Outro 'invisível' [foto: Sidinei Santos] |
Sou zeladora, zeladora de hospital. Mais conhecida como serviço de
apoio, pode me chamar também de mulher da limpeza ou faxineira, como preferir.
A perspectiva de escrever me assusta. A dificuldade veio com recordações
um tanto quanto amargas, procurando um culpado achei o primeiro, uma vez a
doutora generalizou "são todos analfabetos", ela se referia a um
cartaz que devia ter figurinhas, senão as zeladoras não entenderiam o recado.
Na época não entendia o que ela queria dizer, mas umas figurinhas agora
ajudariam a escrever esta crônica.
Outros dois episódios marcaram bem o que pretendo dizer: o primeiro é
quando a acadêmica de medicina perdeu a agenda, veio procurar minha colega e
não contente com a negativa à procura de sua tão estimada relíquia, perguntou
se ela sabia o que era uma agenda. Foi de doer! Impressão minha ou ela nos
chamou de burras? No segundo, a enfermeira foi mais objetiva, ao se referir à
falta de talento da engenheira disse: - "Ela deveria estar trabalhando no
Serviço de Apoio".
Tanta agressão no meu intelecto, deixou-me frustrada. O modo mais
prático de provar o contrário parecia ser uma graduação, um diploma
universitário. A ideia brilhante na minha cabeça como diamantes. Porém, não
surtiu o efeito esperado! A primeira pérola do dia foi: - "Para que
estudar para limpar chão?". Caiu como uma bomba na minha autoestima. E em
meio a sentimentos devastadores que levariam à depressão da alma e carência de
sabedoria, percebo que estou só.
Ao meu lado estavam futuros advogados, educadores, administradores,
enfermeiros, mulheres e homens atualizados com página no Twitter e Facebook, que recebem recados
por e-mail, gostam de se vestir bem e degustar um bom vinho, de conversar sobre
política, cultura e questões ecológicas.
Uma nova geração que a hierarquia de trabalho não foi prepara para
perceber; geração com opiniões próprias, valores distintos, os primeiros de uma
era.
E como me falta inspiração para terminar esta minha busca do pitoresco e
desconhecido, uso palavras de meu instrutor de auto escola: com calma e treino
você chega lá, ninguém é perfeito.
* Dalva Patrícia de Jesus trabalha desde 2001 no HUOP (Hospital
Universitário do Oeste do Paraná) em Cascavel. Sua crônica recebeu no ano
passado menção honrosa na 4ª edição do Servir Com Arte, concurso realizado
anualmente pelo Governo do Paraná. O concurso mobilizou cerca de 4 mil
servidores públicos, que tiveram oportunidade de expressar seus talentos na
área de crônica, conto, poesia e fotografia.
* A imagem que ilustra a crônica é de Sidinei Aparecido dos Santos,
também servidor do HUOP, que recebeu menção honrosa no prêmio por sua
fotografia.
* Nota do blog: Durante a greve na Unioeste,
esse blogueiro teve a oportunidade de conhecer pessoalmente dezenas de
servidores que, assim como Dalva, para muitos são "trabalhadores invisíveis".
Presenciei muitos acadêmicos desferirem menosprezo ao se dirigirem aos
funcionários como "o pessoal que fecha e abre portões e que limpam banheiros". Vi tentativas claras de evidenciarem superioridade de uma
categoria perante a outra, amparado em "titulações". Mas o que
vi, sobretudo, foi o papel insubstituível que
determinados trabalhadores – mesmo "invisíveis" - têm. O que Dalva expressou em
sua crônica já presenciei na minha profissão (não diretamente a mim), mas
voltado a outros trabalhadores, já presenciei a "superioridade” de muitos
detentores de "canudos" ou de pelegos com discursos alinhados aos seus superiores
(sic)!.
Na antiga China dos mandarins, quando nascia uma criança os pais em geral eram cumprimentados mais ou menos assim:
ResponderExcluir"Tomara que ele seja honesto, pois assim será um bom trabalhador. Se for desonesto poderá perder a honra num cargo de ministro".
A honra cabe a quem trabalha!