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O ano de 1968 foi considerado o "orgasmo da história" em virtude da onda de manifestações que eclodiram por todo mundo. No mesmo ano, Martin Luther King – ativista dos direitos civis nos Estados Unidos – foi assassinado. Em abril, dias antes do crime, ele liderou uma marcha em apoio a uma greve de 1,3 mil funcionários negros da limpeza pública por melhores condições de trabalho e salários decentes.
Na ocasião, a paralisação dos trabalhadores já durava cerca de dois meses e a marcha foi reprimida com violência dos órgãos repressores do Estado. Luther King dizia que a "greve é a linguagem dos não-ouvidos". Linguagem é comunicação e, quando falamos em greve, a comunicação tem um papel fundamental e os meios que propagam informação devem agir com responsabilidade.
Deixando 1968 na história e voltando ao presente, vivenciamos uma espécie de "catarse coletiva" de mobilizações de trabalhadores, especialmente no transporte coletivo (mas podemos citar até mesmo - com surpresa - paralisação de jornalistas e radialistas em Minas Gerais). Como de praxe - ainda que de forma velada - a mídia vem fazendo sua ofensiva diante das greves.
Nenhum meio de comunicação (seja ele grande, de circulação nacional, ou regional e local, que reproduz as mesmas visões e juízos) ataca de forma direta o direito de greve. Não pela falta de vontade em si, mas por não terem coragem de investir contra um direito que foi conquistado ainda no século 19, com o esforço, sacrifício e sangue de trabalhadores.
Como não podem atacar o direito constitucional de greve fazem ofensivas direcionadas em cada paralisação, especialmente quando as greves acontecem no setor público. É raro (quase surreal) quando a mídia admite que uma greve é justa. Para ela, todas as mobilizações são "abusivas" e foco da cobertura está sempre nas pessoas prejudicadas (o usuário/consumidor) e nunca no trabalhador grevista.
A maneira pejorativa que são tratadas as greves por vezes beira a ingenuidade quando o receptor da informação é alguém que tem uma mínima noção de como funciona a relação empregador/empregado e de como se dá a luta de classes em nossa sociedade. Seja no espaço maior dado ao empregador, seja na ausência do aprofundamento das pautas dos trabalhadores ou ainda na tentativa maldosa de sempre jogar grevistas contra a população.
A greve é um direito assegurado na Constituição. É importante (e um dever) que a imprensa se preocupe com a população de uma maneira geral, mas não pode agir de forma irresponsável, incitando a ira do trabalhador/usuário contra trabalhador/servidor, que pode e deve fazer o uso das ferramentas que disponibiliza para buscar seus direitos (ferramentas que são poucas diante do capital).
Apesar de ser um direito que deixou de ser criminalizado há mais de meio século pra entrar na ordem constitucional, a imprensa (com raras exceções) continua a "marginalizar" grevistas. Já o Estado - que serve ao sistema e atua em sintonia com esses meios - sempre tentou indiretamente, por meio de leis ordinárias, reprimir esse direito. Na ditadura aconteciam as intervenções aos sindicatos, as demissões em massa e prisões. Ainda nesse campo histórico, a greve foi uma das bandeiras dos trabalhadores na Constituinte de 1986, assegurada em definitivo na redação do artigo 9º da Constituição Federal de 1988.
Ficando claro que a paralisação é um direito, vamos a outros fatos (nem sempre pautados): a atual legislação obriga a publicação de editais de greve com 72 horas de antecedência das paralisações. Após a publicação, o Ministério Público do Trabalho ingressa com um pedido de liminar sobre a greve. Antes mesmo da greve se iniciar os Tribunais Regionais do Trabalho concedem liminares exigindo que determinada porcentagem dos trabalhadores permaneçam nos postos, assegurando o atendimento dos serviços considerados "inadiáveis". Diante disso também são estabelecidas multas diárias se os sindicatos descumprirem ordens judiciais, em multas e percentuais que variam de acordo com cada região.
Voltando a atual conjuntura da relação empregador/empregado, estamos assistindo uma retomada gradativa da capacidade de luta do movimento sindical - ainda tímida em relação a outras épocas - onde acompanhamos algumas conquistas de aumentos reais e recuperação de perdas acumulada nos últimos anos. Mas - paralelo a essa tímida retomada de luta - vemos uma campanha (nada tímida) de grandes veículos de comunicação que seguem jogando a população contra grevistas, não permitindo que essa mesma população entenda as reivindicações desses trabalhadores.
Concluindo meu raciocínio, faço aqui o papel de "advogado do diabo", tentando explicar essa relação da mídia e as greves: nessa complexa relação teriam os meios de comunicação o complexo do "teto de vidro"? Afinal, que moral alguns órgãos de imprensa teriam de propagar que uma greve é justa, destacando questões como precarização do trabalho e direito dos empregados (chamados também de "colaboradores"), quando esses meios não são os melhores exemplos para o assunto dentro de seus próprios currais?