quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cascavel, Cuba, Mandirituba: Itinerário de um militante

Éverton (à direita) em atendimento na Jornada de Agroecologia, em 2013
No fim de agosto de 2009, eu visitava uma casa simples no bairro do Santa Cruz, na região oeste de Cascavel, para conhecer um militante com então 23 anos que realizava o sonho de cursar medicina em Cuba. Na época, completava-se uma década de uma parceria entre os governos brasileiro e cubano – aliado com um trabalho de articulação de movimentos sociais – que proporciona a jovens brasileiros a oportunidade de estudar medicina no país caribenho, reconhecido internacionalmente pelo seu setor de saúde pública e gratuita.

Esse foi meu primeiro contato com o hoje médico formado, Everton Rodrigues Ferreira, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele completava três anos de estudos em Cuba e me relatava sua experiência na ilha caribenha, falava de seus sonhos e de personagens que servem de inspiração para o povo cubano, como o Fidel Castro e Ernesto Che Guevara.


Cinco anos depois, já com uma relação de amizade com Éverton, recebo com felicidade a notícia que este militante teve confirmada sua inserção no programa Mais Médicos, do Governo Federal. É o fim de mais um ciclo na vida deste jovem lutador, que em março, rumara à Mandirituba, região metropolitana de Curitiba, para atuar no programa.


Desejando a ele bom trabalho e boa luta e para relembrar a trajetória do jovem médico nascido em Vera Cruz do Oeste, reproduzo a entrevista feita em 2009, então pelo jornal Tribuna das Cidades, quando Evérton esteve de passagem de férias na casa da mãe, dona Fátima. Segue abaixo a íntegra do bate papo.

Como surgiu a oportunidade de estudar em Cuba?
Everton Ferreira: Faz três anos que estou estudando em Cuba num projeto chamado Escola Latino Americana de Medicina, que desde 1999, oferece bolsas para estudantes que tem não oportunidade de estudar medicina em seus países. Esse convênio se dá através de organizações sociais e partidos políticos. Sou militante do Movimento Sem-Terra e do PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e fui selecionado pelo movimento. Estudar medicina em um país socialista com a concepção que eles têm alimenta mais esse compromisso com a luta, de voltar para o Brasil e poder trabalhar e construir algo diferente.

Como é a medicina cubana?
EF: A medicina em Cuba é totalmente pública, não existe hospital privado, ou consultório ou algum médico que atenda de forma particular. Todos os serviços de medicina são públicos e gratuitos, desde a consulta até a realização de um exame, do mais simples ao mais complicado, até mesmo as internações, que tem altos custos. A medicina de Cuba se destaca por ser uma das melhores do mundo e a prova são índices de saúde que ela tem alcançado. Um índice interessante que indica essa qualidade é taxa de mortalidade infantil. Cuba ficou no ano passado [2008] com 4,7 mortes a cada mil nascidos vivos, que é o melhor índice da América. Os EUA, com toda a tecnologia e propaganda, são o terceiro colocado, tem 6 mortes para cada mil vivos. Para se ter uma ideia, o Brasil tem uma taxa de 19.

O foco é a medicina preventiva?
EF: Sim, tudo tem a ver com a prevenção, é outra forma de trabalho. Não é uma medicina mercantilista, direcionada ao lucro. No Brasil um médico fica esperando que a pessoa fique doente, o que chamamos de medicina clientelista. A melhor ideia de saúde que eu entendo é evitar que a pessoa fique doente, que não seja necessário que busque um médico. Um médico de família faz a medicina nas casas, faz acompanhamento do histórico de saúde da família, levando em conta alimentação, profissão, pois tudo isso está relacionado com o desenvolvimento de algumas doenças.

Como é a educação em Cuba?
EF: É totalmente gratuita, desde o jardim da infância até o curso superior. Gratuito e com muita qualidade. No ensino primário eles têm um limite de comportar no máximo 15 alunos por sala, já no fundamental e médio, no máximo 25. Isso representa uma capacidade de acompanhamento de cada aluno muito maior. Outro fator interessante é a questão do material didático, cada aluno tem acesso ao material didático de maneira completa, no ensino superior todos têm os livros necessários. São universidades, onde além de você não pagar mensalidade, você tem moradia, restaurantes universitário que oferece quatro refeições ao dia. Todo mês é entregue um kit de higiene e, como a maioria dos cursos são integrais, para estimular que os estudantes só estudem, eles dão um valor em dinheiro, que eles chamam de “estipêndio”, que é uma ajuda na complementação da alimentação, do transporte.

E o acesso à cultura?
EF: Isso é interessante, enquanto aqui no Brasil, a gente relaciona um balé ou ópera com quem tem dinheiro, lá é algo socializado. Pela primeira vez assisti um balé e uma ópera em Cuba e já perdi as contas de quantas vezes, pois é muito barato. Para eles, a cultura deve ser de acesso de todos. Isso é igualdade de possibilidade da pessoa se desenvolver. Você sai à noite e em todo lugar há um foco de uma manifestação cultural.

Porque tanta propaganda negativa de Cuba?
EF: Desde quando a revolução triunfou, Cuba passou a sofrer ataques, que vão desde medidas militares, econômicas, até propaganda ideológica. O único intuito é desmoralizar e desacreditar a revolução. Há muita propaganda manipulada. Nunca vi uma população com maior liberdade que os cubanos, na questão de se expressar. É uma população muito critica com a política do seu país e com a política internacional, são muitos politizados e tem muito conhecimento. Uma informação que não chega é que acontecem eleições periódicas, a cada cinco anos, a única diferença é que lá não há um limite para um governante se reeleger.

Como estão os cubanos em relação ao estado de saúde de Fidel Castro?
EF: Essa é uma informação que foi manipulada. Foi passada para fora a informação errada que quando o Fidel adoeceu, e caso ele morresse, os cubanos iriam para as ruas comemorar, mas foi muito pelo contrário. Primeiro não houve nenhuma manifestação, mas sim uma comoção geral da população. Nas escolas, as professoras estavam tristes e preocupadas como se estivessem preocupadas com um pai. O respeito pelo Fidel é muito grande, por toda sua história e moral.

Como jovem militante e estudante de medicina, Che Guevara lhe serve de inspiração?
EF: Por seus pensamentos, pela sua história e pelo fato da vivência em Cuba, obviamente que sim. Muitas vezes sua imagem acaba sendo banalizada, pois tornou-se uma ‘marca’. Em Cuba é diferente, por tudo que ele representou. Sua força de luta, sua ética, moral como militante e com um jovem de garra que acreditou em seus sonhos, em seus ideais. Obviamente que a figura do Che é um grande estímulo para todos em Cuba.

Há corrupção em Cuba?
EF: Nunca soube de um ato de corrupção em Cuba, mas na história isso já aconteceu, porém a punição que se tem para um político que rouba o Estado é bastante severa de uma maneira que inibe esses atos. Uma das maiores diferenças para o Brasil é que lá um político quando se candidata tem que estar com muita disposição de trabalhar, porque lá eles não ganham uma enormidade, o salário dele não se diferencia de um salário de outro trabalhador. Para se ter ideia, o presidente não ganha mais que um jornalista ou um professor em sala de aula e ainda não tem toda essa facilidade daqui, que além do salário, o político tem uma série de privilégios.

Há uma maior participação popular?
EF: O acompanhamento que o cubano tem sobre a política do seu país é muito mais séria e muito mais presente. A comunicação dos políticos com a população é maior. A vida de um governante de uma província é o cotidiano daquela população.

Quais seus planos após concluir o curso daqui três anos?
EF: O principal é voltar formado clínico geral, voltar a militar junto ao Movimento Sem Terra e como militante desta organização poder contribuir na continuidade da luta, com o compromisso de fortalecê-la.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Após 3 anos, Bernardo reflete a imobilidade do governo


Há exatos três anos, em 2 de janeiro de 2011, o paranaense Paulo Bernardo tomava posse como ministro das Comunicações do Brasil e passava a ser o primeiro político do Partido dos Trabalhadores a assumir o ministério.  De lá pra cá, muito pouco aconteceu no setor, pouco mudou em relação a pasta, mas é evidente o retrocesso em relação aos posicionamentos do ex-ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social (SECOM), o jornalista Frankilin Martins - esse sim de um histórico de militância na esquerda nacional. Ao longo de sua atuação, o petista mantém-se imobilizado quando o assunto é discutir a regulamentação do setor das telecomunicações e rádiodifusão (concessões públicas).

No último triênio, Bernardo tem sido – na opinião dos movimentos sociais e dos militantes da comunicação – um grande obstáculo para a discussão de uma verdadeira mídia democrática. Esses empecilhos para implantação do "prometido" marco regulatório talvez explique o fato de Bernardo ser um ministro "poupado" pela sempre tão "crítica" mídia brasileira, que em outros momentos chegaram a rasgar seda ao "pragmatismo" do paranaense, diferente de outros titulares de pastas, constantemente na berlinda da velha mídia.

Nosso ministro conhece experiências de outros países que realizaram reformas em legislações da comunicação, como Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão (RESORTE), na Venezuela - que incluíram novas regras para conteúdos publicados na internet e para a concessão a emissoras de rádio e TV no país; a Lei Orgânica das Telecomunicações do Equador, a Lei da Mídia do Uruguai - enviada recentemente ao Congresso daquele país - e a mais conhecida delas: a "Ley de Medios", na Argentina.

Nesses países a grita foi grande do empresariado da grande mídia - acostumado a lucrar com comunicação por meio da alienação e que ainda busca vender a falácia que regular seria o mesmo que "censurar". Qualquer um que acompanha a imprensa, sabe que não há possibilidade disso acontecer no atual processo democrático que vivemos - isso nunca seria permitido pela própria opinião pública. 

As principais características dessas novas regulações no setor é buscar pôr fim aos monopólios e oligopólios, sem regular conteúdos como se tentou vender a ideia - comprada inclusive pela imprensa brasileira. Afinal, qualquer setor do mercado precisa ser regulado, é a lógica do sistema capitalista, então porque com as comunicações deveria ser diferente?

Essas experiências de legislações limitaram o número de concessões, dividindo-as em fatias para três setores da sociedade: público, privado e terceiro setor. As regulamentações ainda buscam conter a grande presença de empresas internacionais no setor, limitando o espaço ao capital estrangeiro. Porém o mais interessante é a participação da população em todos esses processos - tanto para aprovação dessas leis por meio dos movimentos sociais, inclusive tomando as ruas - quanto na fiscalização e futura aplicação da legislação por meio de conselhos federais do setor.


Voltando ao Paulo Bernardo, vale lembrar que em Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores o marco regulatório das comunicações foi tratado como "um desafio do momento", como de "relevância e objetivo comum" tanto para legenda quanto para os movimentos sociais. Em carta, o PT aponta como "urgente abrir o debate no Congresso Nacional sobre o marco regulador da comunicação social – ordenamento jurídico que amplie as possibilidades de livre expressão de pensamento e assegure o amplo acesso da população a todos os meios – sobretudo os mais modernos como a internet".


Pois bem, ao completar três anos no ministério, a pergunta que precisa ser feita ao paranaense é se o marco regulatório é realmente, como diz o documento de seu partido, um "objetivo comum" junto aos movimentos que levantam a bandeira da democratização da comunicação. O ministro - já questionado pela submissão do governo às telefônicas (as chamadas Teles) sobre o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), precisa vir a público esclarecer o porquê o projeto "rascunhado" por Franklin Martins – e que precisa de alguns ajustes – segue engavetado.

Obviamente que não posso ser injusto e colocar toda a carga em cima do ministro, que representa uma posição maior de um governo e consequentemente seu "chefe", no caso a presidenta Dilma Rousseff. Mas cabe a Paulo Bernardo dar uma resposta se o Estado Brasileiro - a exemplo de outros países latino-americanos - está realmente disposto a bancar esse "custo político" do enfrentamento com os grandes grupos que controlam e manipulam a mídia do país, famílias que são contadas nos dedos de uma única mão.