quarta-feira, 20 de junho de 2012

Buena Vista: uma aventura a bordo do busão 57



Em Diários de Motocicleta, um bioquímico prestes há completar 30 anos e um estudante de medicina prestes a concluir o curso resolvem se aventurar por uma América até então conhecida apenas nos livros. Para isso, a dupla de naturalidade argentina usa uma motocicleta Norton 500, do ano de 1939, carinhosamente apelidada de 'La Poderosa'. O destino daqueles que deixariam de ser 'simples jovens' na história de nossa 'Pátria Grande' vocês devem conhecer. 

A aventura de Alberto Granado e Ernesto Guevara sempre esteve no imaginário da juventude latino-americana.  Esse espírito aventureiro de nosso mestiço - e por isso - lindo continente é que move um grupo de artistas argentinos que há cinco meses está na estrada. Com idade entre 21 e 24 anos, eles atendem por 'Movimento Buena Vista' e já passaram por outros países da América do Sul, como Chile, Peru e Bolívia. Atualmente se aventuram no Brasil, onde desenvolvem trabalhos ligados a arte; como música, pintura, artesanato e cinema.

Tive a oportunidade de conhecer os rapazes do Buena Vista em Curitiba, onde o movimento oriundo do pequeno município de Las Flores – norte da Argentina – aportou há pouco mais de um mês. Ao chegar na capital do Paraná junto com servidores da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - que horas mais tarde fariam um protesto em frente a sede do governo - me deparei com a cena que me chamou atenção.

Próximo ao Museu Oscar Niemeyer, em meio a alguns ônibus típicos de excursões, estava um transporte antigo, pintado de forma primária com cores vivas, tendo na porta uma estrela vermelha e acima do pára-brisa a palavra 'Buena Vista'. Prontamente, o que me veio à cabeça foi orquestra cubana Buena Vista Social Club e o desejo de me aproximar para saber o que estava por trás daquele meio de transporte de mais de meio século.  

Enquanto alguns tiravam foto em frente ao ônibus, me aproximei e, percebendo que não se tratavam de brasileiros, me apresentei como sendo periodista (jornalista). Entrei no ônibus – um Mercedes Bens de 1957 – tendo todo seu interior decorado com pôsteres e recortes relacionadas à música, com ícones como Bob Dylan, Bob Marley, Mercedes Sosa, Manu Chao e Rolling Stones, além de lembranças de nosso continente, como bandeiras de países da América do Sul e, obviamente, a foto mais reproduzida da história: o olhar no horizonte de Che Guevara.

Para 'quebrar o gelo' - afinal se apresentar como jornalista poderia não ser um bom começo - dei início a prosa com Tero, Hipo, Enzo, Emilio, Feder e Juan, falando sobre a vitória do Boca Juniors na Libertadores da América que havia acontecido na véspera, sabendo eu que o futebol era algo que 'unia' brasileiros e argentinos. A confissão de ser um 'maradonista confesso' foi a senha perfeita e acabei sendo apontado pelos hermanos como um 'caso raro' entre os brasileiros.

Acabei surpreendendo e ao mesmo tempo divertindo os camaradas ao anunciar que os 'maradonistas' no Brasil não são tão raros assim - talvez aqueles confessos - mas fiz questão de me certificar que não contariam meu 'segredo' no lado de fora do ônibus, obviamente preocupado com minha integridade física.

Entre os recortes que decoravam o ônibus, um deles me chamou a atenção: Um adesivo escrito 'Bush, lo peor de todos' e abaixo dele uma foto clássica de Muhammad Ali esmurrando um adversário; um João qualquer como diria o Mané. Apontei e disparei: "Que contradição, acima o pior e abaixo o melhor de todos!". Estava ali a senha para a passagem de nossa prosa do esporte para a política.

Falamos da necessidade da integração dos povos latino-americanos e os avanços promovidos por alguns governos de caráter progressista em nosso continente - em especial o da Argentina - além da participação dos jovens na política. Expliquei que estava na cidade para fazer a cobertura de um protesto dos trabalhadores da universidade; eles interviram de pronto e passaram a apontar as diferenças que sentiram nos meses que estão no Brasil em relação ao ensino superior da Argentina.

Discorreram sobre a universidade argentina e o acesso a ela. "Por lá todos tem acesso a universidade pública. Por aqui, nos parece que se não há grana, não há estudo", falou Hipo, enquanto Juan – deixando de lado o livro que lia – disparou: "A universidade por lá é mais política". (entendendo-se 'mais política' como algo positivo e não com a velha opinião formada sobre o senso comum). Citaram que, diferente de grande parte dos estudantes por aqui, os universitários argentinos apóiam os movimentos grevistas nas instituições, pois acabam se sentindo parte também da luta reivindicatória.

Alguns do Movimento Buena Vista são formados e outros trancaram seus cursos nas áreas de História, Turismo, Cinema e Relações Internacionais. Todos eles estudaram na Universidade de La Plata, na Grande Buenos Aires. "Las Flores é muito pequena, não há universidade, então estudamos em La Plata, que fica há 200 quilômetros de nossa cidade", explicou Tero.

O grupo me contou que a atmosfera política dentro da Universidade de La Plata é enorme, com os estudantes participando de discussões diárias sobre política e os rumos da universidade. "Isso é histórico por lá, foi em La Plata que houve o maior extermínio de militantes e estudantes durante a ditadura", disse Hipo, me indicando o filme La Noche de Los Lapices, que traz a história de sequestros de estudantes secundaristas durante o período militar na Argentina.

Ao terminar minha prosa que passou de futebol a política, questionei sobre o destino do Buena Vista dali pra frente. Falaram que precisavam terminar alguns 'bicos' em Curitiba e que por ali ficariam por mais alguns dias. De lá partiriam para o Mato Grosso do Sul. Depois disso é esperar para ver até onde o Mercedes Bens 57 conseguirá levar esses aventureiros em suas viagens embaladas por muito rock, reggae e musica latina, lembrando muito a aventura da dupla que tinha a 'Poderosa de 1939'.

Tero, Fede, Emilio, Juan, Enzo e Hipo

Qual o próximo destino do Mercedão 57?

quinta-feira, 14 de junho de 2012

FOZ DO IGUAÇU É?

* Danilo Georges

Foz do Iguaçu não é uma cidade é uma paisagem, ou melhor, um modelo de paisagem para se forjar uma cidade. A Cidade paisagem tem muitas faces, ela é falsa, mentirosa e lubridiosa. Ora é inferno urbano no programa sensacionalista ora é paraíso natural na propaganda oficial turística.

Foz do Iguaçu não é uma cidade é estatística, sendo estatística não há pessoas nem vidas, só há contabilidade de mortos ou turistas.

Foz do Iguaçu é o Templo do Consumo, Números, notas e conta das compras, morador é consumido e consumado made in Taiwan no produto globalizado.

Foz do Iguaçu é uma Fronteira imposta, com armas cada vez mais novas, com calibres cada vez mais pesados, com braços cada vez mais fortes e mais violentos, sobreviver aqui é sofrimento, a cidade está fardada ao fracasso da insegurança pública.

Foz do Iguaçu não é bairro, é condomínio fechado com muros a prova de gente, com carros importados com vidros escuros da indiferença, cidade do medo, medo do pobre e do preto.

Foz do Iguaçu é cidade de elite, gente chique, não gostam de manos ou hippies esses são sufocados pelo estereótipo local, esculachados pela guarda municipal dentro do padrão marginal, nessa cidade não se esqueça só morador pobre morre cedo.

Foz do Iguaçu, a cidade da maior usina hidrelétrica, mas a Itaipu não clareia o tormento dos familiares dos operários que morreram no cimento, tanta produção energética e falta iluminação nas ruas e vielas das favelas, se produz mais contradição do que luz. Depois de desapropriar os indígenas das suas terras tenta se cultivar uma água boa. Água boa é pura, límpida e cristalina, e não essa água que escorre dos rios das opressões das terras privatizadas e dos rios contaminados. Em suma quanta energia desperdiçada!

Foz do Iguaçu não é escola, já que turmas de escolas públicas estão sendo fechadas, corte de gastos, para gerar mais lucro para o estado. Precarização do trabalho. Foz do Iguaçu é prisão, pois essas estão sendo ampliadas, reforçadas, monitoradas e fortificadas cada vez mais. Usado o mesmo dinheiro do estado. Equação da barbárie: + presídio – escola = mais de 200 jovens assassinados ao ano.

Foz do Iguaçu não tem espaços públicos, tudo por aqui é privatizado, se prevalece a lógica privada, em síntese Foz não é uma cidade, é uma grande privada que a burguesia caga, é sempre o trabalhador informal quem limpa, em 98 anos esse é o ciclo. A burguesia caga na cidade e o povo é quem se suja.


* Danilo Georges é historiador e um dos idealizadores do fanzine Adelante
* a ilustração acima é do filme O Discreto Charme da Burguesia (1975), de Luiz Buñuel

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Licenciatura do Campo rompe "cerca do conhecimento"

Aula inaugural no Campus da Unioeste em Cascavel
"Para além das cercas do latifúndio, o rompimento das cercas do conhecimento". É dentro dessa lógica - de aproximação dos movimentos sociais com o ensino superior – que a Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) desenvolve experiências de Educação no Campo, proporcionando aos camponeses, acesso ao nível superior de qualidade e gratuito.

Sob o lema 'Educação do Campo, Direito Nosso, Dever do Estado e Compromisso com a comunidade', foi realizada a aula inaugural de 2012 do curso de Licenciatura em Educação do Campo, desenvolvido dentro de instituições públicas de ensino superior por meio do 'regime de alternância' – que consiste em organizar o tempo dentro da lógica que possibilite a presença dos camponeses na universidade sem o abandono do campo.

No Paraná, duas instituições oferecem o curso, a Unioeste e a Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste). "A intenção é que os camponeses permaneçam no campo, vários deles já dão aulas ou são lideranças de suas comunidades", explica o professor Paulo Porto Borges, coordenador da Educação do Campo na Unioeste. Para ele, a universidade pública tem o papel de garantir acesso ao ensino superior à classe trabalhadora, abrigando e fortalecendo a luta das classes populares.

A turma de Licenciatura do Campo conta com 53 alunos de seis estados: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Tocantins. A maior parte deles é oriunda do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mas também há alunos do MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra), MNLM (Movimento Nacional de Luta Pela Moradia), MMC (Movimento Nacional de Mulheres Camponesas), MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e PJR (Pastoral da Juventude Rural).

Os alunos foram indicados para fazer o vestibular por suas próprias comunidades, como forma de atender uma demanda coletiva. A turma atual está no segundo ano de curso e, a partir do terceiro ano, os alunos serão divididos em duas áreas de conhecimento: Ciências Agrárias e Ciências da Natureza e Matemática. Após formados, eles estarão habilitados para darem aulas na séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Alguns educandos já são educadores nas comunidades que vivem. É o caso de Clara Orzekoski, que atua há 10 anos como educadora do campo nas escolas itinerantes do MST. Ela é moradora de um assentamento na região do Vale do Ivaí. "Estamos buscando nossa formação, tendo a coragem de resistir, entrando na universidade para abrir esse elo com a sociedade e mostrarmos quem somos, mostrar a luta do homem camponês", destaca Clara.  

A aluna explica que a partir dessa experiência vão se superando alguns preconceitos de parte da sociedade que desconhece a luta dos movimentos sociais de luta pela terra. "Nós trazemos para a universidade a lógica dos assentamentos e acampamentos, vamos vencendo preconceitos, rompendo barreiras e nossos próprios limites", aponta.

Essa lógica da realidade do acampamento é reforçada na novidade para esse segundo ano da licenciatura. Diferente do primeiro ano – onde os alunos ficavam hospedados em um hotel – dessa vez a turma ficará alojada na própria universidade durante o período do curso. Eles permanecerão em um alojamento até o início de agosto. Como o curso é um programa federal, a alimentação e hospedagem ficam a cargo do MEC (Ministério da Educação), enquanto o Estado cede estrutura e professores.

Celso Ribeiro, um dos coordenadores do MST na região Oeste do Paraná, foi um dos convidados da aula inaugural de 2012. "Nossa luta não é só pela terra, mas pela conquista de espaços. O movimento tem uma história bonita dentro da Unioeste, onde conseguimos trazer o debate da questão agrária para dentro da universidade, mesmo diante de todas as dificuldades para cursar um ensino superior. Essa formação é fundamental para que os alunos possam contribuir com o movimento", aponta.

Alexandre Webber, diretor do Campus de Cascavel da Unioeste, afirma que a universidade não pode ficar isolada da comunidade. "Temos o papel de ampliarmos a educação do nível superior, dando condições para que esses alunos permaneçam no campo com condições dignas", destaca. 

Para Paulo Porto, coordenador da licenciatura, o grande desafio é transformar o curso em regular dentro da instituição. "Esse é um momento inédito na Unioeste, um momento de resistência popular, onde os movimentos sociais fincam sua bandeira na Unioeste", conclui.