que tem uma mínima noção de como funciona a relação empregador/empregado e de como se dá a luta de classes em nossa sociedade. Seja no espaço maior dado ao empregador, seja na ausência do aprofundamento das pautas dos trabalhadores ou ainda na tentativa maldosa de sempre jogar grevistas contra a população.

Direito constitucional

A greve é um direito assegurado na Constituição. É importante (e um dever) que a imprensa se preocupe com a população de uma maneira geral, mas não pode agir de forma irresponsável, incitando a ira do trabalhador/usuário contra trabalhador/servidor, pois este pode e deve fazer o uso das ferramentas que disponibiliza para buscar seus direitos (ferramentas que são poucas diante da força do capital).

Apesar de ser um direito que deixou de ser criminalizado há mais de meio século para entrar na ordem constitucional, a imprensa (com raras exceções) continua a "marginalizar" grevistas. Já o Estado - que serve ao sistema e atua em sintonia com esses meios - sempre tentou indiretamente, por meio de leis ordinárias, reprimir esse direito. Na época da ditadura civil-militar (chamada por alguns de "revolução de 64") eram costumeiras as intervenções aos sindicatos, as demissões em massa e as prisões. Ainda no campo histórico, a greve foi uma das bandeiras dos trabalhadores na Constituinte de 1986, assegurada em definitivo na redação do artigo 9º da Constituição Federal de 1988.

Estando claro que a paralisação é um direito, vamos a outros fatos (nem sempre pautados): a atual legislação obriga a publicação de editais de greve com 72 horas de antecedência das paralisações. Após a publicação, o Ministério Público do Trabalho ingressa com um pedido de liminar sobre a greve. Antes mesmo da greve se iniciar os Tribunais Regionais do Trabalho concedem liminares exigindo que determinada porcentagem dos trabalhadores permaneçam nos postos, assegurando o atendimento dos serviços considerados "inadiáveis". Diante disso também são estabelecidas multas diárias se os sindicatos descumprirem ordens judiciais, em multas e percentuais que variam de acordo com cada região.

Voltando a atual conjuntura da relação empregador/empregado, estamos assistindo uma retomada gradativa da capacidade de luta do movimento sindical - ainda tímida em relação a outras épocas - onde acompanhamos algumas conquistas de aumentos reais e recuperação de perdas acumulada nos últimos anos. Mas - paralelo a essa tímida retomada de luta - vemos uma campanha (nada tímida) de grandes veículos de comunicação que seguem jogando a população contra grevistas, não permitindo que essa mesma população entenda as reivindicações desses trabalhadores. 

Concluindo meu raciocínio, faço aqui o papel de "advogado do diabo", ao tentar decodificar essa relação da mídia e as greves: nesse complexo e turbulento relacionamento teriam os meios de comunicação o complexo do "teto de vidro"? Afinal, que moral algumas empresas de comunicação teriam de propagar que uma greve é justa, destacando questões como precarização de mão de obra, melhores condições de trabalho e direito de empregados (conhecidos também como "colaboradores"), quando esses meios não são os melhores exemplos para o assunto dentro de seus próprios currais?

Enfim, essa é uma mosca no meu quarto a zumbizar... e viva o João Sem Medo!  

2 comentários:

  1. João sem Medo foi o camarada que iniciou o movimento sindical em Cascavel, ao lado de Tarquínio Joslin dos Santos, Durval Hoff e outros inesquecíveis camaradas.

    Foram perseguidos por suas lutas mas se tornaram invencíveis, porque tudo aquilo em que acreditaram está sendo continuado por nós, as novas gerações.

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  2. Grande Julio, excelente texto.

    Você deve imaginar a minha posição política, porém tenho visto o governo federal pecando miseravelmente no que concerne à greve dos docentes. Nem sempre uma greve reflete demandas reais e justas, mas, por direito, deve ser encarada como tal. Não estou afirmando que as greves atuais são equivocadas, longe disso, apenas ressalto a importância de se analisar as reivindicações e a possibilidade de implantá-las.

    A falta de diálogo que vem se arrastando por semanas depõe contra a relação sadia que devia se estabelecer entre governo, população e grevistas. A União parece inalcançável, sobre um pedestal de arrogância e destratos.

    O agravo da não informação e da deturpação dos motivos reais de uma paralisação, agradeço aqui à nossa mídia exemplar, apenas fomenta essa desinteligência.

    No mais, o motivo pelo qual veículos de imprensa cismam em cegar ou desviar o público, é claramente um assínte à harmonia social, política e trabalhista que tanto buscamos.

    Parabéns!

    Lucas L. Sonda

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