sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Uma década da estrela dourada

Alex pula sobre o goleiro Silvio, após marcar o gol da vitória e do título

"Em que o futebol se parece com Deus? 
Na devoção que desperta em muitos crentes e 
na desconfiança que desperta em muitos intelectuais".

Início esse texto - último do ano - com uma citação do livro 'Futebol ao sol e a sombra', do uruguaio Eduardo Galeano. A frase expressa bem o que sente o fanático, aquele que chega ao estádio embrulhado na bandeira, com a cara pintada com as cores do time adorado, que na onipotência dos domingos exorciza a vida obediente do resto da semana.

Sou um réu confesso quando o assunto é futebol, sou um apaixonado por esse universo de perdas e conquistas, de histórias que ultrapassam as quatro linhas. Réu confesso que beira a insanidade, do bando de fervorosos das arquibancadas, bares ou de suas casas com o coração nas mãos.

Nesse calendário desta festa pagã - chamada futebol - há datas que são especiais. Há exatos 10 anos, no dia 23 de dezembro de 2001, o Brasil se rendia ao rubro-negro paranaense – apesar do sempre preconceito existente na imprensa paulista e carioca – que reconhecia que o Atlético praticava o melhor futebol do país.

Há uma década, o Furacão consagrava-se campeão brasileiro – numa campanha iniciada no dia 2 de agosto de 2001 com uma vitória de 2 a 0 diante do Grêmio e que teve como desfecho a partida final de dia chuvoso em São Caetano do Sul. Um jogo que expressou a garra rubro-negra – que suportou a pressão do São Caetano – e que teve o bote final aos 22 minutos do segundo tempo, após a arrancada pela esquerda do lateral Fabiano. Depois do chute cruzado espalmado pelo goleiro Silvio Luiz, eis que surge como uma flecha o artilheiro Alex Mineiro, o bola de ouro de 2001, para empurrar a pelota para as redes.

Como já escrevi em outras oportunidades, falar do Atlético é viajar no tempo, voltar ao fim dos anos 80, voltar a velha Baixada – o Caldeirão do Diabo - com o grande símbolo de pedra na rampa de acesso. É se arrepiar ao ouvir a famosa paródia de The Wall e conseguir visualizar Roger Waters e David Gilmour mandar em melodia a coxarada para o "lugar que lhes é de direito".

Voltar no tempo... Lá se vai uma década desde aquela tarde de domingo, tarde de alegria e emoção pelo maior título da história do Furacão. Tarde acompanhada de grandes amigos, onde minha 'primeira paixão' se consagrava de vez no cenário do futebol brasileiro.

Quis o destino que comemorássemos uma década do título em um ano de poucas alegrias para o rubro-negro. Ano de queda, mas que caímos de pé, sem nos envergonharmos por cenas de barbárie, com nossa torcida provando porque é a maior e a mais vibrante do Estado. Provamos que os que vestem o manto rubro-negro o fazem somente por amor, como diz o verso de Zinder Lins.

A todos os fanáticos desta festa pagã – que hoje relembram uma década da estrela de ouro e que no próximo ano farão parte da recondução do Furacão para seu devido lugar – as minhas homenagens.

"No céu ou inferno, aonde for,
teu escudo, minha honra e meu amor.
Nascer viver, mais que torcer
Atleticano até morrer!"

Que venha 2012!


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Nota de repúdio da Comissão de Terras Guarani

Foto: Paulo Porto Borges
Nos dias 10 e 11 de dezembro, foi realizado na Aldeia Yv’a Renda Poty, em Santa Helena, o V Encontro de Rezadores e Lideranças Indígenas do Oeste do Paraná, oportunidade onde foi prestada solidariedade aos irmãos Guarani-Kaiowá, do Mato Grosso do Sul. A Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná também emitiu uma nota de repúdio ao assassinato do cacique Nísio Gomes. Segue abaixo a íntegra da nota.

 Nós, caciques, rezadores e lideranças indígenas membros da Comissão de Terras Guarani do Oeste do Paraná, reunidos da aldeia de Yv’a Renda Poty, repudiamos o assassinato do parente Guarani-Kaiowá Nísio Gomes, da aldeia de Tekoha Guaviry, município de Amambaí. A sua execução por pistoleiros no dia 18 de novembro já vai fazer um mês e seus assassinos e mandantes ainda estão impunes, assim como dos vários indígenas mortos nestes anos. O assassinato do cacique Nísio se soma as duas centenas de parentes mortos somente nestes últimos oito anos, uma matança que já toma a forma de genocídio contra o povo Guarani e os povos indígenas do Brasil. Neste ano de 2011 aconteceram – somente no Mato Grosso do Sul – 150 ameaças de morte e 34 assassinatos, quase sempre lideranças do nosso povo envolvidos na luta pela terra tradicional. E nosso povo continua resistindo debaixo das lonas, nas beiras das estradas e nas pequenas aldeias cercadas pela soja e pelo agronegócio. Não podemos continuar assistindo calados os crimes cometidos contra nossos parentes, não podemos mais assistir tanto o poder judiciário como o executivo sendo utilizados para espoliarem nossas terras e assassinarem nossos líderes. É vergonhosa a tolerância do governo federal aos ataques no Mato Grosso do Sul!! Temos notícias que existem várias lideranças indígenas Kaiowá juradas de morte, entre elas o vereador indígena Otoniel Guarani, do município de Caarapó. Devido a isso, exigimos:

1.      Imediata intervenção do governo federal no Mato Grosso do Sul
2.      Proteção as lideranças ameaçadas
3.      Imediato reconhecimento das terras indígenas e sua demarcação
4.      Punição aos assassinos e mandantes

 Comitê de Terras Guarani do Oeste do Paraná 

            Dezembro de 2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Protagonismo e solidariedade Guarani

Teodoro Alves Tupã (foto: Paulo Porto)
Fortalecer o protagonismo na luta pelos direitos dos povos indígenas e mostrar a solidariedade com os irmãos Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul semearam as discussões do V Encontro de Rezadores e Lideranças Indígenas do Oeste do Paraná, realizado nos dias 10 e 11 de dezembro na aldeia Yv’a Renda Poty, em Santa Helena (PR).

Líderes políticos e religiosos das comunidades de Itamarã, Tekoha Añetete, Ocoy, Pinhal, Lebre, Y’ Hovy e da própria Yv’a Renda Poty estiveram nos debates. O encontro ainda contou com autoridades não-índias da Assessoria de Assuntos Agrários do Governo do Paraná, além de alunos da Unila (Universidade da Integração Latino-Americana).

Desde o primeiro encontro, em junho do ano passado, os povos indígenas do Oeste do Paraná já obtiveram avanços. A atual situação da área onde foi organizado o evento é prova disso. Na oportunidade do I Encontro de Lideranças, as 17 famílias da comunidade de Yv’a Renda Poty viviam sob ameaça de intervenção da área. Hoje a aldeia é reconhecida pelo Estado do Paraná como uma terra guarani, um tradicional "tekoha".

Para os Guarani, os tekoha – mais do que serem simples espaços de subsistência – são locais sagrados onde se produz toda a cultura e o modo de ser de seu povo, onde é repassado o significado das lutas destes povos tradicionais. Neste espírito transcorreu o encontro em Santa Helena com a avaliação dos líderes indígenas dos trabalhos feitos ao longo de um ano e meio, desde a criação da Comissão de Terras, criada a partir do primeiro encontro.

Essa comissão vem discutindo junto às autoridades não-indígenas questões de políticas públicas e da demarcação de terras na região. Por meio de um grupo de trabalho, os indígenas vêm organizando um mapeamento dos locais. O processo de reconhecimento passa pela identificação da terra – se realmente se trata de uma terra indígena, a delimitação do espaço e, num terceiro momento, a área é demarcada. Ao final, a terra é homologada e é criada juridicamente a área.
 
O professor guarani Teodoro Alves Tupã, coordenador da comissão, fez uma avaliação positiva do trabalho. "Hoje a Comissão de Terras Guarani é reconhecida como um instrumento de luta política por todas entidades e associações indígenas, tanto Guarani como Kaingang no Paraná, e também pelas autoridades não-índias, como a FUNAI [Fundação Nacional do Índio], o Ministério Público e a Itaipu. Este reconhecimento – que foi construído por nossas lutas e mobilização – vem nos permitindo avançar na luta por nossos direitos".

Protagonismo

Apesar das conquistas, o consenso entre as lideranças é que é necessário avançar no protagonismo, pois apesar de reconhecerem o apoio à causa por parte de setores da sociedade como ONGs, universidades, movimentos sociais e entidades de classe, todos têm clareza que apenas o próprio indígena é "dono de seus direitos e devem ocupar mais espaço junto às políticas públicas e a própria Funai".

Deste debate nasceu um documento a ser apresentado as autoridades competentes apontado a necessidade do reconhecimento das terras tradicionais e a aceleração dos laudos antropológicos das áreas já ocupadas.

Solidariedade

Reforçando que fronteiras são linhas imaginárias criadas pelos não-índios, os indígenas do Oeste do Paraná também discutiram a questão das ameaças e violências contra os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Sensibilizados pelo sofrimento que passa o povo irmão, os líderes regionais decidiram entrar em contato com a Aty Guasu (uma grande assembleia que reúne lideranças Guarani) e organizar uma comitiva para visitar a região de Amambái (MS) no final de janeiro.

Para os líderes guarani do Oeste do Paraná, o momento é de prestar solidariedade aos 'parentes Kaiowá'. "Os atentados contra as lideranças Guarani-Kaiowá são atentados contra todo o povo Guarani e deve ser respondido por todo o povo Guarani. A luta é a mesma e o povo é o mesmo", afirmou o rezador guarani Vicente Abogado.


Fotos: Paulo Porto

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O maldito lugar de Lester Bangs

♪♪ Hangin' out with Lester Bangs you all
And Phil Spector really has it all
Uncle Floyd shows on the T.V.
Jack Nicholson, Clint Eastwood, 10cc
But it's not my place. 
  
Entre os citados neste trecho da música It’s Not My Place (In The 9 To 5 World), do álbum Pleasant Dreams, lançado em 1981 pelo Ramones, está o jornalista californiano Lester Bangs, considerado para muitos o maior crítico de rock n’ roll de todos os tempos.

Na canção Bangs é de certa forma "enforcado" e citado a algumas "celebridades" como Jack Nicholson e Clint Eastwood. O curioso é que o jornalista abominava celebridades, os chamados VIP’s. O verso da canção do Ramones ainda diz: "este não é o meu lugar". Mas qual seria o lugar de Leslie Conway Bangs, vulgo 'Lester', que estaria de aniversário nesta semana?

Lester teve uma curta, porém explosiva, passagem pela imprensa. Iniciou fazendo "frilas" para a Rolling Stone, oportunidade que apareceu quando a revista abriu espaço para leitores fazerem resenhas de bandas. Iniciou com uma crítica do álbum Kick Out The Jams (1969), do MC-5.  

Aberta a porta, ele começou a acompanhar bandas que mudaram o cenário do rock, como Black Sabbath e Led Zeppelin. Acabou demitido da Rolling Stone por ordem do editor da revista, pois – 'maldito' que era – se recusava a escrever sob as rédeas e as amarras editoriais.

Na revista Creem conseguiu ser 'mais' Lester Bangs, com seus textos e críticas "psicotrópicas" no estilo que ficou conhecido como "gonzo jornalismo", hoje imortalizado na figura do lendário Hunter Thompson.

Assim como Hunter – conhecido por muitos apenas pela interpretação de Johnny Depp em Fear and Loathing in Las Vegas (Medo e Delírio) – muitos tiveram o primeiro contato com Lester ao assistir o filme Almost Famous (Quase Famosos), onde o crítico musical é interpretado pelo ator Philip Seymour Hoffman.  Para quem não recorda, Lester é o conselheiro de William Miller (Patrick Fugit), o "foquinha" que consegue um frila na Rolling Stone para acompanhar a banda Stillwater.

Além de escrever sobre rock, Bangs fez rock. Foi músico, juntou-se a Mickey Leigh (irmão de Joey Ramone) na banda Birdland, na Nova Iorque dos anos 70. Ainda fez parte no Texas de uma banda de punk-rock chamada Delinquents, que chegou a gravar o álbum Jook Savages on the Brazos.

Lester morreu em 1982, então com 33 anos, em decorrência de uma overdose de medicamentos. Em textos na internet, já li de alguns fãs que o jornalista era uma mistura de Kerouac e Bukowski aplicada ao rock n’ roll. Sem dúvida, uma ótima interpretação deste "maldito" que não se prendia a rótulos e que incorporou como ninguém o espírito de sua época.

É curioso pensar qual seria o lugar de Lester Bangs neste mundo atual onde as rebeldias estão cada vez mais contidas e a futilidade é cada vez mais evidente no culto às personalidades, grande motivo da repulsa do jornalista maldito, como bem exposto neste trecho abaixo de uma entrevista a publicação News Blimp, em 1980. 

“Todas as pessoas que conheço estão completamente alienadas, de saco cheio, enojadas com tudo, e sei que boa parte daqueles que trabalham na mídia e nos impingem essas coisas está tão alienada quanto o público. O público compra só porque não lhe é oferecida outra coisa. E, pessoalmente, eu me pergunto quando as pessoas vão começar a dizer: "Não! Eu me recuso, não quero mais isso!”.
[Lester Bangs]