sábado, 22 de dezembro de 2012

Memórias do Chumbo: O Futebol nos Tempos do Condor

Médici cumprimenta delegação brasileira em 1970
Recuperar a memória, não com o objetivo de saudar o passado, mas para evitar que ele retorne. Essa frase foi dita pelo escritor Eduardo Galeano em entrevista ao documentário Memórias do Chumbo: O Futebol nos Tempos do Condor. O material é resultado de uma grande reportagem produzida pelo jornalista Lúcio de Castro exibida pela primeira vez entre os dias 18 e 21 de dezembro na ESPN Brasil. 

A série mostra como as ditaduras militares na América do Sul que integraram a Operação Condor - a 'multinacional do terror' criada para exterminar a oposição de esquerda aos governos ditatoriais - estiveram presentes no futebol. Muito já tinha se falado sobre o envolvimento do futebol e política e como o esporte foi usado como propaganda por esses regimes autoritários, porém, particularmente, acredito que esse deva ser o material mais aprofundado sobre essa relação. 

O esporte bretão e a pátria, o futebol e o povo, dois elementos que sempre estiveram unidos e com frequência políticos e ditadores especularam com esses vínculos de identidade. Mussolini usou as vitórias da seleção italiana para fortalecer o regime fascista na 'Velha Bota', assim como para os nazistas o futebol era uma "Questão de Estado" e para os franquistas espanhóis o Real Madri era um modelo de legitimação, uma espécie de "embaixada ambulante".

General Videla na Copa de 78
A grande reportagem de Lúcio de Castro passa por quatro países de nossa América: Argentina, Chile, Uruguai e Brasil – países que tem em comum a paixão pelo futebol e a política. São várias passagens marcantes nas quatro partes do programa; na Argentina onde há algumas quadras do Monumental de Nuñes – estádio do River Plate e principal palco dos jogos da Copa do Mundo de 1978 – funcionava um dos maiores centros de tortura da ditadura argentina.

Fatos marcantes da ditadura de Pinochet, a derrubada de Salvador Allende, a partida "kafkaniana" disputada por somente uma equipe e histórias do Estádio Nacional que serviu como campo de concentração das vítimas do regime. Histórias em terras charruas, do Mundialito de 1981 no Uruguai, a "subversão" do ex-zagueiro Hugo De Leon (que vestiu a camisa do Grêmio) e a primeira vez que o povo gritou: "Se va a acabar, se va a acabar la dictadura militar!".

Documentos e passagens reveladoras dos Anos de Chumbo no Brasil e da seleção que foi mais utilizada pelos militares: o excrete canarinho de 1970. Com um arquivo vasto de pesquisa, Lúcio esmiuçou o que foi esse período onde os setores conservadores e elitistas temiam a "ameaça vermelha", preocupavam-se com os ventos que sopravam do Caribe, com o charme dos barbudos de Sierra Maestra e com a possibilidade de "novos Vietnans" em pleno Cone Sul.

O "João Sem Medo"
Ditaduras tem o poder de confiscar símbolos nacionais e por aqui isso foi muito bem feito - como mostra o documentário. "Ame ou deixe-o" e "Pra Frente Brasil" que o digam. O programa detalha a perseguição implacável a João Saldanha, o "João Sem Medo". Comunista convicto, foi derrubado do cargo de técnico da Seleção pela ditadura e sofreu uma perseguição voraz dos militares, sendo inclusive proibido de fazer a cobertura esportiva da delegação brasileira no México. Então contratado pela BBC para fazer artigos sobre a copa, Saldanha teve credenciais negadas pela então CBD [Confederação Brasileira de Desportos] em virtude de seus comentários considerados "incendiários".

Memórias do Chumbo traz "furos jornalísticos" como o caso do major Roberto Câmara Guaranys – torturador do regime – que foi o chefe de segurança da delegação brasileira na Copa do México; uma entrevista com o jornalista Luis Claudio Cunha, autor do livro Operação Condor: o sequestro dos uruguaios, com detalhes do sequestro que teve participação do ex-jogador Didi Pedalada, que após passagens por vários clubes - entre eles o Internacional - foi prestar "serviços" ao DOPS gaúcho.

Revelações sobre o "Rei" que, após voltar campeão de terras astecas, foi ao DOPS dedurar "comunistas" que haviam lhe procurado no exterior para assinalar um documento contra a ditadura no Brasil e pedindo a anistia de presos políticos. A informação consta em documento oficial do 21 de outubro de 1970 que só agora aparece. Procurado pelo programa, Pelé e sua assessoria não se manifestaram sobre o assunto.

Memórias do Chumbo: O Futebol nos Tempos de Condor é uma ótima sugestão para aqueles que são apaixonados por história, por futebol e por política. Fundamental para pesquisadores destes tempos de censura, suspensão do direito de votar, intervenção em sindicatos, cassação de direitos políticos, proibição de atividades ou manifestações de natureza política e fim do Estado de Direito.

Agraciado pela participação especial de Eduardo Galeano – outro pesquisador sobre o tema – Lúcio de Castro foi autor de um trabalho jornalístico único. Um documento histórico primordial no momento em que se discute a recuperação da memória e se cobra punição àqueles que cassaram direitos dos trabalhadores, torturaram, assassinaram com garras do Condor e seguem impunes. 

"(...)a impunidade estimula o delinquente, seja um delinquente militar, civil, seja individual, seja coletivo, a impunidade é o motor maior para a repetição dos crimes". 
Eduardo Galeano

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Dimas Gimenes: ao editor maldito


Misto de maldito transgressor, gonzo jornalista e vocalista "old school". Conheci o cara no final de 2001 quando ainda cursava meu segundo ano do curso de Comunicação Social. Estava prestes a assumir meu primeiro emprego, sem saber ao certo com quem iria me deparar. Levado por outro "maluco" até o jornal, pensei que a primeira reação do meu primeiro editor seria dizer: "Mais um cabeludo para me dar problemas (sic)". E não deu outra. Lembro bem do Dimas, ao se dirigir ao Alexandre e com ironia exclamar: "Já não chega um!..".

Meu primeiro contato com o "eterno editor" foi rápido, como reza a lenda dos "malditos jornalistas". Ele estava com seu "uniforme" diário de trabalho e suas ferramentas habituais. Trajava pijama (pois morava no emprego), pantufa nos pés, cabelos desgrenhados e barba por fazer. Um cinzeiro repleto de bitucas de cigarros e uma xícara grande de café. Algumas anotações em uma página aberta do Word, que dividia espaço na tela com um site especializado em música e outra janela com um jogo em rede.

Me cumprimentou, deu as boas vindas e sem levantar da cadeira pediu para o outro maluco me mostrar como tudo funcionava. Dimas tinha um olhar clínico para as coisas que aconteciam. Um idealista que acreditava que poderia transformar o mundo, dentro é claro de seus próprios limites. Buscava quebrar paradigmas e romper com os tradicionalismos de nossa função. Não se preocupava com o poder e, por vezes, o ironizava.

Reclamava dos limites da função, pois se sentia amordaçado por linhas editoriais, as quais conseguia driblar como ninguém, usando de metáforas e das chamadas por ele mesmo de "suas viagens". Como todo gênio, era genioso e por muitas vezes incompreendido.

Considerado também um personagem folclórico da cena rock n' roll da "Londres paranaense", não tinha vergonha alguma em dizer que demorou quase oito anos para se formar, pois precisava dedicar tempo a sua música, que junto com o jornalismo eram suas grandes paixões. Depois de passagens por General X e Blue-Up, ele criou a Fahrenheit 451, bandas do cenário underground.

O nome de sua última banda é alusão ao filme de Truffaut, que conta a história de um futuro em que a ditadura queimava livros considerados subversivos: bem a cara do editor. Fazia parte de um grupo de jornalistas raros nos dias de hoje, discípulos de outros malucos como Vlado, Patarra, Tarso, Capote ou Hunter. Não parava em muitos lugares, após se formar em Londrina, atuou em vários meios de comunicação, em especial em Umuarama, onde criou o semanal Tempo Certo e ficou conhecido pela coluna ''Boca no Trombone".

Dimas Gimenes nos deixou há cinco anos, em 05 de dezembro de 2007, então com 43 anos. Esteja ele onde estiver, "Dimeira" - apelido dado pelo camarada Marcos Machado - deve estar escrevendo um de seus artigos ou compondo uma de suas canções com uma xícara de café ou uma dose de uísque em uma das mãos.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

"Jornalistas precisam assumir postura militante"

Gilney Viana no 35º Congresso Nacional dos Jornalistas

É de fundamental importância a participação dos jornalistas no processo de condução dos trabalhos da Comissão da Memória e da Verdade, pois a categoria tem muito a contribuir, foram um dos primeiros a serem atingidos pelo regime militar. A constatação de Gilney Viana, Assessor Especial da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e coordenador do Projeto Direito à Memória e à Verdade da SDH, foi uma convocação aos jornalistas brasileiros a assumirem uma postura militante em relação aos crimes e violações contra os direitos humanos ocorridos no período da ditadura militar.

Presente no 35º Congresso Nacional de Jornalistas, realizado entre os dias 07 e 10 de novembro em Rio Branco, no Acre, o ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional) falou sobre a criação da Comissão da Verdade, instalada pela presidenta Dilma Rousseff com a incumbência de investigar, no prazo de dois anos, as violações aos direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro entre 1964 e 1988. “Todos os povos tem direito à sua memória”, exclama o assessor, que tem recebido uma série de documentações das Comissões da Verdade criadas nos Estados para auxiliar o trabalho da comissão.

O Assessor da SDH enumerou desagravos aos direitos humanos no período, lembrando que a ditadura cometeu prisões, sob a forma de sequestro, deu um golpe de estado, destituindo um presidente eleito, acabando com partidos políticos e impondo o bipartidarismo no país. “O regime jogou na ilegalidade dezenas, centenas, milhares de pessoas”.

Para Viana, há um manto de silêncio em relação aos atentados ocorridos no regime militar no Brasil. “Chega a ser reducionismo falar em ditadura citando apenas as torturas e assassinatos, pois foi um regime que foi além, que cassou direitos da classe trabalhadora, direitos civis, cassou até mesmo a esperança de um povo”, destacou, fazendo referência ao domínio ideológico imposto pelos golpistas. “Em todo momento nos tentavam convencer que éramos incapazes de lutar e de vencer a ditadura”.

Na presença de delegados do Congresso – em sua maioria dirigentes sindicais – observadores, convidados e estudantes de comunicação, Viana falou da importância da participação de jornalistas nos trabalhos da Comissão da Verdade. “Os jornalistas precisam assumir uma postura, uma posição. Essa federação [Fenaj], esses sindicatos, tiveram companheiros exilados, torturados e mortos no período. Sindicatos sofreram intervenções e as redações foram as primeiras a serem visitados pelos militares. Os jornalistas de esquerda, o pessoal que trabalhava com comunicação de alguma forma e que eram ligados aos meios alternativos, foram os primeiros perseguidos pelo regime”, lembrou Viana.

Olhar jornalístico

Durante o congresso em Rio Branco foi lançada oficialmente a Comissão da Memória e da Verdade da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). O órgão vai reunir informações sobre a atuação da ditadura militar no Brasil contra os jornalistas. “Essa comissão pretende constituir um olhar jornalístico das violências que a categoria sofreu na ditadura. Tenho certeza que aparecerão novos casos de censura e cerceamento”, disse Celso Schroder, presidente da Fenaj.

O jornalista Pedro Pomar - neto de Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar, assassinado em 1976, e filho de Wladimir Pomar, preso e torturado pelo regime - apresentou como sugestão à comissão lançada a realização de audiências públicas e a participação de jornalistas de veículos alternativos da imprensa e que estiveram no exílio durante o período da ditadura militar.

Para Gilney Viana, a comissão criada pela Fenaj vai de encontro a história da categoria dos jornalistas brasileiros. “É uma iniciativa importante, pois essa categoria tem sua história marcada por agressões sofridas e pela resistência. É importante a constituição de relatos, documentos, arquivos audiovisuais, pois a batalha do passado se refere ao presente e ao futuro”.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Íris de Oliveira: A memória e o legado de Keno

Mística em memória aos cinco anos do assassinato de Keno
"Nunca desisti, nunca pensei em sair do movimento ou deixar de lutar pela terra". A frase de Íris de Oliveira, viúva do trabalhador rural Valmir Mota de Oliveira, o Keno, é emblemática e retrata o sentimento de trabalhadores camponeses que driblam dificuldades, o preconceito elitista, superando entre outros obstáculos, a dor da perda de entes queridos, e seguem  lutando pela alteração de um modelo fundiário de estrutura 'pré-capitalista', lutando pela Reforma Agrária.

No fim de outubro, Íris participou em Santa Tereza do Oeste de um ato em memória ao assassinato de seu ex-marido. Organizado por integrantes da Via Campesina e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o evento reuniu aproximadamente 500 pessoas na estação da IAPAR, local onde ocorreu o crime cometido por pessoas ligadas à NF Segurança, empresa contratada pela Synenta Seeds, multinacional que mantinha na área experimentos ilegais com transgênicos e que desrespeitava leis nacionais de biodiversidade.

Passados cinco anos do episódio – que também vitimou um dos seguranças contratados pela empresa – os integrantes da milícia armada permanecem impunes. Da mesma forma, a multinacional segue recorrendo da multa de R$ 1 milhão de reais imposta pelo IBAMA, pelos experimentos na área de amortecimento do Parque Nacional do Iguaçu, patrimônio da humanidade declarado pela Unesco.

A ação penal que apura as responsabilidades pelo assassinato ainda está longe do fim, já que o processo ainda não ultrapassou a fase de oitivas de testemunhas. Depois de ouvidas todas as testemunhas, o juiz decidirá quem irá a júri popular pelo assassinato de Keno e do funcionário da NF Segurança Fábio Ferreira.

Após o episódio, o próprio embaixador suíço Rudolf Bärfuss pediu desculpas a Íris Oliveira, com a seguintes palavras. "Em nome do governo do meu país, eu quero pedir desculpas". Na época, Íris entregou uma carta ao embaixador exigindo que o governo suíço ajudasse na punição à Syngenta pelo ato de violência e pelos crimes ambientais dos quais é acusada.

As investigações feitas pela polícia responsabilizaram nove pessoas contratadas pela NF Segurança, assim como o proprietário da Empresa, Nerci de Freitas, e o ruralista Alessandro Meneghel pelo assassinato de Keno, isentando a Syngenta de responsabilidade criminal por falta de provas.

Em recente conversa com o Sítio Coletivo, Íris falou da dor que permanece latente, mas de como o episódio fortaleceu suas convicções e não lhe fez desistir da luta pela terra. No bate papo com esse blogueiro, Íris também falou da conquista do lote no assentamento que leva o nome de seu ex-esposo, situado às margens da BR-277, em Cascavel. Confira abaixo trechos da conversa.

[Sítio] Memória
[Íris] Para nós da família, para mim que fui sua esposa, para nossos filhos, é muito gratificante essa homenagem que o movimento fez. Não esperávamos que a família do movimento fosse tão grande, não tenho nem o que falar deste ato em memória do Keno, é muito importante o que está acontecendo, ver que ele não foi e jamais será esquecido por esses trabalhadores.

Força para continuar
Em primeiro lugar eu nunca desisti após a morte do Keno, sua morte nunca me fez pensar em sair do movimento ou dizer agora vou parar com a luta. Na verdade isso me deu mais força e, junto com meus dois filhos, continuamos nossa luta.

Conquista da terra
A conquista do lote foi muito especial, apesar do Keno não estar com a gente pessoalmente, mas ele estava em memória, na minha, dos nossos meninos e de todos aqueles que conquistaram seus lotes. Foi uma grande conquista e para aqueles que achavam que nós iríamos se calar, mandamos o recado que não nos calaremos.

Desafio
Tocar o assentamento Valmir Mota para frente, onde o Keno estiver ele ficará admirado com nós, o assentamento é muito importante. É uma luta que ele conquistou junto com nós, a luta pela terra, pela produção orgânica no assentamento.

Legado

Apesar do Keno não estar aqui, tenho que certeza que todos que participaram deste ato veem a importância dele na nossa vida, na vida do movimento aqui na região. No dia do sorteio dos lotes foi muito triste ele não estar lá, mas eu tenho certeza que de onde ele está hoje, ele viu a felicidade de cada um, dos seus filhos, que hoje estão num lugar bem colocado. Uma conquista que também foi dele.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

No "mês das crianças", Sem Terrinhas lutam por direitos

Trio sem terrinha faz leitura da pauta de reivindicações

Aprender desde cedo o valor da luta pela terra, pelo direito de estudar e pela dignidade. É com essa lição - para além da educação formal - que crianças camponesas, filhos e filhas de trabalhadores do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) saem em busca de direitos que ainda parecem "privilégios". É no tradicional "mês das crianças", que anualmente é organizada a Jornada Nacional dos Sem Terrinha.

Realizada desde 1996 pelo Setor de Educação do movimento, a Jornada deste ano ocupou nesta quarta-feira (31/10) sedes de pelo menos 16 Núcleos Regionais de Educação, além da SEED (Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná).

A mobilização dos Sem Terrinhas, iniciada nesta terça-feira (30) dentro dos assentamentos e acampamentos, tem por objetivo denunciar a ausência do governo municipal e estadual no atendimento às demandas da educação no campo e também pressioná-los a atender a pauta de reivindicações do movimento social de luta pela terra.

Em Cascavel, aproximadamente 100 crianças com idade entre 05 e 12 anos estiveram na sede do Núcleo Regional, acompanhadas de mães e professoras de quatro acampamentos e um assentamento da região de Cascavel. Após a leitura da pauta feita pelo trio sem terrinha, Mailson Moreira (10 anos), Aline Salvador (09) e Milene Moreira (09), o chefe do Núcleo, professor Vander Piaia, recebeu as reivindicações do movimento.

As principais demandas giram em torno da construção, reforma e ampliação de colégios estaduais em assentamentos para que possam oferecer educação profissionalizante e técnica, garantindo toda estrutura necessária para dar qualidade ao ensino.

Além do atendimento apropriado às crianças com necessidades especiais nas Escolas Itinerantes, à garantia de transporte escolar seguro e suficiente para os estudantes, melhores condições de trabalho aos professores e a garantia do deslocamento dos educadores até as escolas e melhoria da merenda escolar, sendo no mínimo 30% da agricultura familiar.

Escolas no campo

A luta por educação é uma necessidade permanente no MST, visto que muitas escolas estão sendo fechadas no campo. Muitos assentamentos não têm escolas e os que têm a infraestrutura é precária e com o atendimento somente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A mobilização denunciou o fechamento dessas escolas do campo. Nos últimos anos, segundo levantamento do Setor de Educação, foram fechadas mais de 37 mil escolas rurais em todo o Brasil, sendo que só no Paraná - na década de 2000 - foram fechadas 44% das escolas da zona rural.

Além da negociação das demandas das escolas e dos assentamentos, a Jornada dos Sem Terrinha constitui-se numa atividade pedagógica de grande valor do movimento que contrapõe o paradigma da educação formal, pensando a infância na perspectiva de um projeto de emancipação humana.

São com palavras de ordem como "Escola itinerante chegou para ficar, lutando pela terra e o direito de estudar!" ou "Che, Zumbi, Antonio Conselheiro; na luta por justiça, somos todos companheiros!",  que as crianças camponesas fortalecem sua identidade sem terra.  São nas jornadas que os filhos e filhas dos agricultores aprendem valores de forma lúdica e pedagógica. No mês dos "presentes e das travessuras", os Sem Terrinha aprendem a lição que na sociedade das desigualdades é preciso lutar desde cedo para que direitos deixem de ser privilégios.

Sem Terrinhas no Núcleo Regional de Educação de Cascavel

terça-feira, 30 de outubro de 2012

#Cascavel: Ato em memória aos desaparecidos políticos

Charge: Carlos Latuff

O ferido de Finados é uma data reservada para reverenciarmos a memória daqueles que não estão conosco, entre eles, os que foram vítimas da violência. Diante disso, o Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (CONIC), realizará nesta sexta-feira (02/11), atos ecumênicos em várias cidades do país em memória aos desaparecidos políticos da ditadura civil-militar no Brasil.

Em Cascavel, o ato será realizado a partir das 19h30 na Igreja Anglicana, na Rua Arnaldo Estrela, 272, Jardim Alvorada, atrás do Rancho da Candoca. Sob coordenação do reverendo Luiz Carlos Gabas, o evento terá como um dos atrativos uma palestra-espetáculo, com explanação do historiador Alexandre Fiuza, professor da Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) e com apresentação do casal de músicos Sil Vaillões e Giovani Pinheiro.

A intenção do CONIC é fazer com que essa prática se torne anual, consolidando o dia 2 de novembro como Dia Nacional dos Desaparecidos Políticos. "Seus familiares, além de sofrerem a dor de uma morte nem sempre esclarecida tem um direito milenar violado, que é o de as pessoas e/ou comunidades darem um sepultamento digno a seus entes queridos e também de reverenciar a suas memórias ao visitar seus túmulos. Todos esses direitos foram negados pela ditadura", diz trecho da carta de Dom Manoel João Francisco, do CONIC. 

Segundo a organização do ato, a celebração também lembrará as vítimas de chacinas dos dias atuais. "Diariamente pessoas desaparecem ou são assassinadas, sem que seus familiares tenham respostas, assim como aconteceu na ditadura militar, um período triste de nossa história", diz o reverendo Luiz Carlos Gabas.

O ato em memória dos desaparecidos políticos em Cascavel conta com o apoio do Sinteoeste (Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimento em Ensino Superior do Oeste do Paraná), APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná) e do Sindijor-PR (Sindicato dos Jornalistas do Paraná), Subseção de Cascavel. 

domingo, 21 de outubro de 2012

Keno Vive: Ato lembrará os cinco anos do assassinato

Valmir Mota de Oliveira, o Keno, assassinado em 2007

Neste domingo, dia 21 de outubro, completam-se cinco anos do assassinato do trabalhador sem-terra Valmir Mota de Oliveira, o Keno. Como lembrança da data, trabalhadores camponeses da Via Campesina e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) promovem um ato político batizado de "Keno Vive" nesta segunda-feira (22) no Centro de Ensino e Pesquisa em Agroecologia Valmir Mota de Oliveira, local onde funcionava a antiga fazenda da multinacional Syngenta Seeds, em Santa Tereza do Oeste.

Keno foi morto após um ataque de uma milícia armada contratada pela empresa após a ocupação da área de 127 hectares, onde a multinacional suíça mantinha desde 1998 um campo experimental. Em 2006, a Via Campesina denuncia crimes cometido pela empresa, como o desrespeito ambiental e do Plano de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu. A Syngenta realizava experimentos com soja e milho geneticamente modificados, o que em março de 2006, levou o Ibama a multar a empresa no valor de R$ 1 milhão, dívida até hoje não paga.

A luta das famílias camponesas, que organizaram o Acampamento Terra Livre e que permaneceram resistindo por mais de dois anos no espaço, juntamente com o grande apoio e solidariedade recebidos por organizações de várias partes do mundo, foi primordial para a importante vitória obtida pelos trabalhadores camponeses. Foi mediante a grande repercussão do caso e a condenação da sociedade à ação armada da multinacional que, em 2008, a Syngenta teve que transferir a posse da área para o Governo do Paraná.

Com o objetivo de fazer o resgate histórico de luta e resistência das famílias camponesas, mantendo viva a chama de rebeldia e indignação que fortalece a necessidade de seguir denunciando os crimes do agronegócio, lutando pela Reforma Agrária e contra a utilização dos transgênicos e agrotóxicos em nosso alimento, é que a Via Campesina e o MST convidam a sociedade a participar do ato no Centro de Ensino e Pesquisa, administrado atualmente pela Iapar (Instituto Ambiental do Paraná), que leva o nome do militante morto em há cinco anos.

Histórico

A empresa suíça Syngenta Seeds, detentora de 19% do mercado de agroquímica e a terceira de maior lucro na comercialização de sementes no mundo instala em 1998 uma sede em Santa Tereza do Oeste. Atenta aos crimes ambientais e ao desrespeito a legislação, a Via Campesina denúncia as irregularidades a órgãos nacionais e internacionais e a empresa é multada em R$ 1 mi pelo Ibama.

No dia 14 de março de 2006, a área é ocupada, com ampla repercussão internacional. As 70 famílias camponesas permanecem até novembro de 2006 no local, quando o Estado do Paraná cumpre liminar de reintegração de posse expedida pela Justiça de Cascavel. As famílias retornam ao local depois que a área foi desapropriada pelo governo para a criação de um Centro de Agroecologia. 

Em 18 de julho de 2007, os sem-terra cumprem ordem judicial e as famílias se deslocam para o assentamento Olga Benário, em Santa Tereza do Oeste. Em outubro de 2007, a área é reocupada, após os rumores de que a terra estava sendo preparada para plantação de soja e milho transgênico, o que desrespeita a regras de um centro de agroecologia.

Após a nova ocupação, em uma ação covarde e sorrateira de uma milícia contratada pela multinacional, pelo menos 10 sem-terra são feridos e um deles é executado. No confronto, um dos milicianos também é morto. O caso é denunciado em todo o Brasil, em tribunais internacionais, entre eles, o país de origem da empresa. A longa resistência da Via Campesina e do MST garantem a conquista da área e o compromisso do Estado.      

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Valmir Mota em festa: a conquista da terra e dignidade

Emoção marcou o sorteio dos lotes aos assentados
A realização de um sonho, a conquista de uma terra para produzir e criar raízes, a luta pela dignidade. A vitória de 83 famílias que se tornaram oficialmente moradoras do Assentamento Valmir Mota de Oliveira, em Cascavel, no Oeste do Paraná, e que comprovaram que a Reforma Agrária dá certo!

A festa organizada nesta semana pelos militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) não foi o simples ato do sorteio dos lotes por parte do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), mas sim a reafirmação que o movimento social mais legítimo do país segue resistindo, vencendo o preconceito e a criminalização de grande parte da sociedade de nossa conservadora "fazenda iluminada", onde os interesses do agronegócio seguem controlando a mídia e os intitulados "ruralistas" seguem acreditando serem donos da região.

Foram 13 anos desde a ocupação do Completo Cajati e dois anos na área que se instalou o Assentamento Valmir Mota, uma das fazendas compradas pelo Incra para fins da Reforma Agrária. Uma luta simbolizada pela tradicional mística e pelas palavras de um dos coordenadores do movimento na região. "Isso aqui só foi possível graças as nossas lutas, nossas marchas, nossos protestos e enfrentamentos. A luta pela terra nos une e já levou alguns de nossos companheiros, como o Keno, que está presente aqui entre nós, que continua presente na nossa luta", disse Celso Barbosa, em menção ao militante sem-terra executado por milicianos na antiga estação da multinacional Syngenta, em Santa Tereza do Oeste, e que dá nome ao assentamento.

Para o superintendente do Incra, Nilton Bezerra, o Assentamento Valmir Mota de Oliveira será exemplo de moralidade, produtividade e do ponto de vista social. "Essa é uma área emblemática, é uma conquista histórica destes trabalhadores que seguem resistindo numa região crítica como essa", disse Bezerra, referindo-se a atos de violência protagonizados por milícias armadas que já marcaram a disputa pela terra no Oeste, além de citar a "campanha" de grande parte dos meios de comunicação. "Infelizmente a mídia regional é ligada ao agronegócio e trata a reforma agrária de maneira distorcida".

O reverendo da Igreja Anglicana, Luiz Carlos Gabas, acompanha a caminhada dos movimentos sociais e a luta dos assentados do Valmir Mota. "Essa conquista pode parecer pequena para alguns, mas representa muito para aqueles que lutam pela dignidade, que lutam contra o poderio do agronegócio. O grande temor dos poderosos, da burguesia, é quando o povo pobre, os mais humildes alcançam vitórias por meio da organização e da luta", disse o religioso, deixando um recado às famílias beneficiadas. "A luta prossegue companheiros, não se esqueçam daqueles que ainda estão acampados embaixo das lonas pretas".

O recado do religioso é significativo, uma vez que a luta continua. Existem ainda outras 400 famílias acampadas na área do complexo à espera da regularização. A conquista das 83 famílias assentadas de forma definitiva é uma resposta a muitos que criminalizam e desqualificam o movimento. Já a emoção de cada assentado fica impossível descrever, quem sabe uma frase no momento que o almoço estava sendo servido possa ajudar: "Não sei se eu almoço, se choro ou se continuo com esse sorriso que vai de orelha em orelha", disparou o camarada Ildemar Frohleich, um dos assentados beneficiados.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Para prefeito, Biafra e "confirma"!


"Obrigar a polícia a ser eleita, guarda por guarda, pelas pessoas que ela vai controlar. Também acho que devíamos fazer um leilão em praça pública de todos os cargos oficiais mais lucrativos. Um leilão mesmo, aberto, em vez de fazer às escondidas, nos escritórios enfumaçados do poder".


Fiquem calmos 'sitiantes', este blog não quer disputar espaço com os noticiários diários de política institucional ou partidária, tampouco estou propagandeando propostas de postulantes que tem solução para todos nossos males.

Faltando poucos dias da data que nos fazem crer ser a mais importante da luta política ou o momento onde "todos se igualam (sic)" - não em direito, mas sim em dever - decidi fazer uma postagem em homenagem a uma figura que eu cravaria o 'confirma' sem titubear.

A proposta descrita no primeiro parágrafo fez parte da plataforma política de um dos candidatos a prefeito da cidade de São Francisco, na Califórnia, em 1979. Isso mesmo a frase é de Jello Biafra, um dos mais lendários nomes do punk rock mundial.

Autor de letras recheadas de ironia e discurso político anti-imperalista; de clássicos como California Über Alles, Holiday in Cambodia, Too Drunk to Fuck e Nazi Punks Fuck Off, Biafra é - sem sobra de dúvidas - uma das figuras mais importantes dos movimentos de esquerda mundial das três últimas décadas.

Ícone do cenário underground, seja na arte ou na política, Jello Biafra se aventurou por "processos políticos tradicionais".  Sua eleição a prefeito em 1979 foi o fato mais marcante. Sua candidatura à época teve como principal objetivo mostrar que a eleição em São Francisco não era "real", mas sim uma simples batalha entre dois setores da direita.

"O que eu queria era mostrar que a disputa era entre um candidato dos banqueiros, Feinstein, e Kopp, uma marionete dos interesses imobiliários", disse Jello Biafra em entrevista à revista Bizz, em 1986. "Quem tinha consciência disso, e já estava de saco cheio, votou em mim", fala o músico na mesma entrevista.

Crítico voraz do então governador da Califórnia Jerry Brown, Biafra foi o quarto candidato mais votado entre dez nomes, obtendo 6.591 votos, ou seja, pouco mais de 3% do eleitorado. Números que contribuíram para uma eleição de desempate (segundo turno) entre os dois principais candidatos.

Jello Biafra ainda tentou concorrer mais uma vez ao cargo de prefeito, mas foi banido por uma lei que só permite candidatos com o nome de batismo (Eric Boucher - no seu caso) e nunca com nome artístico, pseudônimo ou apelido.

Em 2000 chegou a concorrer nas prévias do Green Party (partido verde) em Nova Iorque para as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Sua candidatura, caso aprovada, teria como vice o jornalista Mumia Abu-Jamal, condenado à morte sob acusação de ter matado um policial. A escolha foi a maneira de Jello mostrar sua posição em relação à pena de morte, num aspecto amplo, além de chamar atenção para o desenrolar do caso de Mumia.

Apesar de encarar o processo das urnas, Biafra sempre apontou que as ruas e os palcos são os espaços mais propícios para o embate político. "(...) ação nas ruas é uma parte disso, mas a outra é tirar estes imbecis dos escritórios deles, que é uma coisa que ainda podemos fazer".

A poucos dias de sermos 'convocados' a canalizar todas nossas forças na 'festa democrática' da cidadania ocasional, da indignação seletiva e dos 'candidatos cao cao', lhes deixo com versos da canção I Won’t Give Up, do projeto Jello Biafra And The Guantanamo School Of Medicine.


"(...) da minha pequena e própria maneira
  Eu fiz um juramento
  E você pode fazê-lo agora!
  as corporações não poderão me ter

 Não vou desistir
 Isso não é uma opção!"

(Jello Biafra- I Won´t Give Up)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A primeira crônica de uma zeladora

Outro 'invisível' [foto: Sidinei Santos]
* Dalva Patrícia de Jesus

Sou zeladora, zeladora de hospital. Mais conhecida como serviço de apoio, pode me chamar também de mulher da limpeza ou faxineira, como preferir.

A perspectiva de escrever me assusta. A dificuldade veio com recordações um tanto quanto amargas, procurando um culpado achei o primeiro, uma vez a doutora generalizou "são todos analfabetos", ela se referia a um cartaz que devia ter figurinhas, senão as zeladoras não entenderiam o recado. Na época não entendia o que ela queria dizer, mas umas figurinhas agora ajudariam a escrever esta crônica.

Outros dois episódios marcaram bem o que pretendo dizer: o primeiro é quando a acadêmica de medicina perdeu a agenda, veio procurar minha colega e não contente com a negativa à procura de sua tão estimada relíquia, perguntou se ela sabia o que era uma agenda. Foi de doer! Impressão minha ou ela nos chamou de burras? No segundo, a enfermeira foi mais objetiva, ao se referir à falta de talento da engenheira disse: - "Ela deveria estar trabalhando no Serviço de Apoio".

Tanta agressão no meu intelecto, deixou-me frustrada. O modo mais prático de provar o contrário parecia ser uma graduação, um diploma universitário. A ideia brilhante na minha cabeça como diamantes. Porém, não surtiu o efeito esperado! A primeira pérola do dia foi: - "Para que estudar para limpar chão?". Caiu como uma bomba na minha autoestima. E em meio a sentimentos devastadores que levariam à depressão da alma e carência de sabedoria, percebo que estou só.

Ao meu lado estavam futuros advogados, educadores, administradores, enfermeiros, mulheres e homens atualizados com página no Twitter e Facebook, que recebem recados por e-mail, gostam de se vestir bem e degustar um bom vinho, de conversar sobre política, cultura e questões ecológicas.

Uma nova geração que a hierarquia de trabalho não foi prepara para perceber; geração com opiniões próprias, valores distintos, os primeiros de uma era.

E como me falta inspiração para terminar esta minha busca do pitoresco e desconhecido, uso palavras de meu instrutor de auto escola: com calma e treino você chega lá, ninguém é perfeito.


* Dalva Patrícia de Jesus trabalha desde 2001 no HUOP (Hospital Universitário do Oeste do Paraná) em Cascavel. Sua crônica recebeu no ano passado menção honrosa na 4ª edição do Servir Com Arte, concurso realizado anualmente pelo Governo do Paraná. O concurso mobilizou cerca de 4 mil servidores públicos, que tiveram oportunidade de expressar seus talentos na área de crônica, conto, poesia e fotografia.

* A imagem que ilustra a crônica é de Sidinei Aparecido dos Santos, também servidor do HUOP, que recebeu menção honrosa no prêmio por sua fotografia.


* Nota do blog: Durante a greve na Unioeste, esse blogueiro teve a oportunidade de conhecer pessoalmente dezenas de servidores que, assim como Dalva, para muitos são "trabalhadores invisíveis". Presenciei muitos acadêmicos desferirem menosprezo ao se dirigirem aos funcionários como "o pessoal que fecha e abre portões e que limpam banheiros". Vi tentativas claras de evidenciarem superioridade de uma categoria perante a outra, amparado em "titulações". Mas o que vi, sobretudo, foi o papel insubstituível que determinados trabalhadores – mesmo "invisíveis" - têm. O que Dalva expressou em sua crônica já presenciei na minha profissão (não diretamente a mim), mas voltado a outros trabalhadores, já presenciei a "superioridade” de muitos detentores de "canudos" ou de pelegos com discursos alinhados aos seus superiores (sic)!.

sábado, 8 de setembro de 2012

Sem cordões e ufanismo, um grito contra a exclusão

Juventude gritou contra sistema que condena milhões à exclusão
Jovens ligados a pastorais e grupo de jovens, sindicalistas, trabalhadores rurais sem-terra, integrantes de movimentos populares e religiosos participaram neste feriado de Sete de Setembro de um ato paralelo às festividades restritas que somente nos permite exercer um patriotismo passivo e assistir desfiles de soldados,  armamentos e alunos da educação formal em marcha dentro dos limites de cordões de isolamento.  

Paralelo ao 'civismo oficial', manifestantes gritaram contra um sistema que condena multidões à exclusão social, contra um Estado que se utiliza cada vez mais da repressão e opressão, contra a criminalização dos movimentos sociais e populares, contra o fundamentalismo de qualquer natureza e, em especial, contra a violência que atinge cada vez mais nossa juventude. 

Um grito de poucos, mas que ecoou forte na região norte de Cascavel onde foi realizada a 18ª edição do Grito dos Excluídos, manifestação que propõe durante a Semana da Pátria o exercício ativo do nacionalismo e pleno da cidadania. Em Cascavel, o Grito dos Excluídos não era organizado desde 2010, quando simultaneamente aconteceu a Campanha pelo Plebiscito do Limite da Propriedade da Terra. 

Neste ano, uma marcha marcou a passagem do feriado de Sete de Setembro em Cascavel. Com saída do Colégio Estadual Consolata, os manifestantes caminharam por toda a extensão da Avenida Papagaios até a chegada na Igreja do Bairro Floresta, onde integrantes do MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) realizaram uma mística baseada no lema da edição deste ano: 'Queremos um Estado a serviço da Nação, que garanta direitos a toda população!'.

O reverendo da Igreja Anglicana, Luiz Carlos Gabas, um dos organizadores da manifestação, explica que objetivo do Grito dos Excluídos é denunciar um modelo que concentra riqueza e renda e condena milhões de pessoas à exclusão social. "Neste ano temos que fazer um alerta especial contra qualquer tipo de fundamentalismo, seja ele de cunho religioso, ideológico ou político", disse Gabas.

O professor Amâncio Luiz dos Anjos, diretor da APP-Sindicato, falou diretamente aos jovens sobre a importância da participação popular e da luta contra um sistema onde as desigualdades sociais estão cada vez mais latentes. Gutto Wendler, integrante da Pastoral da Juventude, fez um alerta para criminalização dos movimentos sociais e ao atual momento político às vésperas do pleito eleitoral.  “Em ano eleitoral são muitos discursos sobre democracia, sobre exercício da cidadania e muitas propostas daqueles que dizem ter soluções para tudo”, ressaltou. 

Desde 1995 foi escolhido o dia 7 de setembro para as manifestações do Grito dos Excluídos. É uma forma daqueles que são calados pelas várias formas de opressão serem ouvidos no Dia da Independência, já que no espetáculo da marcha dos soldados e do disciplinado 'exército' das crianças da educação formal não há muito espaço para manifestações. 

Manifestações populares restritas que não surpreendem se levarmos em conta que a Semana da Pátria foi inspirada no Governo Costa Silva e na herança Moral e Cívica da gestão de Médici. Na pátria onde ainda precisamos engolir o genocida Duque de Caxias – 'patrono verde-oliva' - como um herói nacional, gritar por independência é berrar junto aos Excluídos, como alguns movimentos sociais e populares fazem ininterruptamente há 18 anos. De resto, tudo não passa de espetáculo ufanista.

Em breve, mais fotos sobre o Grito dos Excluídos em Cascavel

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Do Luto para a Luta, com homenagens ao 'carrasco'

Trabalhadores da educação relembram o 30 de agosto de 1988

"Estamos aqui para lembrarmos do grande carrasco dos trabalhadores da educação do Paraná, aquele que ordenou que nossos companheiros fossem recebidos a bombas e cavalos, o cidadão que hoje posa de grande moralista". Palavras disparadas ao microfone como um molotov ou bombas de efeito moral, assim como as lançadas em 30 de agosto de 1988, que foram proferidas pelo professor Jeremias Ariza, que leciona a disciplina de filosofia no CEEP (Centro Estadual de Educação Profissional) Pedro Boaretto Neto, em Cascavel.

Professor Jeremias esteve entre as centenas de funcionários da rede estadual de Cascavel que se concentraram em frente à sede do Núcleo Regional de Educação para "anticomemoração" dos 24 anos do fatídico 30 de agosto de 1988. O 'carrasco' a quem o educador se refere é o atual senador da República, Alvaro Dias (PSDB), considerado por muitos – especialmente a grande mídia de massa – um dos maiores 'arautos da moral' de nossa cambaleante democracia.  
  
Há quem questione as mobilizações do dia 30 de agosto, conhecido como o 'Dia de Luto e Luta da Educação no Paraná', há quem queira apagar da memória dos profissionais da educação a 'calorosa recepção' no Palácio do Iguaçu, há quem diga que o senador (então governador) já teria "se desculpado". "É importante relembrarmos essa data, relembrar dos companheiros que enfrentaram os cavalos e as bombas do governo, trabalhadores que foram pisoteados, mas que continuaram lutando como verdadeiros heróis", lembra o professor Amâncio Luiz dos Anjos, diretor da APP-Cascavel, pedindo uma salva de palmas aos companheiros presentes naquele protesto.

Em Cascavel, o 'Dia de Luto e de Luta' contou com uma particularidade; uma grande presença de estudantes apoiando o movimento. É o que destaca o professor Marcio Henrique Soares. "Essa é a primeira vez que vejo estudantes participando do movimento, se juntando aos professores e funcionários das escolas. A presença deles é mais importante do que de muitos 'companheiros' que aproveitam a paralisação para ficar em casa", diz o educador, conhecido também como 'Gaúcho' e que leciona no Colégio Padre Carmelo Perrone.

Marcio Henrique aproveita a oportunidade para dar uma 'cutucada' em alguns colegas que não se fazem presentes na luta. "Tem professora que prefere ficar em casa assistindo televisão, outras pintando o cabelo, cuidando das crianças, assim como alguns colegas que passam dos 40 anos e começam a dizer que estão muito velhos para estarem aqui. Ficam acompanhando tudo de casa, enquanto nós estamos dando a cara aqui a bater, buscando direitos aos quais eles também serão beneficiados e lembrando de companheiros que lutaram no passado", critica.

Histórico

Os atos ocorridos em todo o Estado neste 30 de agosto fizeram parte do tradicional Dia de Luto e Luta dos Trabalhadores da Educação.  A data é referente ao ano de 1988. Há 24 anos, os professores da rede pública de ensino foram protagonistas de uma greve iniciada no dia 5 de agosto. Eles reivindicavam a volta do piso de três salários mínimos, reduzido para dois salários em 1988. Com o intuito de forçar uma solução mais rápida para a paralisação geral – que então completava 11 dias – professores ocuparam a Assembleia Legislativa, por onde permaneceram até o dia 31.

Um dia antes, no dia 30 de agosto, foi organizado um encontro de núcleos regionais da APP-Sindicato na Praça Tiradentes, em Curitiba, e uma passeata até a sede do governo, onde então os trabalhadores foram "recepcionados" pela cavalaria da PM, com direito - além das ferraduras dos equinos e os cassetetes dos policiais -  a gás de pimenta e bombas de efeito moral.

Na época, aproximadamente 30 mil pessoas participavam da passeata. De um lado a multidão, de outro as tropas policiais. Barracas de professores acampados foram pisoteadas, manifestantes foram impedidos de entrar na Praça Nossa Senhora de Salete com carro de som.

Segundo relatos, o pavor tomou conta de todos, com bombas estourando para todos os lados, correria generalizada, transformando o centro cívico de Curitiba em uma verdadeira praça de guerra. Como saldo, vários professores feridos, alguns inclusive impossibilitados – física e emocionalmente – do retorno as salas de aulas.

Questionado hoje em dia sobre o fato, o atual senador Alvaro Dias defende-se afirmando que o triste episódio sempre "foi explorado politicamente e com má fé e que na ocasião foi administrado dentro das possibilidades".  Segundo a sua versão, "outras categorias" de trabalhadores teriam se infiltrado na manifestação para provocar tumultos e a cavalaria estaria no local para dar "segurança aos manifestantes".

Solidariedade de classe

Representantes de sindicatos de outras categorias estiveram presentes no ato deste 30 de agosto. Isso demonstra que manifestações e mobilizações (mesmo organizadas por determinadas categorias) não precisam ser necessariamente corporativistas. São nos atos públicos que trabalhadores mostram sua solidariedade. Oportunidade em que se deixam de lado as categorias (profissões) para se afirmar como classe (trabalhadora).  

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Greves: O teto de vidro da mídia (parte 2)

João Saldanha discursa (arquivo PCB)
Os "sitiantes" que acompanham esse blog vão perceber que esse texto é uma reedição (adaptada ao momento), mas que é providencial por dois motivos. O primeiro é que nos últimos três meses, o governo de Dilma Rousseff enfrenta - com um silêncio bucólico - mais de 30 trinta greves distintas de funcionários públicos federais, com destaque especial para as universidades federais.

O segundo motivo foi uma foto dos arquivos do 'Partidão', compartilhada nas redes sociais pelo camarada Alceu Sperança, que traz o saudoso João Saldanha discursando em defesa da liberdade sindical. Pois bem, a imagem me fez lembrar que a única resposta até então do governo federal foi um decreto arbitrário que busca substituir os grevistas que "saírem da linha" por funcionários terceirizados.

O atual cenário faz com que 2012 seja taxado como o "ano em que o Brasil parou", o que me remete (novamente) ao ano de 1968, que ficou conhecido como o "orgasmo da história". O ano foi marcado por uma série de manifestações que eclodiram pelo todo mundo, iniciadas pelo movimento de Maio de 68. Esse movimento foi protagonizado por estudantes, mas que reuniu desde profissionais de rádio e televisão até técnicos de escritórios de planejamento.

Neste mesmo ano, nos Estados Unidos, era assassinado o ativista dos direitos humanos Martin Luther King. No mês de abril, dias antes do crime, ele liderou uma marcha em apoio a uma greve que reuniu mais de 1,3 mil funcionários negros da limpeza pública que lutavam por melhores condições de trabalho e salários decentes.

Na ocasião, a paralisação dos trabalhadores já durava cerca de dois meses e a marcha foi reprimida com violência dos órgãos repressores do Estado. King dizia que a "greve é a linguagem dos não-ouvidos". Linguagem é comunicação e, quando falamos em greve, a comunicação social tem um papel fundamental e os meios que propagam informação devem agir com responsabilidade.

Pois bem, voltando aos dias atuais, gostaria novamente de fazer algumas ponderações ao objeto principal do texto: a abordagem das greves e paralisações por parte da comunicação de massa. Como de praxe - ainda que de forma velada - a mídia segue sua ofensiva diante das greves. Nenhum meio de comunicação (seja ele grande, de circulação nacional, seja ele regional ou local, que reproduz as mesmas visões e juízos) ataca de forma direta o direito de greve. Não pela falta de vontade em si, mas por não terem coragem de investir contra um direito que foi conquistado ainda no século 19, com o esforço, sacrifício e sangue de trabalhadores.

Como não podem atacar o direito constitucional de greve fazem ofensivas direcionadas em cada paralisação, especialmente quando as greves acontecem no setor público. É raro (quase surreal) quando a mídia admite que uma greve é justa. Para ela, todas as mobilizações são "abusivas" e foco da cobertura está sempre nas pessoas prejudicadas (o usuário/consumidor) e nunca no trabalhador grevista.

Obviamente que as greves prejudicam a população, ninguém seria "purista" ou negligente ao ponto de negar este fato, porém esse acaba sendo o único dado focado nas manchetes de "jornalões" ou "jornalinhos". Enquanto os verdadeiros responsáveis por essa onda de greve - que não são os trabalhadores, mas os patrões (vide governos) - nunca pagam o pato nesta história.

A forma pejorativa das abordagens sobre greves, por vezes, beira a ingenuidade quando o receptor da informação é alguém que tem uma mínima noção de como funciona a relação empregador/empregado e de como se dá a luta de classes em nossa sociedade. Seja no espaço maior dado ao empregador, seja na ausência do aprofundamento das pautas dos trabalhadores ou ainda na tentativa maldosa de sempre jogar grevistas contra a população.

Direito constitucional

A greve é um direito assegurado na Constituição. É importante (e um dever) que a imprensa se preocupe com a população de uma maneira geral, mas não pode agir de forma irresponsável, incitando a ira do trabalhador/usuário contra trabalhador/servidor, pois este pode e deve fazer o uso das ferramentas que disponibiliza para buscar seus direitos (ferramentas que são poucas diante da força do capital).

Apesar de ser um direito que deixou de ser criminalizado há mais de meio século para entrar na ordem constitucional, a imprensa (com raras exceções) continua a "marginalizar" grevistas. Já o Estado - que serve ao sistema e atua em sintonia com esses meios - sempre tentou indiretamente, por meio de leis ordinárias, reprimir esse direito. Na época da ditadura civil-militar (chamada por alguns de "revolução de 64") eram costumeiras as intervenções aos sindicatos, as demissões em massa e as prisões. Ainda no campo histórico, a greve foi uma das bandeiras dos trabalhadores na Constituinte de 1986, assegurada em definitivo na redação do artigo 9º da Constituição Federal de 1988.

Estando claro que a paralisação é um direito, vamos a outros fatos (nem sempre pautados): a atual legislação obriga a publicação de editais de greve com 72 horas de antecedência das paralisações. Após a publicação, o Ministério Público do Trabalho ingressa com um pedido de liminar sobre a greve. Antes mesmo da greve se iniciar os Tribunais Regionais do Trabalho concedem liminares exigindo que determinada porcentagem dos trabalhadores permaneçam nos postos, assegurando o atendimento dos serviços considerados "inadiáveis". Diante disso também são estabelecidas multas diárias se os sindicatos descumprirem ordens judiciais, em multas e percentuais que variam de acordo com cada região.

Voltando a atual conjuntura da relação empregador/empregado, estamos assistindo uma retomada gradativa da capacidade de luta do movimento sindical - ainda tímida em relação a outras épocas - onde acompanhamos algumas conquistas de aumentos reais e recuperação de perdas acumulada nos últimos anos. Mas - paralelo a essa tímida retomada de luta - vemos uma campanha (nada tímida) de grandes veículos de comunicação que seguem jogando a população contra grevistas, não permitindo que essa mesma população entenda as reivindicações desses trabalhadores. 

Concluindo meu raciocínio, faço aqui o papel de "advogado do diabo", ao tentar decodificar essa relação da mídia e as greves: nesse complexo e turbulento relacionamento teriam os meios de comunicação o complexo do "teto de vidro"? Afinal, que moral algumas empresas de comunicação teriam de propagar que uma greve é justa, destacando questões como precarização de mão de obra, melhores condições de trabalho e direito de empregados (conhecidos também como "colaboradores"), quando esses meios não são os melhores exemplos para o assunto dentro de seus próprios currais?

Enfim, essa é uma mosca no meu quarto a zumbizar... e viva o João Sem Medo!