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João Saldanha discursa (arquivo PCB) |
O
segundo motivo foi uma foto dos arquivos do 'Partidão', compartilhada nas redes sociais pelo
camarada Alceu Sperança, que traz o saudoso João Saldanha discursando em defesa
da liberdade sindical. Pois bem, a imagem me fez lembrar que a única resposta
até então do governo federal foi um decreto arbitrário que busca substituir os
grevistas que "saírem da linha" por funcionários terceirizados.
O
atual cenário faz com que 2012 seja taxado como o "ano em que o Brasil parou",
o que me remete (novamente) ao ano de 1968, que ficou conhecido como o "orgasmo
da história". O ano foi marcado por uma série de manifestações que eclodiram pelo todo mundo, iniciadas pelo movimento de Maio de 68. Esse movimento foi protagonizado por estudantes, mas que reuniu desde profissionais de rádio e
televisão até técnicos de escritórios de planejamento.
Neste
mesmo ano, nos Estados Unidos, era assassinado o ativista dos direitos humanos Martin
Luther King. No mês de abril, dias antes do crime, ele liderou
uma marcha em apoio a uma greve que reuniu mais de 1,3 mil funcionários negros
da limpeza pública que lutavam por melhores condições de trabalho e salários
decentes.
Na
ocasião, a paralisação dos trabalhadores já durava cerca de dois meses e a
marcha foi reprimida com violência dos órgãos repressores do Estado. King dizia que a "greve é a linguagem dos não-ouvidos". Linguagem é comunicação
e, quando falamos em greve, a comunicação social tem um papel fundamental e os
meios que propagam informação devem agir com responsabilidade.
Pois bem, voltando aos dias atuais, gostaria novamente de fazer algumas ponderações ao objeto principal do texto: a abordagem das greves e paralisações por parte da comunicação de massa. Como de praxe - ainda que de forma velada - a mídia segue sua ofensiva diante das greves. Nenhum meio de comunicação (seja ele grande, de
circulação nacional, seja ele regional ou local, que reproduz as mesmas visões
e juízos) ataca de forma direta o direito de greve. Não pela falta de vontade
em si, mas por não terem coragem de investir contra um direito que foi
conquistado ainda no século 19, com o esforço, sacrifício e sangue de
trabalhadores.
Como
não podem atacar o direito constitucional de greve fazem ofensivas direcionadas
em cada paralisação, especialmente quando as greves acontecem no setor público.
É raro (quase surreal) quando a mídia admite que uma greve é justa. Para ela,
todas as mobilizações são "abusivas" e foco da cobertura está sempre nas
pessoas prejudicadas (o usuário/consumidor) e nunca no trabalhador grevista.
Obviamente
que as greves prejudicam a população, ninguém seria "purista" ou negligente ao ponto de negar
este fato, porém esse acaba sendo o único dado focado nas manchetes de
"jornalões" ou "jornalinhos". Enquanto os verdadeiros responsáveis por essa
onda de greve - que não são os trabalhadores, mas os patrões (vide
governos) - nunca pagam o pato nesta
história.
A forma
pejorativa das abordagens sobre greves, por vezes, beira a ingenuidade quando
o receptor da informação é alguém que tem uma mínima noção de como funciona a
relação empregador/empregado e de como se dá a luta de classes em nossa
sociedade. Seja no espaço maior dado ao empregador, seja na ausência do
aprofundamento das pautas dos trabalhadores ou ainda na tentativa maldosa de
sempre jogar grevistas contra a população.
Direito
constitucional
A
greve é um direito assegurado na Constituição. É importante (e um dever) que a
imprensa se preocupe com a população de uma maneira geral, mas não pode agir de
forma irresponsável, incitando a ira do trabalhador/usuário contra
trabalhador/servidor, pois este pode e deve fazer o uso das ferramentas que
disponibiliza para buscar seus direitos (ferramentas que são poucas diante da força do capital).
Apesar
de ser um direito que deixou de ser criminalizado há mais de meio século para
entrar na ordem constitucional, a imprensa (com raras exceções) continua a
"marginalizar" grevistas. Já o Estado - que serve ao sistema e atua
em sintonia com esses meios - sempre tentou indiretamente, por meio de leis
ordinárias, reprimir esse direito. Na época da ditadura
civil-militar (chamada por alguns de "revolução de 64") eram costumeiras as
intervenções aos sindicatos, as demissões em massa e as prisões. Ainda no campo
histórico, a greve foi uma das bandeiras dos trabalhadores na Constituinte de
1986, assegurada em definitivo na redação do artigo 9º da Constituição Federal
de 1988.
Estando
claro que a paralisação é um direito, vamos a outros fatos (nem sempre
pautados): a atual legislação obriga a publicação de editais de greve com 72
horas de antecedência das paralisações. Após a publicação, o Ministério Público
do Trabalho ingressa com um pedido de liminar sobre a greve. Antes mesmo da
greve se iniciar os Tribunais Regionais do Trabalho concedem liminares exigindo
que determinada porcentagem dos trabalhadores permaneçam nos postos,
assegurando o atendimento dos serviços considerados "inadiáveis".
Diante disso também são estabelecidas multas diárias se os sindicatos
descumprirem ordens judiciais, em multas e percentuais que variam de acordo com
cada região.
Voltando
a atual conjuntura da relação empregador/empregado, estamos assistindo uma
retomada gradativa da capacidade de luta do movimento sindical - ainda tímida
em relação a outras épocas - onde acompanhamos algumas conquistas de aumentos
reais e recuperação de perdas acumulada nos últimos anos. Mas - paralelo a essa
tímida retomada de luta - vemos uma campanha (nada tímida) de grandes veículos
de comunicação que seguem jogando a população contra grevistas, não permitindo
que essa mesma população entenda as reivindicações desses trabalhadores.
Concluindo
meu raciocínio, faço aqui o papel de "advogado do diabo", ao tentar
decodificar essa relação da mídia e as greves: nesse complexo e turbulento relacionamento teriam os meios de comunicação o complexo do "teto de vidro"? Afinal, que moral algumas empresas de comunicação teriam de propagar que uma greve é
justa, destacando questões como precarização de mão de obra, melhores condições
de trabalho e direito de empregados (conhecidos também como
"colaboradores"), quando esses meios não são os melhores exemplos
para o assunto dentro de seus próprios currais?
Enfim,
essa é uma mosca no meu quarto a zumbizar... e viva o João Sem Medo!
João sem Medo foi o camarada que iniciou o movimento sindical em Cascavel, ao lado de Tarquínio Joslin dos Santos, Durval Hoff e outros inesquecíveis camaradas.
ResponderExcluirForam perseguidos por suas lutas mas se tornaram invencíveis, porque tudo aquilo em que acreditaram está sendo continuado por nós, as novas gerações.
Grande Julio, excelente texto.
ResponderExcluirVocê deve imaginar a minha posição política, porém tenho visto o governo federal pecando miseravelmente no que concerne à greve dos docentes. Nem sempre uma greve reflete demandas reais e justas, mas, por direito, deve ser encarada como tal. Não estou afirmando que as greves atuais são equivocadas, longe disso, apenas ressalto a importância de se analisar as reivindicações e a possibilidade de implantá-las.
A falta de diálogo que vem se arrastando por semanas depõe contra a relação sadia que devia se estabelecer entre governo, população e grevistas. A União parece inalcançável, sobre um pedestal de arrogância e destratos.
O agravo da não informação e da deturpação dos motivos reais de uma paralisação, agradeço aqui à nossa mídia exemplar, apenas fomenta essa desinteligência.
No mais, o motivo pelo qual veículos de imprensa cismam em cegar ou desviar o público, é claramente um assínte à harmonia social, política e trabalhista que tanto buscamos.
Parabéns!
Lucas L. Sonda