sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A primeira crônica de uma zeladora

Outro 'invisível' [foto: Sidinei Santos]
* Dalva Patrícia de Jesus

Sou zeladora, zeladora de hospital. Mais conhecida como serviço de apoio, pode me chamar também de mulher da limpeza ou faxineira, como preferir.

A perspectiva de escrever me assusta. A dificuldade veio com recordações um tanto quanto amargas, procurando um culpado achei o primeiro, uma vez a doutora generalizou "são todos analfabetos", ela se referia a um cartaz que devia ter figurinhas, senão as zeladoras não entenderiam o recado. Na época não entendia o que ela queria dizer, mas umas figurinhas agora ajudariam a escrever esta crônica.

Outros dois episódios marcaram bem o que pretendo dizer: o primeiro é quando a acadêmica de medicina perdeu a agenda, veio procurar minha colega e não contente com a negativa à procura de sua tão estimada relíquia, perguntou se ela sabia o que era uma agenda. Foi de doer! Impressão minha ou ela nos chamou de burras? No segundo, a enfermeira foi mais objetiva, ao se referir à falta de talento da engenheira disse: - "Ela deveria estar trabalhando no Serviço de Apoio".

Tanta agressão no meu intelecto, deixou-me frustrada. O modo mais prático de provar o contrário parecia ser uma graduação, um diploma universitário. A ideia brilhante na minha cabeça como diamantes. Porém, não surtiu o efeito esperado! A primeira pérola do dia foi: - "Para que estudar para limpar chão?". Caiu como uma bomba na minha autoestima. E em meio a sentimentos devastadores que levariam à depressão da alma e carência de sabedoria, percebo que estou só.

Ao meu lado estavam futuros advogados, educadores, administradores, enfermeiros, mulheres e homens atualizados com página no Twitter e Facebook, que recebem recados por e-mail, gostam de se vestir bem e degustar um bom vinho, de conversar sobre política, cultura e questões ecológicas.

Uma nova geração que a hierarquia de trabalho não foi prepara para perceber; geração com opiniões próprias, valores distintos, os primeiros de uma era.

E como me falta inspiração para terminar esta minha busca do pitoresco e desconhecido, uso palavras de meu instrutor de auto escola: com calma e treino você chega lá, ninguém é perfeito.


* Dalva Patrícia de Jesus trabalha desde 2001 no HUOP (Hospital Universitário do Oeste do Paraná) em Cascavel. Sua crônica recebeu no ano passado menção honrosa na 4ª edição do Servir Com Arte, concurso realizado anualmente pelo Governo do Paraná. O concurso mobilizou cerca de 4 mil servidores públicos, que tiveram oportunidade de expressar seus talentos na área de crônica, conto, poesia e fotografia.

* A imagem que ilustra a crônica é de Sidinei Aparecido dos Santos, também servidor do HUOP, que recebeu menção honrosa no prêmio por sua fotografia.


* Nota do blog: Durante a greve na Unioeste, esse blogueiro teve a oportunidade de conhecer pessoalmente dezenas de servidores que, assim como Dalva, para muitos são "trabalhadores invisíveis". Presenciei muitos acadêmicos desferirem menosprezo ao se dirigirem aos funcionários como "o pessoal que fecha e abre portões e que limpam banheiros". Vi tentativas claras de evidenciarem superioridade de uma categoria perante a outra, amparado em "titulações". Mas o que vi, sobretudo, foi o papel insubstituível que determinados trabalhadores – mesmo "invisíveis" - têm. O que Dalva expressou em sua crônica já presenciei na minha profissão (não diretamente a mim), mas voltado a outros trabalhadores, já presenciei a "superioridade” de muitos detentores de "canudos" ou de pelegos com discursos alinhados aos seus superiores (sic)!.

Um comentário:

  1. Na antiga China dos mandarins, quando nascia uma criança os pais em geral eram cumprimentados mais ou menos assim:

    "Tomara que ele seja honesto, pois assim será um bom trabalhador. Se for desonesto poderá perder a honra num cargo de ministro".

    A honra cabe a quem trabalha!

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